24 de mai. de 2011

A polêmica a respeito do livro Por uma vida melhor continua...

O linguísta Sírio Possenti, professor da Unicamp traz outro ponto de vista sobre o assunto.



O artigo intitulado Analisar e opinar. Sem Ler foi publicado neste domingo (22/05) no O Estado de S. Paulo.



Por outro lado, José de Souza Martins, professor emérito da USP desenvolve opinião diversa, deveras interessante em seu artigo Mestiçagens da língua, no mesmo jornal.



A polêmica é devido ao livro adotado, comprado e distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) a milhares de alunos - Por uma vida melhor, da Coleção Viver, Aprender (Editora Global), de autoria da professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Heloisa Ramos.



Vejamos e analisemos as opiniões dos professores:


Analisar e opinar. Sem ler.
Sírio Possenti - O Estado de S.Paulo

O jornalismo nativo teve uma semana infeliz. Ilustres colunistas e afamados comentaristas bateram duro em um livro, com base na leitura de uma das páginas de um dos capítulos. Houve casos em que nem entrevistado nem entrevistador conheciam o teor da página, mas apenas uma nota que estava circulando (meninos, eu ouvi). Nem por isso se abstiveram de "analisar". Só um exemplo, um conselho e uma advertência foram considerados. E dos retalhos se fez uma leitura enviesada. Se fossem submetidos ao PISA, a classificação do país seria pior do que a que tem sido.
Disseram que o MEC distribuiu um livro que ensina a falar errado; que defende o erro; que alimenta o preconceito contra os que falam certo. Mas o que diz o capítulo?
a) que há diferenças entre língua falada e escrita. É só um fato óbvio. Quem não acredita pode ouvir os próprios críticos do livro em suas intervenções, que estão nos sites (não é uma crítica: eles abonaram a constatação do livro);
b) que cada variedade da língua segue regras diferentes das de outra variedade. O que também é óbvio. Qualquer um pode perceber que os livro, as casa, as garrafa seguem uma regra, um padrão. São regulares: plural marcado só no primeiro elemento. Consta-se ouvindo ou olhando, como se constata que tucanos têm bico desproporcional. Ninguém diz que está errado; todos os tucanos têm bico igual, é seu bico regular, seu bico "certo";
c) que há diferenças entre língua falada e escrita, que não se restringem à gramática, mas atingem a organização do texto (um teste é gravar sua fala, e transcrever; quem pensa que fala como escreve leva sustos);
d) que na fala e na escrita há níveis diferentes: não se escreve nem se fala da mesma maneira com amigos e com autoridades (William Bonner acaba de dizer "vamo lá sortiá a próxima cidade". Houve outros dados notáveis nos estúdios: "onde fica as leis da concordância?" e "a língua é onde nos une"...);
e) deve-se aprender as formas cultas da língua: todo o capítulo insiste na tese (é bem conservador!) e todos os exercícios pedem a conversão de formas faladas ou informais em formas escritas e formais.
O que mais se pode querer de um livro didático? Então, por que a celeuma? Tentarei compreender. Foram três as passagens do texto que causaram a reação. O restante não foi comentado.
Uma questão refere-se ao conceito de regra: quem acha que gramática quer dizer gramática normativa toma o conceito de regra como lei e o de lei como ordem: deve-se falar / escrever assim ou assado; as outras formas são erradas. Mas o conceito de regra / lei, nas ciências (em lingüística, no caso), tem outro sentido: refere-se à regularidade (matéria atrai matéria, verbos novos são da primeira conjugação etc.). Os livro segue uma regra. E uma gramática é conjunto de regras, também descritivas.
Outro problema foi responder "pode" à pergunta se se pode dizer os livro. "Pode" significa possibilidade (pode chover), mas também autorização (pode comer buchada). No livro, "pode" está entre possibilidade e autorização. Foi esta a interpretação que gerou as reações. Além disso, comentaristas leram "pode" como "deve". E disseram que o livro ensina errado, que o errado agora é certo (a tese ganhou a defesa de José Sarney!).
A terceira passagem atacada foi a advertência de que quem diz os livro pode ser vítima de preconceito. Achou-se que não há preconceito linguístico. Mas a celeuma mostra que há, e está vivíssimo. Uma prova foi a associação da variedade popular ao risco do fim da comunicação. Li que o português "correto" é efeito da evolução (pobre Darwin!). Ouvi que a escrita (!) separa os homens dos animais!
Esse discurso quer dizer que "eles" não pensam direito. O curioso é que os comentaristas são todos letrados, falam várias línguas. Mas não se dão conta de que um inglês diz THE BOOKS, e que a falta de um plural não constitui problema; que um francês diz LE LIVR(e), para les livres, e que a falta dos "ss" não impede a veiculação do sentido "mais de um".
Mas pior que a negação do preconceito foi a leitura segundo a qual o livro estimula o preconceito contra os que falam ''certo'', discurso digno de Bolsonaro, embora em outro domínio: foi o nobre deputado que entendeu a defesa dos homossexuais como um ataque aos heterossexuais. Um gênio da hermenêutica!
Mas há um problema ainda mais grave do que todos esses. De fato, ele é sua origem. Eles não defendem a gramática. Nossos "intelectuais" não conhecem gramáticas. Nunca as leram inteiras, incluindo as notas e citações, e considerando as discordâncias entre elas (acham que as adjetivas explicativas "vêm" entre vírgulas!). Eles conhecem manuais do tipo "não erre" (da redação etc.), que são úteis (tenho vários, para usar, mas também para rir um pouco) como ferramentas de trabalho em certos ambientes, em especial para defensores da norma culta que não a dominam.
Mas o suprassumo foi a insinuação de que o livro seria a defesa da fala "errada" de Lula. Ora, este tipo de estudo se faz há pelo menos 250 anos, desde as gramáticas históricas. Alguns acharam que estas posições são de esquerda. Não são! Os "esquerdistas" detestam os estudos variacionistas. Consideram-nos funcionalistas, vale dizer, burgueses. Por que defendê-los, então? Porque permitem que os estudos de língua cheguem pelo menos à época baconiana (Bacon é o nome do autor do Novum Organon, um cara do século XVI. Não é toucinho defumado).
SÍRIO POSSENTI É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA / INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM DA UNICAMP E AUTOR DE QUESTÕES PARA ANALISTAS DE DISCURSO E A LÍNGUA NA MÍDIA (PARÁBOLA).


