26 de ago. de 2011

A cigarra, a formiga e a monotonia




--------------------------------------------------------------------------------Cantaram a vida inteira e só têm uma pessoa para quem apelar: a formiga -aquela de quem sempre falaram mal --------------------------------------------------------------------------------



AS PESSOAS nascem cigarra ou formiga, e nunca vão mudar, até o último dia de vida. As cigarras são simpáticas, alegres, adoráveis, generosas, e que ninguém pense em dividir uma conta de bar quando estão numa mesa. Nem por hipótese uma cigarra vai deixar de pagar a despesa -é mais forte que elas.

Coisa boa é viajar em companhia de uma cigarra. Além de esbanjarem em compras e presentes -régios- para os amigos, as notas de cem dólares parece que se multiplicam em suas mãos. Elas usam e abusam dos cartões de crédito, e com tal displicência que se tem -aliás, elas têm- a impressão de que a conta nunca vai chegar. Detalhe: se você tiver esquecido a carteira no hotel, a cigarra te empresta 300 dólares, e nunca vai se lembrar de cobrar. Mas quando precisar pedir algum dinheiro a você, que seja cem ou 10 mil, vai se esquecer de pagar -faz parte do personagem.

Ser cigarra na vida não tem nada a ver com ser rico ou pobre; é um estado de espírito, uma atitude, e o prazer de gastar o dinheiro -que tem ou não- até o último centavo. Como são encantadoras as cigarras. Tudo para elas é fácil; dão um pré-datado sem pensar duas vezes -aliás, nem duas nem uma- e têm essa qualidade deliciosa, que é a ausência total de preocupação. Nunca falam de dinheiro e são convictas de que ele sempre pinta.

Não existe nada mais agradável do que conviver com as cigarras. Elas são leves, bem-humoradas, alegres, otimistas e acham que no fim tudo dá certo. Quando você entrar numa sala e quiser saber quem é cigarra e quem é formiga, basta procurar quem tem o vinco entre as sobrancelhas. Cigarras não franzem a testa jamais.

Já as formigas passam a vida pensando no futuro; se vão ter um teto para morar quando ficarem velhas, de que vão viver, e por aí vai. O grande sonho de uma formiga é o da casa própria, e uma vez o teto comprado -e integralmente pago-, começa a pensar no dos outros: o dos filhos, o dos netos, o dos amigos.

Uma formiga não joga nada fora, nem comida ela deixa no prato -não pode, com tanta gente passando fome no mundo. Mesmo tendo dinheiro no banco, nunca tem nenhum no bolso -para não cair na tentação de tomar um sorvete ou uma água de coco sem sede, só pelo prazer -como se uma formiga pudesse correr esse risco. No restaurante, na hora de escolher, as formigas olham primeiro para os preços, sugerem dividir o prato, já que nunca estão com fome -quando estão pagando- e nunca pedem o mais caro.

As cigarras riem das formigas: que são avaras, seguras, que dinheiro para elas é mais importante do que os afetos, as amizades, o amor -o que nem sempre é verdade. São injustas, as cigarras. Mas como já dizia La Fontaine, um dia elas precisam de ajuda. Cantaram a vida inteira, o inverno chegou rigoroso, e só têm uma pessoa para quem apelar: a formiga -aquela de quem falaram mal a vida inteira. Quem não viu esse filme? Quem não tem um amigo cigarra ou formiga? E você, é o quê? Moral da história: tudo o que acontece é uma tal repetição de coisas faladas, escritas e vividas que o mundo chega a ser monótono de tão previsível. 

