5 de mai. de 2011

A superação dos chineses em relação aos EUA

Há um fato a respeito da China que talvez vocês não saibam: hoje, os habitantes de Xangai têm uma expectativa de vida superior à dos americanos.
Em Xangai, pode-se prever que toda criança que nasce viverá até os 82 anos. Nos EUA, sua expectativa de vida não chega aos 79 (em toda a China, até nas áreas rurais, a expectativa é menor, de 73 anos). Neste momento, a forte repressão na China está justificadamente nas manchetes dos jornais, mas os dados referentes à saúde refletem outro aspecto de uma nação que não poderia ser mais complexa e contraditória.


Para os que lembram de Xangai de um quarto de século atrás, como uma cidade dilapidada, onde os camponeses iam coletar os dejetos noturnos das famílias sem rede de esgoto, é extraordinário que entre os habitantes de Xangai a taxa da mortalidade infantil seja de 2,9 para cada 1.000 nascimentos. O que é bem inferior à taxa de 5,3 de Nova York.


As crianças de Xangai têm uma educação de nível mundial nas escolas públicas - o seu é o melhor sistema escolar, segundo uma recente pesquisa realizada entre 65 nações, embora também seja verdade que as escolas chinesas têm problemas peculiares, como a cola generalizada e a asfixia da criatividade.


Desde 1990, o país reduziu as taxas de mortalidade infantil em 54%, segundo a Unicef. Em escala chinesa, isto representa mais de 360 mil vidas poupadas a cada ano. É o que torna a China um lugar tão fascinante e contraditório.


Mas o Partido Comunista Chinês da era da reforma também tem oprimido os dissidentes - e principalmente nos últimos tempos, enquanto a pior repressão foi registrada nas duas últimas décadas - embora esteja enriquecendo enormemente o povo.


O presidente Hu Jintao e outros representantes do mais alto escalão do PC são autocratas de fato, mas autocratas competentes, de maneira inusitada. As pesquisas mostram que os cidadãos chineses estão muito felizes com a vida, de acordo com os padrões internacionais, embora haja algumas dúvidas a respeito do significado destas pesquisas. A impressão que tenho é que, se o PC realizasse eleições livres, teria uma vitória esmagadora - principalmente nas áreas rurais.


Um pesquisador de Harvard, certa vez, me disse que a China de hoje está muito próxima da ambivalência, e isto me parece bastante certo. Mesmo o governo que joga alguns dissidentes na prisão, também proporciona novas oportunidades a centenas de milhões. Qual é a correlação entre pôr na cadeia um brilhante dissidente Prêmio Nobel, como Liu Xiaobo, e poupar anualmente centenas de milhares de vidas de crianças graças à melhoria dos serviços de saúde? Nenhuma. Os dois lados da China são incomensuráveis.


Os EUA em geral veem a China através das lentes do maniqueísmo - ou como o mastodonte econômico que está vencendo a pobreza e investindo de maneira brilhante em energia alternativa, ou como o Darth Vader que tortura os dissidentes. Sem dúvida, ambos são igualmente reais.


Espera-nos um período durante o qual as tensões sino-americanas provavelmente aumentarão, agravadas pelas eleições presidenciais americanas e pela transição da liderança chinesa em 2012, bem como pela repressão.


Quando morei na China nos anos 80 e 90, havia sempre um desconfortável desequilíbrio econômico entre eu e meus amigos chineses. Eu tinha um carro, e eles tinham bicicletas. Eu pagava as refeições de todos nós porque a minha situação era muito melhor.


Agora, existe um novo desequilíbrio: algumas daquelas pessoas circulam em limusines com motorista enquanto eu ando de táxi. Elas me levam para restaurantes da moda cujos preços me dão dor de cabeça. Um amigo chinês me levou para a sua casa com uma quadra de basquete interna e um cinema particular. É um tributo à espantosa melhoria do padrão de vida do país. Mas também mostra crescentes disparidades de renda em uma época em que, segundo dados oficiais, 320 milhões de chineses das zonas rurais sequer têm acesso a água potável.


Além disso, o boom econômico parece atribuível em parte a uma bolha, particularmente imobiliária. E algumas das grandes fortunas estão ligadas à corrupção dos funcionários do governo. Um amigo, filho de um membro do Politburo, me disse, certa ocasião, que recebia centenas de milhares de dólares ao ano de uma companhia chinesa apenas para fazer parte do seu conselho. Desse modo, a companhia podia convencer os governos locais a lhe ceder terrenos a preços reduzidos.


Que conclusão devemos tirar de um país como este? Que contém multidões. E, neste momento em que crescem as tensões entre China e EUA, toda visão simplista e maniqueísta talvez seja correta - mas também incompleta e equivocada.



Fonte:

Nicholas D. Kristof, colunista do The New York Times
 
 O Estado de S.Paulo (05/05/11)

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