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Mestiçagens da língua
JOSÉ DE SOUZA MARTINS - O Estado de S.Paulo
 
 
 
Quando em 1727 o rei de Portugal proibiu que no Brasil se falasse a língua brasileira, a chamada língua geral, o nheengatu, é que começou a disseminação forçada do português como língua do País, uma língua estrangeira. O português formal só lentamente foi se impondo ao falar e escrever dos brasileiros, como língua de domínio colonial, tendo sido até então apenas língua de repartição pública. A discrepância entre a língua escrita e a língua falada é entre nós consequência histórica dessa imposição, veto aos perigos políticos de uma língua potencialmente nacional, imenso risco para a dominação portuguesa.
 
 
Assis Cavalcante/Agência Bom Dia
Assis Cavalcante/Agência Bom Dia
Quilombo de Cafundó: comunidade conserva DNA da língua dos bantos

Agregue-se a isso, a proibição, com o advento da Revolução de Outubro de 1930, das línguas e dialetos originais falados por milhões de descendentes de imigrantes estrangeiros, especialmente italianos e alemães, vindos para o Brasil, com passagem paga pelo governo daqui, para suprir a carência de mão de obra decorrente da proibição do tráfico negreiro e da abolição da escravatura. Proibição que teve em vista forçar a disseminação, também no cotidiano, de uma língua nacional. Ficou nas exigências linguísticas do ensino formal essa herança de um período de autoritarismo político. Reconheça-se, entretanto, que nosso bilinguismo cimentou nossa unidade nacional, a despeito dos sotaques de múltiplas e suaves resistências a imposições oriundas de várias épocas.
 