DANUZA LEÃO

16 de ago. de 2011

Política anti-imigração: barbarismo com aparência humana


Fatos recentes – como a expulsão dos ciganos da França, ou o ressurgimento do nacionalismo e do sentimento anti-imigração na Alemanha, ou o massacre na Noruega – devem ser vistos pelo viés de um rearranjo que vem ocorrendo há bastante tempo no espaço político da Europa oriental e ocidental.
Até recentemente, na maioria dos países europeus dominavam dois principais partidos que agregavam a maioria do eleitorado: um partido de centro-direita (democrata cristão, liberal-conservador, do povo) e um partido de centro-esquerda (socialista, social-democrata), com alguns partidos menores (ecologistas, comunistas) reunindo um eleitorado ainda menor.
Recentes resultados eleitorais na Europa ocidental e no Leste Europeu sinalizam o surgimento gradual de uma polarização diferente. Agora temos um partido predominante, de centro, atuando em prol do capitalismo global, geralmente acolhendo ideias culturalmente liberais (tolerância ao aborto, direitos dos gays, religiosos e minorias étnicas, por exemplo).
Em oposição a esses, tornam-se cada vez mais fortes os partidos populistas anti-imigração que, pelas beiradas, vêm acompanhados de grupos francamente racistas neofascistas. O melhor exemplo disto é a Polônia, onde (após o desaparecimento dos ex-comunistas) os principais partidos são o liberal-centrista “anti-ideológico” do primeiro-ministro Donald Tusk, o Plataforma Cívica, o conservador Christian Law, e o Partido da Justiça dos irmãos Kaczynski.
Tendências semelhantes podem ser observadas, como já testemunhamos, na Noruega, na Holanda, na Suécia e na Hungria. Mas como chegamos a este ponto?
Após décadas de fé no estado de bem-estar social, quando cortes financeiros eram vendidos como temporários, e sustentados por uma promessa de que as coisas logo voltariam ao normal, estamos entrando numa época em que a crise – ou melhor, uma espécie de estado econômico de emergência, com sua necessidade de atendimento para todo tipo de medida de austeridade (cortando benefícios, diminuindo serviços de saúde e de educação, tornando os empregos mais temporários) – é permanente. A crise está se transformando num estilo de vida.
Depois da desintegração dos regimes comunistas, em 1990, entramos numa nova era na qual predomina a administração despolitizada de especialistas e a coordenação de interesses como exercício do poder de Estado.
O único meio de introduzir paixão nesse tipo de política, o único meio de ativamente mobilizar o povo, é pelo medo: o medo dos imigrantes, o medo do crime, o medo da depravação sexual ateia, o medo do Estado excessivo (com sua alta carga tributária e natureza controladora), o medo da catástrofe ecológica, assim como o medo do assédio (o politicamente correto é a forma liberal exemplar da política do medo).
Uma política assim se sustenta sobre a manipulação de uma multidão paranoica – a assustadora correria de homens e mulheres amedrontados. Eis porque o grande evento da primeira década do novo milênio se deu quando a política anti-imigração entrou para a prática corrente e cortou enfim o cordão umbilical que conectava-a com os partidos da extrema direita.
Da França à Alemanha, da Áustria à Holanda, no novo modelo de orgulho de sua própria identidade cultural e histórica, os principais partidos veem como aceitável insistir em que os imigrantes são hóspedes que devem se acomodar aos valores culturais que definem a sociedade anfitriã – “este é o nosso país, ame-o ou deixe-o” é o recado.
Os liberais progressistas estão, é claro, horrorizados com esse populismo racista. Entretanto, uma olhada mais de perto revela o quanto compartilham sua tolerância multicultural e o respeito às diferenças com esses que opõem imigração à necessidade de manter os outros a uma distância apropriada. “O outro é bacana, eu o respeito”, dizem os liberais, “contanto que não interfiram demais no meu espaço pessoal. Quando fazem isso, eles me incomodam – eu apoio enormemente uma ação afirmativa, mas em momento algum estou disposto a ouvir rap a todo volume”.
A principal tendência dos direitos humanos nas sociedades do capitalismo tardio é o direito de não ser incomodado; o direito de manter uma distância segura em relação aos outros.
Um terrorista cujos planos fúnebres devem ser evitados permanece em Guantânamo, a zona vazia desprovida de regras da lei, e um ideólogo fundamentalista deve ser silenciado porque ele espalha o ódio. Pessoas assim são assuntos tóxicos que perturbam a minha paz.
No mercado atual, encontramos toda uma série de produtos despidos de suas propriedades malignas: café sem cafeína, creme sem gordura, cerveja sem álcool. E a lista continua: que tal sexo virtual, o sexo sem sexo? A doutrina Collin Powell de guerra sem baixas – para o nosso lado, obviamente – como uma guerra sem guerra?
A redefinição contemporânea de política como arte da administração especializada, política sem política? Isto nos leva ao atual multiculturalismo liberal tolerante como uma experiência do Outro desprovida de sua alteridade – o Outro descafeinado.
O mecanismo dessa neutralização foi melhor formulado em 1938 por Robert Brasillach, o intelectual fascista francês, que via a si mesmo como um antissemita “moderado” e inventou a fórmula do antissemitismo razoável.
“Nós nos concedemos a permissão de aplaudir Charles Chaplin, um meio-judeu, nos filmes; de admirar Proust, um meio-judeu; de aplaudir Yehudi Menuhin, um judeu; não queremos matar ninguém, nós não queremos organizar nenhumpogrom. Mas também achamos que o melhor meio de impedir as ações sempre imprevisíveis do antissemitismo instintivo é organizar um antissemitismo razoável.”
Não seria esta a mesma atitude que entra em funcionamento quando nossos governantes lidam com a “ameaça imigrante”? Após rejeitar diretamente, à moda da direita, o populismo como “irracional” e inaceitável para nossos padrões democráticos, eles endossam “racionalmente” as medidas de proteção racistas.
Ou, como Brasillachs atuais, alguns deles, mesmo os social-democratas, nos dizem: “Concedemos a nós mesmos permissão para aplaudir atletas da África e do Leste Europeu, doutores asiáticos, programadores de softwares indianos. Nós não queremos matar ninguém, não queremos organizar nenhum pogrom. Mas também achamos que o melhor meio de impedir as sempre imprevisíveis e violentas medidas de defesa anti-imigração é organizar uma proteção anti-imigração razoável.”
Essa ideia de desintoxicação do vizinho sugere uma passagem do franco barbarismo para o barbarismo com uma aparência humana. Revela que estamos saindo do amor ao próximo cristão e caminhando de volta para os privilégios pagãos de nossas tribos em detrimento do outro, bárbaro. Mesmo que esteja sob a máscara da defesa de valores cristãos, esta é a maior ameaça ao legado cristão.
Tradução: Leonardo Gonçalves para a Boitempo Editorial.
* Slavoj Žižek é filósofo, psicanalista e um dos principais pensadores contemporâneos.
** Publicado originalmente no ABC – Religion and Ethics e retirado do site Brasil de Fato.
(Brasil de Fato)

