5 de mai. de 2011

O que move a História

A mãe de Osama bin Laden tinha 15 anos quando ele nasceu. Apelidada de "A Escrava" dentro da família, ela foi descartada cedo e enviada para se casar com um gerente na empresa de construção dos Bin Landa.
Osama reverenciava o pai que ele raramente via e adorava a mãe. Quando adolescente, ele "se deitava aos seus pés e a acariciava", um amigo de família contou para Steve Coll, para sua biografia definitiva The Bin Ladens: An Arabian Family in the American Century (no Brasil, traduzido como Os Bin Laden).


Como muitas pessoas que vieram a alterar a história, para bem ou para mal, Bin Laden perdeu o pai quanto tinha aproximadamente 9 anos. O patriarca da família morreu num acidente de avião provocado por um piloto americano na Província de Asir, na Arábia Saudita - cinco dos sequestradores do 11 de Setembro viriam dessa província.


Seu irmão morreu posteriormente num acidente aéreo em solo americano. Osama foi uma criança extremamente tímida, escreve Coll.


Ele foi um estranho em sua nova família, mas também a galinha dos ovos de ouro. Sua mesada e sua herança foram a fonte da riqueza de seus parentes.


Ele teve uma existência suburbana e foi enviado a uma escola de elite, usando um blazer azul e sendo ensinado por professores europeus. Quando menino, assistia a série de TV Bonanza e foi apaixonado por outro programa americano chamado Fury, sobre um garoto órfão problemático que vai para um rancho onde doma cavalos selvagens.
Ele foi um aluno medíocre, mas era um devoto religioso. Entrou na universidade, mas não permaneceu muito tempo. Casou-se com uma prima-irmã quando tinha 14 anos e entrou nos negócios da família.
Eu repito esses fatos pessoais porque tenho a tendência a ver a história movida por forças históricas profundas. E por vezes ela o é.
Mas por vezes é movida por indivíduos absolutamente inexplicáveis que combinam qualidades que consideraríamos incompatíveis, que lideram de maneiras que violam todas as regras da liderança, que são capazes de perpetrar males enormes apesar de parecerem, eles próprios, absolutamente patéticos.
Analistas passaram suas vidas tentando antecipar ameaças futuras e compreender forças subjacentes. Mas ninguém poderia ter antecipado a vida e o efeito gigantesco que Bin Laden teria. O episódio todo nos faz desesperar sobre a possibilidade de previsões.
Como homem de família, Bin Laden era interessado em sexo, carros e trabalho, mas afora isso era devoto. Ele permitia fotografias em sua presença, mas proibiu o programa de TV infantil Vila Sésamo, molho Tabasco e canudinhos em sua casa. Ele cobria os olhos se uma mulher sem véu entrava na sala.
Gostava de assistir aos noticiários, mas mandava seus filhos ficarem ao lado do aparelho de televisão e baixarem o volume quando entrava música.
Como Coll enfatizou numa entrevista, na segunda-feira, esse tipo de devoção, embora não seja habitual para todos, era totalmente ortodoxa na sua sociedade. Ele não era um rebelde quando jovem.
Depois que os soviéticos invadiram o Afeganistão, ele organizou um turismo jihadista: ajudando jovens combatentes árabes idealistas que queriam passar algum tempo combatendo os invasores. Ele próprio não era um guerreiro, mas um mensageiro e um organizador, que, depois de sobreviver a um bombardeio soviético, começou a criar uma mitologia autoglorificadora.
Timidez. Ele ainda era penosamente tímido, mas voltou com um enorme senso de direito pessoal. Em 1990, quis dirigir a resposta saudita à invasão iraquiana do Kuwait. Ele também achou que devia dirigir os negócios da família. Depois de ser desapontado nesses dois papéis, seu radicalismo cresceu.
Nós pensamos em líderes terroristas como pessoas duras e intimidadoras. Bin Laden era afável e manso, com um aperto de mão flácido, mas seus soldados disseram a pesquisadores como Peter Bergen, o autor de The Longest War ("A mais longa guerra", em tradução livre), que conhecê-lo foi uma experiência profundamente espiritual. Eles contaram histórias sobre sua capacidade de evitar ofensas e perdoar transgressores.
Nós pensamos em terroristas como pessoas tentando construir células e organizações, mas Bin Laden criou uma antiorganização - um conjunto de redes de fonte aberta com alguns controles de cima para baixo, mas muita descentralização e uma disposição para aceitar todos os recrutas, independentemente de raça, seita ou nacionalidade.


Nós pensamos em lutadores de guerras como gente que usa a violência para se apoderar de propriedades e poder, mas Bin Laden parecia considerar o assassinato como uma subdivisão de uma administração de marca. Era uma maneira de inspirar as redes de levantamento de fundos, dominar os noticiários e manipular significado.


Em suma, Osama bin Laden parecia viver num mundo etéreo, pós-moderno de símbolos e significantes e também um mundo cruel e assassino de ódio e humilhação. Mesmo o mais brilhante analista de inteligência não conseguiria antecipar uma criatura tão curiosamente pré-moderna e pós-globalizada, ou imaginar que essa criatura adquiriria tamanho poder.


Gostaria que existisse um Bin Laden democrático, que em meio a toda a fome árabe por dignidade e liberdade houvesse outra pessoa inexplicável com a capacidade de organizar narrativas e impulsionar a ação - para o bem e não para o mal.


Por enquanto, parece não haver, o que é trágico porque os indivíduos contam.



Fonte:

David Brooks, colunista do The New York Times.

O Estado de S. Paulo (05/05/11)

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