13 de jun. de 2012

Fábulas



Forma literária específica, a fábula constitui-se como narrativa curta, onde  as personagens, via de regra, são animais, cujas ações, alegóricas, encerram um princípio moral, ético ou político.
Segundo La Fontaine, compõe-se de corpo e alma, ou seja, da narrativa e da verdade geral que a encerra. Sua estrutura peculiar justifica a dificuldade de propor, hoje, a leitura desse tipo de narrativa para a criança e para o adolescente. Como no drama, observamos o predomínio da unidade de tempo, lugar e ação, uma vez que o gênero pede apenas um conflito, resultando uma narrativa concisa e sóbria. Além disso, possui um esquema geral que se resume em ação/reação ou discurso/contra-discurso, ou ainda um mais amplo como situação-ação/reação-resultado
No que se refere à linguagem, a fábula deve primar pela objetividade, o que explica a ausência da descrição, com o predomínio do diálogo, seja direto, indireto ou misto, podendo, inclusive, ocorrer o monólogo. A importância do narrador deve ser ressaltada, uma vez que tanto a situação quanto o resultado são apresentados por ele, ficando a ação e a reação por conta das personagens, por meio do diálogo. As personagens, em número reduzido, caracterizam-se sempre como estáticas ou planas, pois não crescem aos olhos do leitor, não passam por um aprendizado. São preferencialmente animais porque, entre outras razões, as ações estabelecidas entre o comportamento humano e o animal são mais facilmente reconhecidas como, por exemplo, a astúcia da raposa e a ingenuidade do cordeiro. 
A fábula de La Fontaine, composição em versos, traduzidos por Bocage, revela, através do esquema Situação/Ação/Reação/Reação/Resultado, a postura valorizadora do trabalho e da produção capitalista e mercantilista do momento, uma vez que o trabalho dos operários era de suma importância para o crescimento das manufaturas no mundo de então.
O narrador, com uma visão depreciativa da cigarra – penúria extrema, a tagarela, narra a fala do inseto – Rogou-lhe que lhe emprestasse/Pois tinha riqueza e brio/ Algum grão com que manter-se/Té voltar o aceso estio - mas concede voz à formiga que, em discurso direto, difunde os valores mais importantes do relato, ou seja, a moral da fábula: – OH! bravo! – torna a formiga – Cantavas? Pois dança agora! Exalta como valor a avareza da formiga que nunca empresta, / Nunca dá, por isso junta. 
O tempo possui papel de destaque na exígua narrativa, pois tem a função de exasperar a aspereza da situação e enfatizar a negligência da formiga. Polarizado entre dois momentos opostos da natureza, Verão-Fartura/Inverno- Penúria, corrobora o maniqueísmo da visão utilitarista da sociedade que castiga todo aquele que se afasta dos padrões estabelecidos, premiando os que seguem os moldes propostos. 
Na fábula A Formiga e o Escaravelho de Esopo, o Escaravelho caçoa da Formiga atarefada, enquanto todos se divertem no verão. O comportamento da formiga fica mais perdoável. A fábula mostra que não se deve negligenciar em nenhum trabalho, para evitar tristeza e perigos.
Na adaptação de Monteiro Lobato, além do título que já revela um desmonte do maniqueísmo com que era vista a espécie em La Fontaine, a fábula é dividida em duas partes: a primeira relata a participação da formiga boa e, a segunda, a da formiga má. Todavia, em ambas, ressalta-se a figura do narrador do texto. A voz narradora nas fábulas de Lobato é a de Dona Benta que, como avó das crianças, privilegia o contar fantasioso e lúdico em detrimento da preocupação moralizadora como, aliás, almejava Lobato. Ao iniciar o relato, focaliza também a cigarra, à semelhança do que ocorre em La Fontaine, mas o faz com um olhar carinhoso e valorizador das peculiaridades do comportamento do inseto: 
Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé do formigueiro. Só parava quando cansadinha...
E assim, até o final da narrativa, a cigarra merece o olhar amigo do narrador que, aos poucos vai tentando conquistar, como podemos ver pelas marcas formais do discurso, a atenção e a simpatia do leitor: pobre cigarra, em seu galhinho, manquitolando, com uma asa a arrastar, triste mendiga, a tossir.
Além disso, nessa narrativa, a cigarra não é inativa e dependente, ela pensa e pode ser responsabilizada por sua própria recuperação, pois ela mesma procura e encontra uma saída para a situação difícil: deliberou socorrer-se de alguém.

Contudo, não é somente a cigarra que é construída de modo diferente; a formiga também quebra a expectativa, causando o estranhamento no leitor, já que, ao recordar-se de que a outra cantava enquanto ela trabalhava, reconhece o valor de seu canto e procura recompensá-la pelas alegrias que aquela música, cantada pela cigarra nos momentos mais duros de seu trabalho, lhe proporcionava. Ao final da fábula, há o reconhecimento, inclusive, da atividade da cigarra como profissão: voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
Já no segundo relato, há como que um acirramento das agruras da cigarra, o que pode ser observado principalmente pelo ambiente que, ao contrário da narrativa anterior, é claramente marcado pela distância e dificuldade: os fatos ocorrem na Europa, em pleno inverno. A focalização inicial do narrador incide sobre a formiga má, carregando nos aspectos negativos de sua construção: Não soube compreender a cigarra, com dureza a repeliu de sua porta.
Finalmente, as duas narrativas se fecham com uma máxima, que não se apresenta como uma sentença moral, mas como uma metáfora valorizadora da arte: Os artistas – poetas, pintores, músicos – são as cigarras da  humanidade. 
Assim, embora o resultado desta narrativa de Lobato seja semelhante ao da fábula de La Fontaine, uma vez que a pobre cigarra tem o mesmo fim trágico, há entre essas narrativas uma profunda diferença no modo de narrar. Isto porque a focalização do narrador, francamente crítica em relação às atitudes da formiga, acaba formando a opinião do leitor, levando-o a refletir sobre as relações humanas representadas na narrativa.
José Paulo Paes faz uma releitura da fábula de La Fontaine com parâmetro no século XX que nos remete ao ditado: "quem canta os males espanta".



A cigarra e a formiga (a formiga boa) de Monteiro Lobato:http://br.geocities.com/turmadajuli/mlcigarraformiga.htm

Sem barra de José Paulo Paes:http://www.saudeanimal.com.br/fabula12.htm

Luciana.

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