8 de ago. de 2011

A fome hermética


As dificuldades de acesso a várias zonas do Chifre da África, onde 12,4 milhões de pessoas correm o risco de morrer de fome, impedem que a situação seja amenizada e agravam a crise, alertaram funcionários dos Estados Unidos e de agências de ajuda internacionais. “Não víamos uma crise humanitária tão grave em uma geração”, afirmou Reuben Brigety, vice-secretário assistente do Escritório de População, Refugiados e Migrações no Departamento de Estado norte-americano. Brigety participou do seminário “Fome na Somália: uma mudança prevista para pior”, organizado no dia 1º em Washington pela Brookings Institution.
“É uma situação sem paralelo”, afirmou, por sua vez, Semhar Araua, conselheiro sobre políticas regionais para o Chifre da África da organização Oxfam Internacional. “Neste caso se trata da capacidade da população para enfrentar a situação, e as pessoas nessa região foram capazes de resistir dia e noite por anos, em meio a conflitos e insegurança, e neste momento vemos que já não podem sobreviver, não podem obter os alimentos básicos”, ressaltou.
A Somália é o país mais afetado pela seca no Chifre da África, e a situação se agravará ainda mais quando chegarem os meses que tradicionalmente marcam a temporada de secas, alertou o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Além de a ajuda da comunidade internacional em geral demorar, as áreas mais afetadas na Somália estão desamparadas devido às dificuldades de acesso, afirmou o diretor do Escritório de Relações com os Estados Unidos do Programa Mundial de Alimentos (PMA), Allan Jury. “Temos desafios de financiamento, mas diria que os desafios que têm a ver com o acesso são muito maiores”, disse Jury, referindo-se em particular ao sul da Somália, onde sua agência não consegue operar desde janeiro de 2010.
A dificuldade de acesso é o motivo pelo qual a Etiópia tem uma crise que se expande, mas é manejável, enquanto na Somália já existe fome, afirmou Jury. “Não são crises acidentais, e foram provocadas pelo homem, já que as estatísticas de chuvas nos dois lados da fronteira são muito semelhantes”, ressaltou. Entretanto, a seca, por mais aterradora que seja, não é o único problema que sofrem as cerca de dois milhões de pessoas no sul somaliano, controlado por insurgentes vinculados à rede radical islâmica Al Qaeda.
“Temos uma situação na Somália que é realmente arrepiante. É a crise mais séria que vemos há muito tempo. A questão-chave é que este país provavelmente seja o mais perigoso em que operamos”, afirmou Jury. No dia 28 de julho, depois que a ONU anunciou que a situação em duas regiões somalianas tinham se deteriorado e se transformado em fome, os Estados Unidos prometeram US$ 28 milhões em assistência. No entanto, há poucas esperanças de que a ajuda chegue aos afetados, porque as áreas estão controladas pelo grupo extremista islâmico Al Shabab. Washington impôs limitações ao uso de suas doações seguindo suas políticas de segurança e antiterrorismo.
“Estamos comprometidos com os esforços para salvar a vida dos somalianos, e já estamos trabalhando em áreas não controladas pelo Al Shabab”, assegurou Donald Steinberg, vice-administrador da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), ao participar há alguns dias de uma conferência em Londres. “Lamentavelmente, cerca de 60% das pessoas afetadas estão nos territórios do Al Shabab. Instruímos o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o PMA para que utilizem nossa ajuda em qualquer parte que não esteja sob controle” dos radicais islâmicos, acrescentou.
Os Estados Unidos foram acusados de politizar os esforços humanitários, mas também é certo que esse país não teria muitas opções se mudasse de estratégia: o Al Shabab proibiu todas as organizações e agências, incluindo o PMA, de trabalharem nas regiões que controla, onde nega que exista fome. “A expulsão do PMA do sul da Somália ocorreu em janeiro de 2010 por exigência do Al Shabab e grupos relacionados, e não por nenhuma restrição do governo norte-americano”, destacou Jury. O funcionário informou que o PMA fez um acordo com Washington para lançar programas de assistência em várias outras regiões somalianas que não estavam explicitamente proibidas pelo Al Shabab.
“Os Estados Unidos mostraram-se inclinados a serem mais flexíveis na expansão das áreas geográficas onde o PMA pode usar a ajuda”, acrescentou. “Entendemos que nosso maior desafio é conseguir acesso às áreas do Al Shabab, e não as restrições impostas pelos doadores”, disse Jury. Por sua parte, Brigety destacou que Washington não estava antepondo seus interesses de segurança. “Temos de buscar formas inovadoras de nos envolvermos com todos os atores no terreno de forma a garantir o acesso”, afirmou. “Estamos conscientes da necessidade de participar do diálogo, e podemos garantir que encaramos esses temas de uma forma que reconhece a gravidade da situação”, ressaltou. Envolverde/IPS
**IPS

    Redes sociais superam a censura


     A legião de microblogueiros que cresce rapidamente na China superou os esforços do governo para supervisionar, incidir e censurar a informação que circula pela internet. Isto ficou evidente após o acidente de trem de Wenzhou, que desatou uma onda de indignação e no país.
    84 Redes sociais superam a censura
    Os chamados weibos na China são fontes de informação cada vez mais populares e espaços para o debate público. Com as redes sociais Twitter e Facebook, proibidas neste país, o serviço limita a extensão das mensagens e os usuários podem reenviá-los e comentá-los. O conteúdo varia de questões mundanas ao humor e, sempre, assuntos políticos.
    A China tem mais de 500 milhões de usuários de internet e mais da metade tem conta de microblog. Duas empresas dominam o setor: a Sina Holdings Limitada, com o serviço Sina Weibo, utilizado por 140 milhões de pessoas, e a Tencent Inc. com 200 milhões de clientes. Os usuários da Sina costumam ser do setor social de maior renda e com mais estudo, enquanto os da Tencent são mais jovens.
    Vários organismos do governo e corporações estatais têm conta de microblog, inclusive o órgão de imprensa do Partido Comunista, o Diário do Povo, tem um. Mas a maioria dos usuários é de cidadãos comuns interessados em socializar e trocar informação, inclusive sobre temas considerados delicados na China.
    “Cada vez mais pessoas expressam opiniões sobre o bem-estar da população, a justiça e a corrupção”, disse à IPS o pesquisador Jiang Shenghong, da Academia de Ciências Sociais da cidade de Tianjin. “As redes sociais, especialmente os weibos, se converteram em um método importante para as pessoas adotarem e expressarem ideias. Podem difundir rapidamente, de forma oportuna e é relativamente gratuito”, acrescentou.
    Trata-se de um espaço onde se costuma discutir questões como a expropriação de terras, demolição de casas e a corrupção no governo. Porém, foi o desastre de Wenzhou que mostrou ao governo o poder dos microblogs e, por extensão, da cidadania conectada à internet.
    Dois trens de alta velocidade chocaram-se no dia 23 de julho nessa cidade da província de Zheijiang, deixando 40 mortos e quase 200 feridos. O acidente e a resposta do governo desataram a dor e a ira das pessoas. O mais terrível para muitos chineses foram as imagens dos restos de máquinas incendiadas antes que acabasse a investigação.
    Em cinco dias, houve 26 milhões de mensagens sobre a tragédia nos microblogs. As pessoas questionaram a resposta do governo e houve quem perguntasse se as autoridades não sacrificavam a população para preservar o crescimento econômico. A imprensa estatal inicialmente se concentrou em relatos de bebês resgatados e depois informou sobre o descontentamento da população.
    Na semana passada, o governo ordenou aos meios de comunicação que deixassem de divulgar informação sobre o acidente que não fosse fornecida pela agência estatal Xinhua. Alguns jornais, influenciados pela atividade dos weibo, se negaram a cumprir essa ordem.
    As autoridades seguem de perto as discussões nos weibos e deslocaram um pequeno exército de comentaristas encobertos para divulgar a linha oficial. Estas pessoas operam de forma anônima e promovem argumentos politicamente corretos. Muitos o fazem por dinheiro, segundo várias versões da imprensa internacional, entram em blogs, sites de notícias e salas de bate-papo.
    Os “relações públicas” costumam ser estudantes que desejam aumentar sua renda e melhorar a chance de entrar no Partido Comunista. Outros são funcionários públicos ou aposentados que o fazem por entenderem que é um dever patriótico. São dezenas de milhares de pessoas, segundo as últimas versões da imprensa.
    Global Times, um jornal estatal, informou no ano passado que na província de Gansu, norte do país, estavam sendo recrutados 650 comentaristas em tempo integral para “guiar a opinião pública sobre temas controvertidos”. Às vezes, o governo censura abertamente a informação, apaga comentários delicados ou proíbe as pessoas que provocam controvérsias.
    Depois do acidente em Wenzhou, a onda de mensagens superou a censura que permitiu sua livre circulação pela internet. Foi tamanha a rapidez com que apareceram que ficou impossível realizar um controle efetivo. O risco que as autoridades corriam apagando comentários em massa era pior.
    A pressão dos microblogueiros obrigou funcionários de Whenzhou a voltarem atrás e pedir desculpas pela ordem dada para que os advogados locais não aceitassem casos de famílias e vítimas do acidente sem permissão das autoridades. Após denúncias de que as autoridades pretendiam encobrir o acidente, os restos do trem foram desenterrados para continuarem as investigações.
    Os weibos podem servir como ferramenta para que a cidadania se comunique com o governo, disse Hu Yong, professor da Faculdade de Jornalismo e Comunicações, da Universidade de Pequim. “Os wiebos permitem criticar a falta de ação do governo e servem para divulgar notícias em tempo real, o que obriga o governo a tomar medidas”, disse Hu à IPS. “O governo central controla a internet na China. As pessoas não podem dizer o que querem”, acrescentou. Envolverde/IPS
    **IPS

