8 de abr. de 2012

Catorze anos de cativeiro na Colômbia: tempo que não voa

Catorze anos são um pedaço e tanto de vida. Equivalem a 56 mudanças de estação, 5.113 dias, um quinto da expectativa de vida de um cidadão colombiano. Esse foi o tempo de cativeiro por que passaram alguns dos reféns liberados pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc, na terça-feira. Desfecho que só se confirmaria às 17h45 da tarde, quando o helicóptero Cougar fornecido pelo Exército brasileiro tocou o solo da cidade de Villavicencio, 90 quilômetros ao sul de Bogotá, trazendo os seis policiais e quatro militares – entregues barbeados e metidos em bons uniformes pela guerrilha, como a camuflar o estrago causado em suas vidas.
A libertação, negociada pela ONG Colombianos e Colombianas pela Paz, da ex-senadora Piedad Córdoba – figura controvertida, que teve seu mandato cassado em 2010 sob a acusação de colaborar com as Farc – põe fim aos últimos canjeables, reféns que poderiam ser trocados por guerrilheiros presos pelo Exército colombiano, no jargão do conflito. Calcula-se, no entanto, que restem ainda 405 civis nos confins da floresta, retidos pela mais antiga guerrilha em atividade na América Latina.
Fundadas em 1964, as Farc viveram seu auge na década de 90, quando reuniam um efetivo de 17 mil homens. Duramente combatidas nos dois mandatos do presidente Álvaro Uribe (2002–2010), contam hoje com menos de 9 mil militantes. Nos acordos recentes, tentam recuperar o fôlego e a imagem destroçada pela associação com o narcotráfico. "Quando caímos em cativeiro, passávamos oito, nove meses em um mesmo acampamento. Nos últimos tempos, não mais que alguns dias", contou o policial César Augusto Lasso na única entrevista coletiva concedida pelos ex-reféns. "Se ouvem o ruído de um avião, é pânico total." Um ânimo muito diverso do que havia quando a guerrilha sequestrou a ex-senadora e candidata à presidência Ingrid Betancourt, em 2002.
Resgatada em 2008 pelo Exército de Uribe, em uma polêmica ação em território equatoriano, Betancourt mostrou que o drama dos longos sequestros não termina com a volta da vítima para casa. Ela se desentendeu publicamente com o marido, Juan Carlos Lecompte, e pediu o divórcio um ano depois.
O drama do reencontro repetiu-se nas cenas dessa semana. O sargento Robinson Salcedo emocionou o mundo ao descer do helicóptero com dois periquitos que lhe fizeram companhia na selva, para dar de presente ao filho Yonathan – que tinha 4 anos quando Salcedo foi capturado, em 1998. O afago pretendia amenizar o estranhamento do menino. O que se deu, porém, foi o contrário. "Meu pai não me reconheceu", confessou Yonathan, hoje com 18 anos, ao jornal El Tiempo.
"No cativeiro, você precisa de algo para passar o tempo", relatou o sargento José Libardo Forero, ao falar de seu afeto por outro animal silvestre. No caso, uma pequena anta, com quem chegava a dormir. Em um momento tocante e um tanto constrangedor da coletiva, Forero descreveu as vezes que acordou "urinado" até que o animal se acostumasse com o dono.
As vítimas também falaram dos momentos de terror por que passaram, como em abril de 2008, quando o acampamento em que se encontravam foi bombardeado e explosivos caíram a 200 metros do local onde estavam acorrentados. Ou quando, em setembro daquele ano, um raio caiu no cativeiro durante uma tempestade, matando um guerrilheiro e deixando quatro reféns desmaiados.
Outro momento dramático ocorreu em 2009, quando, em desespero, o policial Jorge Trujillo e o sargento Forero saíram correndo mata adentro. "Renunciamos à vida ali. Tínhamos simplesmente que sair", lembrou Trujillo. Os dois foram recapturados pelos guerrilheiros e escaparam por pouco do fuzilamento.
Se as Farc estão debilitadas, ainda falta muito para a pacificação da Colômbia. O presidente Juan Manuel Santos louvou o anúncio do fim dos sequestros pela guerrilha, mas ressaltou que o confronto só acaba quando todos os civis retornarem e os rebeldes entregarem as armas.
Enquanto a paz verdadeira não chega, os ex-reféns enfrentam, com o apoio de assistentes sociais do governo, os próprios conflitos, existenciais e familiares. "Passamos mais de uma década sem comunicação com o mundo. Ontem, conhecemos coisas que nunca tínhamos visto, como um BlackBerry, um iPad...", disse o policial Carlos José Duarte, diante agora do desafio – para além da tecnologia – de voltar a se comunicar com os seus.

Fonte:
O Estado de S. Paulo

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