5 de jul. de 2011

A teoria do complô

Desde 15 de maio, após o socialista Dominique Strauss-Kahn - então diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e apontado como provável vencedor das próximas eleições presidenciais na França - ser preso, acusado de violentar uma camareira de um hotel de Nova York, os franceses lançaram uma "teoria do complô".

Atônitos ou indignados por esse roteiro à la Hollywood (um dos homens mais poderosos do planeta derrubado por uma simples mulher, pobre e, além do mais, negra), os socialistas e os amigos de Strauss-Kahn lançaram a teoria do complô: ele foi golpeado, vilipendiado, humilhado, coberto de lama e excrementos, por meio de um golpe armado por um "bando" que o queria colocar fora de combate. É verdade que as acusações feitas contra ele e o tratamento vergonhoso que lhe foi reservado pela Justiça e a polícia de Nova York foram de dar náusea. Mas o drama não tinha muita coerência e surgiram as teses do complô.

Infelizmente, um complô impalpável, difícil de ser localizado. Ninguém sabia quem poderia ter armado a "suposta" armadilha em que caiu Strauss-Kahn. Assim, três demônios foram apontados pelos partidários dessa tese: a CIA, o premiê russo, Vladimir Putin, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy.

É preciso reconhecer que o próprio Strauss-Kahn, dois meses antes do caso, tinha evocado a possibilidade de uma armadilha contra ele. E apontou Putin, amigo de Sarkozy, como primeiro responsável por ela. Ele chegou até a descrever a trama para desacreditá-lo. Uma mulher supostamente violentada num estacionamento que exigiria, por exemplo, 1 milhão para não contar a história.

Na época, a teoria do complô parecia algo tão infantil que somente os espíritos frágeis acreditaram nela. Mas depois veio a reviravolta: o procurador de Nova York, Cyrus Vance, reconheceu que as acusações contra Strauss-Kahn feitas pela camareira, a guineana Nafissatou Diallo, eram falsas. Então, a teoria do complô ressurgiu e ontem ela tomou conta da internet e das emissoras de rádio. Responsáveis pelo Partido Socialista partiram para o ataque. Alguns acusaram o Palácio do Eliseu, ou seja, Sarkozy, sem apresentar nenhuma prova.

A reviravolta repentina, que transformou o "bandido", o "perverso", o "diabólico" Strauss-Kahn num "cândido cordeiro", tem dois outros efeitos colaterais. O primeiro é o de jogar no inferno a infeliz camareira, que era descrita como a vítima submetida aos sórdidos instintos de um rico estroina branco. Hoje, tudo mudou. Nafissatou foi transformada numa pessoa vil, mentirosa, uma imunda e, retomando as acusações delicadas dos jornais de Nova York, uma "prostituta".

Outra consequência: as feministas americanas, e sobretudo as francesas, que se apossaram com grande prazer desse drama, ficaram bastante aborrecidas. E publicam comunicados para explicar que, mesmo se Strauss-Kahn foi inocentado, o fato é que a cada ano 75 mil mulheres são violentadas na França. E elas têm razão: isso é uma infâmia.

Pobre do procurador Cyrus Vance. Ele não tem ares de ser um coitado. Parece um homem consciencioso, aplicado. Talvez ambicioso demais. É um homem talentoso, honesto, mas, ontem de manhã, ele dava pena. O céu caiu sobre sua cabeça, da mesma maneira que, há um mês e meio, este mesmo céu tombava, com a ajuda dele, sobre a cabeça de Strauss-Kahn.

Essa telenovela fantástica, sórdida, cretina, com suas reviravoltas, seus excessos, arrebatamentos e a sua irresponsabilidade, deveria ensinar aos homens e às mulheres um pouco de prudência e, se não tolerância, pelo menos um pouco de circunspecção. É triste constatar que as paixões, muito longe de se acalmar, continuam ardendo e crepitando. Ontem, os inimigos de Strauss-Kahn, os puritanos, as feministas protestavam contra ele e faziam de Nafissatou uma santa, a pobre vítima da maldade do macho. Agora, é a vez de Strauss-Kahn denunciar o complô.

Tudo isso é absurdo. Por que não esperar calmamente até a Justiça revelar a verdade? O próprio Cyrus Vance demonstrou que a Justiça americana, mesmo que seja brutal e às vezes idiota e cega, é capaz de reconhecer seus erros - uma bela lição de democracia e honestidade intelectual. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO


Gilles Lapouge
  é correspondente em Paris de  O Estado de S. Paulo (05/07/11)
 

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