      7 de ago. de 2011

      A crise da dívida dos EUA

      “Não é de hoje que estudos, auditorias e investigações denunciam que a dívida pública, ao invés de aportar recursos ao Estado, vem desviando recursos (que deveriam se destinar a áreas sociais) para o pagamento de juros e amortizações de uma dívida cuja contrapartida não se conhece, pois não existe a devida transparência.”




      A crise da dívida dos Estados Unidos da América do Norte, maior economia do planeta, escancara a usurpação do instrumento de endividamento público e a sua utilização em benefício do setor financeiro bancário.

      Sabemos que o endividamento público é um importante instrumento de financiamento dos Estados, por isso todas as nações são autorizadas a endividar, dentro de certos limites e condições. As dívidas contraídas deveriam aportar recursos aos cofres públicos, complementando os recursos arrecadados por meio de tributos, de forma que o Estado possa cumprir seu papel e garantir vida digna ao seu povo.

      Não é de hoje que estudos, auditorias e investigações denunciam que a dívida pública, ao invés de aportar recursos ao Estado, vem desviando recursos (que deveriam se destinar a áreas sociais) para o pagamento de juros e amortizações de uma dívida cuja contrapartida não se conhece, pois não existe a devida transparência.

      Assim, o problema central é que o instrumento do endividamento público tem sido utilizado como um sistema de desvio de recursos públicos que, para operar, conta com arcabouço de privilégios e possui diversas ramificações que constituem o que batizamos de “Sistema da Dívida”.

      Nos EUA, esse sistema operou, recentemente, para salvar grandes bancos em risco de quebra. Até a semana passada, não se sabia o tamanho dessa ajuda, pois as informações eram vagas e conflitantes, até que no último dia 21 de julho o Senador Bernie Sander publicou o seguinte:

      Auditoria inédita realizada pelo Departamento de Contabilidade Governamental norte-americano revelou que US$ 16 trilhões foram secretamente repassados pelo Banco Central dos Estados Unidos – FED, Federal Reserve Bank - para bancos e corporações norte-americanas, bem como para alguns bancos estrangeiros de diversos países.

      Os registros de tais repasses haviam sido anotados pelo FED sob a modalidade de empréstimos com juros próximos de zero, realizados no período de dezembro/2007 e junho/2010, que abrange tanto a administração Bush (republicanos) como Obama (democratas).

      Assim, volumosa dívida pública foi contabilizada para garantir ajuda aos maiores bancos do país e do exterior. Lista de instituições que receberam a maior parte dos recursos do Federal Reserve está registrada na página 131 do Relatório de Auditoria Governamental, resumida a seguir:

      Citigroup: $2.5 trillion ($2,500,000,000,000)Morgan Stanley: $2.04 trillion ($2,040,000,000,000)Merrill Lynch: $1.949 trillion ($1,949,000,000,000)Bank of America: $1.344 trillion ($1,344,000,000,000)Barclays PLC (United Kingdom): $868 billion ($868,000,000,000)Bear Sterns: $853 billion ($853,000,000,000)Goldman Sachs: $814 billion ($814,000,000,000)Royal Bank of Scotland (UK): $541 billion ($541,000,000,000)JP Morgan Chase: $391 billion ($391,000,000,000)Deutsche Bank (Germany): $354 billion ($354,000,000,000)UBS (Switzerland): $287 billion ($287,000,000,000)Credit Suisse (Switzerland): $262 billion ($262,000,000,000)Lehman Brothers: $183 billion ($183,000,000,000)Bank of Scotland (United Kingdom): $181 billion ($181,000,000,000)BNP Paribas (France): $175 billion ($175,000,000,000)


      Estas cifras estratosféricas evidenciam a utilização do instrumento do endividamento público para fins totalmente diversos do que se poderia considerar justificável, pois enquanto bancos receberam ajuda de US$ 16 trilhões - soma superior ao PIB do país - o peso dessa “dívida pública” tem recaído sobre o povo, provocando desemprego recorde, restrições a serviços de saúde e demais benefícios do seguro social, transformado radicalmente a realidade social naquele país, e para pior.