 
 
Da repressão linguística ficaram sotaques na fala em português, e mesmo erros de escrita, e até curiosos detalhes: entre descendentes de alemães no Sul é fácil perceber o desencontro entre a respiração e a fala. Os falantes ainda respiram em função dos requisitos respiratórios da língua alemã quando falam em português, o que impõe à fala uma notória dificuldade rítmica. A mesma coisa constatou um linguista e musicólogo austríaco, Gehard Kubik, um dos estudiosos da língua dos negros da comunidade do Cafundó, na região de Sorocaba. Identificando-os como bantos, Kubik comparou seus ritmos respiratórios e gestuais aos dessas populações na África, regulados pelo pilar dos cereais, as mulheres com as crianças atadas às costas, respirando no mesmo ritmo das mães mesmo antes de aprenderem a falar. Dos últimos trazidos ao Brasil, no fim do tráfico, em 1850, os negros do Cafundó conservam essa espécie de DNA da língua.


Uma decorrência da proibição do nheengatu, que aliás, ainda se fala em várias regiões do Brasil, é que quase todos nós escrevemos o português da norma culta, mas falamos português, cotidianamente, com sotaque nheengatu. É o que se nota no deleite em pronunciar as vogais, em oposição ao português de muitas regiões de Portugal, de verdadeira aversão às vogais. Lá se fala “flor”, aqui se fala “fulô”; lá “orelha”, aqui muitos ainda dizem “oreia”. Aqui evitamos os infinitivos com os nossos “está”, “falá”, “cantá” ou com reduções como “tá”, “tô”, “né”. Sem contar o caso emblemático do “você”, incorporado à fala gramaticalmente correta, mas que é deturpação nheengatu do “Vossa Mercê”, da sociedade colonial e estamental, os cativos e os ínfimos, ainda que livres, pondo-se de pé e tirando o chapéu para dirigir-se às pessoas socialmente superiores. Tratamento que teve duplo percurso: na cidade virou “você”, na roça e nas regiões caipiras virou “mecê”. Nas cidades o “você” tornou-se pronome substituto do “tu”, da segunda pessoa do singular. Na roça, o “mecê” ainda é tratamento de terceira pessoa, resquício de hierarquias sociais antigas, ficando para a segunda pessoa a variante “ocê” ou o “vancê”.
 
 
 
No livro questionado, porém, o reconhecimento da legitimidade da fala popular se baseia numa premissa completamente falsa: “A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros”. É falso que a “classe dominante” use a norma culta. Frequentemente, empresários urbanos e rurais tropeçam nas normas da língua. Basta acompanhar falas e debates da Câmara e do Senado para testemunhar o reiterado atropelo de nossa língua nacional pela elite do poder. Sem contar que durante oito anos um presidente da República valeu-se de suas próprias regras linguísticas para falar à nação e ao mundo.


É falso, também, o contrário, em relação aos “dominados”. Pesquisador em áreas sertanejas do país, durante muito tempo ouvi suas maravilhosas alocuções, sobretudo de analfabetos, no Maranhão, no interior de Minas e de São Paulo, no sertão do Nordeste, de Goiás, do Mato Grosso, do Pará, falando um português impecável, belo, rebuscado, barroco, a mesma língua dos sermões do padre Vieira. Ainda me lembro da resposta de um morador de povoado do sertão maranhense, um negro velho, de postura e viso patriarcais, a barba longa, mas rala, quando lhe perguntei se tinha chegado ali com toda sua família: “Não, meu senhor. Eu vim pr’aqui com toda minha linhagem”.
 
 
JOSÉ DE SOUZA MARTINS, PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, É AUTOR DE A SOCIABILIDADE DO HOMEM SIMPLES (CONTEXTO)

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Opinião:


Uma das causas do péssimo ensino de Língua Portuguesa nas escolas é a versão ideológica e política que alguns linguístas tendem a fazer.



Ora, os ricos falam mais a língua normatizada não porque são ricos, mas porque tiveram a oportunidade de estudar em boas escolas. E falam exatamente como os alunos pobres que tenham tido a sorte de cair numa escola pública de boa qualidade ou que tiveram bons professores.



Não se engane, existem ricos ignorantes que mal falam a língua e acham que por serem ricos não precisam estudar.



Infelizmente, nascer em "berço de ouro" não significa sucesso na vida. O estudo e a busca da qualidade profissional independe da classe social ou dos "dominates" e dos "dominados". O sucesso na vida, portanto, depende como enxergamos os mundo; de muito esforço, dedicação e ESTUDO.


Luciana


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