13 de jun. de 2012

"O inferno são os outros"


A peça Entre Quatro Paredes de Jean Paul Sartre que põe em cena personagens que vivem os dramas existenciais abordados por Sartre nas suas obras teóricas.

Veja esse trecho:

[Garcín – (Deixa Estelle e faz alguns passos em cena. Aproxima-se do bronze). O bronze... (Apalpa-o).
Pois bem, é agora! O bronze aí está, eu o contemplo e compreendo que estou no inferno.
Digo a vocês que tudo estava previsto. Eles previram que eu haveria de parar em frente deste bronze, tocando-o com minhas mãos, com todos esses olhares sobre mim. Todos esses olhares que me comem! (Volta-se bruscamente). Ah, vocês são só duas? Pensei que fossem muitas, muitas mais! (Ri). Então, é isso que é o inferno! Nunca imaginei... Não se lembram? O enxofre, a fogueira, a grelha... Que brincadeira! Nada de grelha. O inferno...
O inferno são os outros!]

Pois bem, três personagens: Garcín, Estelle e Inês estão mortos e foram condenados a permanecer juntos num quarto na qual a luz nunca se apaga, pois não existe nem dia nem noite. É um inferno sem fornalhas, grilhões, espetos, torturas, espancamentos, fogo, barulho e tampouco demônios. O único propósito é que cada um se tornará o carrasco e o inferno do outro.

Publicada em 1.945 e mesmo assim sua temática continua atual.

Suas obras foram fortemente influenciadas pela Segunda Guerra Mundial e pela ocupação nazista da França. A noção de engajamento significa a necessidade de um determinado pensador estar voltado para a análise da situação concreta em que vive, tornando-se solidário nos acontecimentos sociais e políticos de seu tempo. Pelo engajamento, a liberdade deixa de ser apenas imaginária e passa a estar situada e comprometida na ação.

Há vários temas envolvidos nessa peça de forma irônica: a moral, a vaidade, a busca por prazer, a ética, a fidelidade, a sexualidade. Cada um procura desculpas e motivos para seus pecados. E assim, conviverão por toda a “eternidade” tolerando um ao outro: Garcín não suporta a futilidade de Estelle, que não suporta a sinceridade de Inês, que não suporta a covardia de Garcín.

Outro trecho que particularmente me chama atenção pelo fato de Sartre mencionar o amor:

[G – Então você quer mesmo um homem?
E – Um homem, não. Você.
G – Nada disso. Qualquer um serviria. Vim parar aqui, tem de ser comigo. Bom. (Toma-a pelos ombros). Bem sabe que não tenho nada do que você gosta: não sou um bobinho e não danço tango.
E – Aceito-o como você é. Talvez eu o transforme...
G – Duvido. Eu serei... distraído. Tenho outras coisas em que pensar.
E – Que coisas?
G – Para você não teriam interesse.
E – Vou me sentar no sofá... no seu sofá e esperar que se ocupe de mim.
I – (Numa gargalhada): Ah, cadela! Ele nem mesmo é bonito!
E – (A Garcin): Não ouça o que ela diz: ela não tem olhos, não tem ouvidos... ela não
existe.
G – Eu darei a você o que puder. Não é muito. Amor, não. Eu conheço você demais.
E – Você me deseja?
G – Sim!
E – É quanto me basta.
G – Pois, então... (Inclina-se sobre ela).
I – Estelle, Garcin! Vocês perderam o juízo! Eu estou aqui!
G – Estou vendo. E daí?
I – Vocês não podem... diante de mim... vocês não... não podem!
E – Por que não? Sempre me despi diante de minha criada-de-quarto.
I –(Agarrando-se a Garcin): Deixe-a, deixe-a! Não a toque com essas mãos sujas de homem!
G – (Empurrando-a violentamente): Basta. Não sou nenhum cavalheiro e não me importo de bater numa mulher!
I – Você me prometeu, Garcin, me prometeu! Por favor, você me prometeu!
G – Foi você que faltou com a palavra. (Ela se afasta até o fundo do aposento);
I – Façam o que quiserem. Vocês são os mais fortes. Mas se lembrem: estou aqui,
olhando. Não tirarei os olhos de você, Garcin. Terá de beijá-la sob o meu olhar. Que ódio tenho de vocês dois! Amem-se! Amem-se! Estamos no inferno e minha vez chegará!
(Durante a cena seguinte ela olhará sem nada dizer).]


Você encontrará essa obra na íntegra no site:http://www.ateus.net/ebooks/

Luciana.

Um comentário:

  1. O ATEÍSMO É NA VERDADE UMA IDOLATRIA AO PRÓPRIO "EU". QUANDO IGNORO A PRESENÇA DE DEUS E RECUSO TE-LO COMO CRIADOR E FIM ÚLTIMO ACABO ME FAZENDO dEUs. eu me torno o meu próprio limite, mesmo sendo um ser limitado e necessitado de algo maior para alcança minha verdadeira origem.

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