      As revelações dessa auditoria governamental são tão alarmantes que levam à necessidade de aprofundamento das investigações, tendo em vista que o volume de recursos emprestados aos bancos, de US$ 16 trilhões, supera o atual saldo da dívida pública estadunidense, de US$ 14,5 trilhões.

      Além desses repasses feitos pelo FED, o Tesouro também destinou grandes somas de recursos aos bancos, tanto sob a forma de repasses diretos como por meio de programas de salvamento bancário que consumiram grande parte da arrecadação tributária do país.

      A crise que atinge a maior economia do planeta também provoca conseqüências para o resto do mundo, mas antes de entrar nessa abordagem, cabe questionar porque razão o FED teria repassado tamanho volume de recursos aos maiores bancos do país e do mundo?

      Possivelmente, a cumplicidade do governo norte-americano de não coibir a emissão descontrolada de produtos financeiros que se revelaram verdadeiro “lixo”, seguida de tentativas de empurrar esse lixo para debaixo do tapete com a criação dos chamados “bad banks” - instituições que se prestariam a acatar volumes expressivos desses papéis podres, realizando uma “faxina” para aliviar o sistema financeiro americano  - e talvez até garantias governamentais a certas operações, pesaram em favor da decisão política de salvar os bancos mediante a emissão de trilhões de títulos da dívida, transformando a crise financeira em crise da dívida.  

      Adicionalmente, a desregulamentação do mercado financeiro internacional contou com a cumplicidade das principais nações, já que em reunião do G-20 realizada em abril/2009 a proposta de regulamentação do setor não passou. No ano seguinte, o G-20 apenas discutiu a necessidade de regulação mais rigorosa para grandes instituições financeiras, consideradas “grandes demais para quebrar”, admitindo que tal regulação seria uma medida para evitar que novas eventuais falências não tivessem que ser resolvidas pelos governos, aprofundando a dívida pública e colocando economias inteiras em risco.

      Portanto, a origem da crise deflagrada desde 2008 nos EUA reside no setor financeiro bancário e sua excessiva “criatividade” na produção de séries e mais séries de derivativos sem lastro e outros produtos financeiros sem respaldo e sem valor algum - chamados de “ativos tóxicos” pela grande mídia.

      Derivativos são meras apostas baseadas em outro ativo real. Por exemplo, se determinado conjunto de ações de determinada empresa vale R$ 1.000, faço uma aposta de que aquele conjunto pode valer mais, por exemplo R$ 1.500, e emito um derivativo no valor de R$ 500. Enquanto existem diversas restrições legais e normativas para a colocação de ativos reais no mercado financeiro, a emissão de derivativos não é controlada, o que deu margem para que essas emissões se tornassem um negócio altamente rentável, pois o custo de produção de um derivativo era praticamente nulo.

      Como os derivativos são meras apostas especulativas que podem vir a se concretizar ou não, esses papéis deram margem ao surgimento de outros papéis que funcionam como “seguros” para garantir o investidor contra o risco inerente àquelas apostas, também vendidos em larga escala pelos bancos.

      Esses papéis inundaram o mercado financeiro mundial e foram repassados a fundos de investimento, fundos de pensão, fundos soberanos e toda espécie de investimentos mundo afora.

      Na medida em que as apostas especulativas foram se frustrando, o tremendo volume de seguros começou a ser acionado, levando os bancos a sérios problemas financeiros. Cabe ressaltar que quanto maior e mais famoso o banco, maior a facilidade de colocação de seus derivativos no mercado, e mais amplo o acesso a mercados secundários em todas as partes do mundo, inclusive paraísos fiscais, o que explica a destinação de volumes de recursos mais expressivos para os maiores bancos, conforme lista divulgada pela auditoria governamental.

      Apesar da gravidade dessa questão relacionada à origem da crise e ao salvamento dos bancos, as discussões predominantes no parlamento norte-americano nos últimos dias limitaram-se à necessidade de elevar o limite legal para o endividamento - atualmente fixado em US$ 14,3 trilhões - bem como ao corte de gastos sociais para que sobrem mais recursos para o pagamento de compromissos financeiros da dívida.   

      Essa crise propiciou acalorados debates e exploração de desgastes políticos inerentes ao período pré-eleitoral estadunidense que até o Secretário de Tesouro Timothy Geithner chamou de “espetáculo”, manifestando sua preocupação de dano à confiança nos Estados Unidos e à cotação dos títulos pelas agências de risco.

      Parlamentares debateram também a iminência de uma moratória, o risco de colapso do dólar e de inflação galopante, engenharia financeira, dentre outros problemas estruturais da economia dos EUA, mas o foco da origem da crise – que reside na atuação do setor bancário que inundou o mercado financeiro de papéis sem lastro- não foi devidamente atacado, muito possivelmente em reconhecimento à generosidade do setor financeiro no financiamento de campanhas eleitorais.  

      Democratas e republicanos acabaram chegando a um acordo para aprovar, por 74 contra 26 votos, um pacote de “legislação de emergência” que de imediato eleva o limite legal de endividamento em mais US$ 400 bilhões, seguido de mais uma elevação de US$ 500 bilhões, o que permitirá a emissão de mais 900 bilhões de dólares em títulos que cobrirão dívidas anteriores, reduzindo o déficit. Os cortes de gastos sociais serão objeto de cortes drásticos de US$ 2 trilhões em uma década e atingirão principalmente gastos com aposentadorias, assistência médica e subsídios agrícolas.

      A solução encontrada é paliativa e o problema real está longe de ser resolvido, pois não está sendo enfrentado: a economia mundial padece da contaminação de imensa quantidade de papéis sem lastro; verdadeiro “lixo” estimado em cerca de 10 vezes o PIB mundial que as nações mais ricas do mundo, principalmente os Estados Unidos, decidiram reciclar mediante a sua troca por dívida pública.

      Países da Europa também decidiram salvar os bancos que se encontravam em risco de quebra por terem emitido papéis financeiros sem respaldo, transformando a crise financeira em crise da dívida naquele continente.

      Na realidade, o salvamento do sistema bancário e o acobertamento das operações que de fato provocaram a crise financeira nos EUA e Europa estão relacionados à evidente tentativa de transferir os papéis podres para o resto do mundo. O Brasil não está imune de absorver esse lixo, mas as conseqüências da crise da dívida norte-americana vão muito além desse risco.

      Devido à aceitação mundial do dólar em transações comerciais e financeiras, diversos países aplicam suas reservas internacionais em títulos da dívida dos EUA. O Brasil é um destes países, tendo acumulado mais de 200 bilhões de dólares em títulos do Tesouro estadunidense nos últimos 6 anos, embora tal aplicação não renda quase nada ao país. O mais grave é que a compra dessas reservas internacionais (que não rendem quase nada) foi feita mediante a emissão de títulos da dívida interna brasileira que pagam os juros mais elevados do mundo. Essa diferença de rendimentos agravada pela forte desvalorização do dólar frente ao real resultou em mega prejuízo ao Banco Central do Brasil, da ordem de R$ 147 bilhões em 2009 e R$ 50 bilhões em 2010, que é arcado pelo Tesouro Nacional, isto é, por toda a sociedade. O endividamento brasileiro já atinge quase R$ 3 trilhões e em 2010 consumiu 44,93% dos recursos do orçamento da União, sacrificando os investimentos em saúde, educação e todas as demais áreas. Desta forma, o povo brasileiro também já está pagando, há algum tempo, a conta da crise da dívida norte-americana.

      Outros impactos advirão das medidas aprovadas nesse 2 de agosto de 2011: a demanda norte-americana por produtos de outros países deverá ser fortemente abalada pelas medidas recessivas que estão sendo adotadas para reduzir gastos e fazer sobrar mais recursos para o pagamento da dívida. Além de afetar, em cascata, o comércio de diversos países, tais medidas recessivas provocarão o agravamento da própria crise, inibindo investimentos reais, produtividade e geração de empregos. Por isso outro impacto deverá ser o aumento da pressão para a colocação de produtos norte-americanos em todos os mercados, afetando indústrias locais.

      Segundo Michel Chossudovsky, para financiar o salvamento dos bancos o governo dos EUA recorreu a empréstimos junto a esses mesmos bancos. Assim, como num passe de mágica, os bancos falidos foram salvos e ainda transformados em credores do Estado! Por isso, o autor defende a ANULAÇÃO destas dívidas, o retorno dos recursos ao Tesouro dos EUA, e o confisco dos bens dos especuladores, proposta bem distinta da recentemente aprovada no parlamento norte-americano.

      A atual crise expôs a dominância do setor financeiro e impõe a necessidade de revisão desse modelo de desenvolvimento e de acumulação capitalista que privilegia o setor bancário. Especialmente nos Estados Unidos, o privilégio de impressão de moeda e emissão de títulos da dívida para financiar investimentos, mas também especulação e guerras, se esgotou.


      Notas da autora:

      - PIB = Produto Interno Bruto; soma de todas as riquezas produzidas no país no período de 1 ano. O PIB dos EUA é o maior do mundo e equivale atualmente a US$ 14,12 trilhões

      - A emissão descontrolada desses papéis “tóxicos” foi possibilitada porque os controles existentes, determinados pela SEC - Securities and Exchange Commission, Estados Unidos da América - órgão criado logo após a crise de 1929 e que desde então exercia o papel de controlar a qualidade e autenticidade dos papéis negociados no mercado financeiro – foram desrespeitados por diversas grandes instituições financeiras (O documentário Inside Job, disponível na internet, ilustra bem esse mecanismo)

      - Em inglês: Toxic assets, termo empregado para papéis completamente podres, que não possuem valor algum. Outra denominação é dada para papéis também problemáticos, mas que ainda teriam algum valor; são os chamados Iliquid assets

       

      ** Maria Lucia Fattorelli é coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil desde 2001, foi membro da Comissão para a Auditoria Integral Equatoriana (CAIC) entre 2007 e 2008 e Assessora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Pública na Câmara dos Deputados do Brasil entre 2009 e 2010.

      1 de ago. de 2011

      Fuvest publica Manual do Candidato do vestibular da USP

      A Fuvest publicou nesta segunda-feira, 1, o Manual do Candidato do vestibular 2012 no site www.fuvest.br. As inscrições para o processo seletivo começam dia 26 de agosto e seguem abertas até 9 de setembro.
      Veja também:
      link Baixe o manual (em PDF)
      A prova de primeira fase será aplicada em 27 de novembro. A segunda fase vai de 8 a 10 de janeiro.
      O vestibular selecionará candidatos à Universidade de São Paulo (10.852 vagas) e à Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (100 vagas), com um total de 10.952 vagas.

      ** O Estado de S. Paulo (01/08/11)

      Dividida, Oslo debate o papel da imigração

      Essa é uma das mais plácidas e agradáveis capitais da Europa, mas está dividida. A zona oeste da cidade é rica, segura e predominantemente branca. O lado leste é mais pobre, menos seguro e povoado de imigrantes, na maior parte muçulmanos.
      Recentemente, a Noruega endureceu suas normas de imigração e asilo em meio a um antigo debate sobre integração e multiculturalismo. Apesar da riqueza vinda do petróleo e o baixo índice de desemprego, a população está cada vez mais preocupada com o crescimento do contingente de imigrantes muçulmanos, principalmente depois dos atentados de 11 de Setembro, e com a crise dinamarquesa que eclodiu com a publicação, em 2005, de caricaturas do Profeta Maomé.
      Mas a população muçulmana cresce e o islamismo hoje é a segunda maior religião do país. O impacto dessa população sempre em aumento e cada vez mais visível contribuiu para o avanço do Partido do Progresso - que combate a imigração e hoje é o segundo maior partido no Parlamento -, e parece ter sido uma das causas indiretas do massacre perpetrado contra a elite branca da Noruega. O suspeito, Anders Behring Breivik, alega ter sido compelido a agir diante do fracasso dos políticos - incluindo o Partido do Progresso -, em conter a maré islâmica.
      Em muitos aspectos, esses argumentos parecem absurdamente inflados. A Noruega, com 4,9 milhões de habitantes, tem 550 mil imigrantes, cerca de 11% da população, mas 42% deles têm cidadania norueguesa. A metade dos imigrantes no país é de europeus brancos, especialmente poloneses e suecos, que vieram para a rica Noruega em busca de melhores salários.
      Mas a população imigrante quase triplicou entre 1995 e 2010 e os muçulmanos, como em todas as partes da Europa, têm famílias bem maiores do que a população local.
      Barreiras. Seja por problemas econômicos, o desejo de viver com outros muçulmanos ou por causa das políticas sociais equivocadas, em algumas cidades guetos de imigrantes foram formados, o que impede que eles assimilem a cultura e a língua norueguesas e se integrem plenamente a sociedade.
      Em Furuset, bairro localizado no ponto final da linha de metrô a leste de Oslo, o número de imigrantes supera o de noruegueses, que vêm fugindo dessa área.
      Uma enorme mesquita, inaugurada recentemente, fica próxima de um centro comunitário logo acima da estação de metrô, cercada por um pequeno parque com bancos. Nesse parque há uma estátua de Trygve Lie, antigo primeiro-ministro exilado durante a Segunda Gurra que se tornou o primeiro secretário-geral das Nações Unidas, um símbolo da resistência norueguesa e do cumprimento das responsabilidades internacionais.
      "Quando mudei para cá em 1976, essa era uma região nova e só havia cidadãos noruegueses", disse Lisbeth Norloff, professora de língua norueguesa. "Agora, eles são poucos e alguns estão saindo daqui". Ela diz que está feliz que os filhos cresceram e vivem longe dali, "de modo que não preciso me preocupar".
      Nas suas aulas, entre os quarenta alunos há apenas dois noruegueses nativos, e ela diz que precisou baixar o nível de ensino pois muitos estudantes não falam o norueguês em casa. "Acho que os dois lados estão perdendo", disse.
      "Aqui em Oslo existem muitas escolas onde a maioria dos estudantes não é de família de língua norueguesa", disse Harald Stanghelle, editor político do jornal Aftenposten. "É um fenômeno novo na Noruega e tem provocado um novo tipo de debate".
      No geral, esse debate refere-se a como integrar os imigrantes em um país pequeno com uma língua difícil se eles não conseguem se expressar bem mesmo nas escolas públicas.
      Diferenças. Embora a discussão seja similar à observada em outros países da Europa Ocidental, a Noruega é rica, estável e com uma taxa de desemprego baixa, fatores que impedem que a competição por uma vaga de trabalho torne-se um grande problema.
      Uma outra diferença importante é que esse país sempre acolheu vítimas mais pobres de conflitos como refugiados - como os vietnamitas que fugiam de barcos do seu país em guerra, décadas atrás, ou os somalis e eritreus nos dias atuais.
      Esses refugiados geralmente não são pessoas cultas e muitos passaram por experiências terríveis. Dessa maneira, sua integração é mais difícil, pelo menos até a segunda ou terceira gerações. Por exemplo, muitos vietnamitas tiveram problemas no início, mas seus filhos e netos estão se saindo muito bem na escola e bem integrados na vida norueguesa.
      Um membro do Partido do Progresso que não quis que a política se introduzisse no luto e solidariedade nacionais, e pediu para não ser identificado, afirmou que agora há um maior consenso no sentido de políticas mais severas e mais restritivas. "As nossas políticas de imigração e integração são extremamente ingênuas, e agora isso é admitido por todos os partidos políticos", afirmou.
      No passado, qualquer crítica às políticas de asilo e imigração era taxada de racista, "mas essa crítica foi retificada". Estamos levando adiante um debate de fato sobre a imigração e integração e uma eleição a cada quatro anos. Somos um país de consenso, essa é a Noruega e estamos unidos frente ao problema", disse ele.
      Ataque. Para Arne Strand, antigo editor político do jornal Dagsavisen, Anders Breivik é um "cavaleiro solitário", cujo caótico manifesto não representa uma real corrente de pensamento na Noruega, exceto de uma minúscula direita marginal. Mas, mesmo que os noruegueses odeiem a ideia, ele acha que o massacre terá algum impacto na política. "Esse ataque, essa carnificina, vai provocar de novo um debate, e no próximo mês haverá eleições locais", afirmou.
      Mas existe também um debate entre os imigrantes em Furuset, que temem que a fuga de noruegueses nativos do bairro possa prejudicar as chances de uma vida melhor para os seus filhos.
      Yemane Mesghina, 39 anos, chegou ao país há nove anos, como refugiado da Eritreia e está imensamente grato aos noruegueses pela hospitalidade. Ele trabalha como faxineiro e vive em Furuset com um bebê e sua namorada, porque, diz ele, "é barato" numa cidade muito cara. Ele se sente em casa na Noruega? Yemane sorri.
      "A cultura e a língua são diferentes", afirma. O bairro é dominado por paquistaneses, diz ele, que vieram ao país como trabalhadores convidados nos anos 70 e 80, quando a Noruega precisava muito de mão de obra.
      Cerca de 90% das pessoas no edifício em que mora são paquistanesas, diz ele. E o bairro também é tristemente célebre por causa de uma gangue criminosa paquistanesa, conhecida como "B Gangue".
      Para Yemane, o aspecto positivo dessa maioria muçulmana é que "não existe álcool por aqui". Mas ele se preocupa com o filho.
      "Fico preocupado que ele não consiga aprender a língua do país, incluindo até as piadas", disse.
      Mas, como muitos no bairro, Yemane não ficou excessivamente preocupado com a possibilidade de os assassinatos se traduzirem em nova pressão contra muçulmanos. "O mais importante é o que a maioria pensa", disse. "E a maioria nos trata bem". / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
      ** Steven Erlanger, é jornalista do The New York Times 
      O Estado de S.Paulo (31/07/11)
      

      Crime e mal

      O assassinato de 77 pessoas na Noruega, cometido por uma pessoa aparentemente normal, nórdica, branca, criada dentro do Estado de bem-estar social, levanta uma série de questões relativas à compreensão de um fato que foge do que consideramos a normalidade. Mais do que isso, tal fato suscita questões sobre o que entendemos por natureza humana, a partir da qual são construídas as formas mesmas de organização do Estado. Conceitos, então, multiplicam-se para explicar o que aparece como inexplicável, talvez porque nossos parâmetros de compreensão do que foge da normalidade sejam muito estreitos. Atentemos para alguns aspectos.
      1.º - Chama particularmente a atenção a polícia norueguesa estar completamente despreparada para enfrentar esse tipo de crime, como se ele caísse fora do seu escopo de atuação. O crime seria uma "enormidade" para os parâmetros do que essa polícia considera "normal", objeto de sua ação específica. Dentre outros fatos, demorou mais de uma hora para chegar à Ilha de Utoya, onde jovens do partido social-democrata participavam de uma convenção. Se tivesse sido eficiente, pelos menos metade das pessoas mortas teria sido salva.
      2.º - A justificativa de que não havia helicópteros disponíveis porque os pilotos estavam de férias é francamente risível. No entanto, o chefe de polícia foi prestigiado ao fazer essa declaração. Isso porque os próprios dirigentes do país compartilham a mesma opinião, a de que é normal pilotos de helicópteros tirarem férias em julho ou agosto. O problema é que o próprio país já vinha sendo objeto de ameaças do terror islâmico e, certamente, não as tomou a sério. Ou pensam que terroristas só atuam em momentos em que a polícia está totalmente preparada?
      3.º - A ação veio de onde menos esperavam, ou seja, de um cristão, branco, nórdico, alguém de dentro do sistema. Na verdade, esse tipo de pessoa não deveria ser, para o Estado norueguês, objeto de preocupação, pois, conforme a concepção do Estado de bem-estar social, uma vez resolvidos os problemas sociais básicos, um crime como o cometido não poderia mais ocorrer. Estabelece-se uma conexão entre criminalidade e condições sociais, como se as segundas extirpassem a primeira.
      4.º - A pressuposição aqui em questão é a de que a natureza humana está voltada necessariamente para o "bem", o "mal" sendo uma espécie de disfunção social ou psicológica. No âmbito social, com as condições do Estado de bem-estar social dadas, a ação humana não poderia mais estar voltada para tal tipo de disfunção. Desconsidera-se uma outra possibilidade, que não quer ser sequer pensada: a de que o ser humano tem uma propensão ao mal, independentemente de condições sociais.
      5.º - Nesse sentido, não é casual que o criminoso tenha declarado que seu crime seria o mais "monstruoso" depois dos do nazismo, estabelecendo ele mesmo uma filiação com uma forma de mal "político", fenômeno intrigante que Hannah Arendt procurou pensar recorrendo ao conceito kantiano de "mal radical". Há pessoas, grupos humanos e agremiações políticas que voltam suas ações, racionalmente, para a realização do mal, fazendo isso parte de seu projeto, para além de quaisquer considerações de ordem social ou psicológica.
      6.º - O advogado do criminoso, estupefato com seu cliente, pois ele foge aos parâmetros da "normalidade", descreveu-o como "frio", "calmo", não demonstrando nenhum arrependimento. Sabia precisamente o que fazia e por que o fazia, segundo as suas convicções. Ele exibiu, operante, uma razão voltada para o mal. Não se trata de um descontrole emocional, ao contrário, nota-se extremo controle. A qualificação de "louco" ou de "insanidade mental" nada mais é do que o resultado dessa estupefação, palavras utilizadas para explicar o que, para essa compreensão da normalidade, é inexplicável.
      7.º - A pena máxima para crimes na Noruega é de 21 anos, podendo, em casos excepcionais, ser prorrogada a cada 5 anos em caso de extrema periculosidade. Há, no entanto, um artigo na lei que aumenta a pena para 30 anos em caso de atentado aos "direitos humanos". Do ponto de vista numérico, não faz grande diferença. O problema é outro. A legislação penal norueguesa, assim como a de boa parte dos países ditos desenvolvidos, está baseada no pressuposto de que a prisão não é uma punição, mas um instrumento de regeneração. Ou seja, está excluída a hipótese de que haja indivíduos não regeneráveis, não reeducáveis, que deveriam ser excluídos do convívio humano livre, seja pela prisão perpétua ou pela pena de morte.
      8.º - Indivíduos cuja propensão para o mal se faz através de uma "fria" racionalidade caem fora da legislação penal e do sistema prisional desse tipo de Estado, baseado na concepção de que todos os indivíduos, por serem seres humanos, são reeducáveis. Imaginem um indivíduo desses, "reeducado", saindo da prisão... Apenas repetirá o que já fez! A sociedade seria de novo exposta a um perigo que nasce dessa forma do "politicamente correto", a da reeducação, da regeneração.
      9.º - O juiz encarregado do caso mostrou uma compreensão do caso ao decidir que essa etapa do seu julgamento seria a portas fechadas, não estando aberta ao público nem às suas formas espetaculares de transmissão midiática, ao vivo. Ações voltadas para o mal contam, para alcançar seus objetivos, com os efeitos midiáticos, de modo que seu autor possa exibir suas "razões", "ideias" e "concepções". O criminoso teria ficado "decepcionado" com a decisão judicial, pois ela o impede de cumprir a sua "missão". O juiz, dessa maneira, limitou os seus efeitos, procurando evitar que "outros" sofram o efeito da emulação, da repetição.
      Se as sociedades não pensarem o mal como uma dimensão essencial da ação humana, sobretudo em sua forma "política", ficarão completamente desguarnecidas ante ações desse tipo.

      **Denis Lerrer Rosenfield ,PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. 
       
      O Estado de S.Paulo (01/08/11)