11 de abr. de 2012

O que é navalha de Occam?


É provavel que você já tenha ouvido isso antes: a explicação mais simples geralmente é a certa. Os detetives usam esse princípio para deduzir quem é o suspeito mais provável em um assassinato – e você sabe, o mordomo sempre é o culpado. Os médicos o usam para determinar a doença por trás de uma série de sintomas.
Essa linha de pensamento é chamada navalha de Occam. Ela é usada de várias formas ao redor do mundo, como um meio de retalhar um problema ou uma situação e eliminar elementos desnecessários. O que chamamos de navalha, porém, é um pouco diferente do que seu autor escreveu a princípio. Existem duas partes que são consideradas os fundamentos da navalha de Occam e elas foram escritas originalmente em latim:
  • O Princípio da Pluralidade - A pluralidade não deve ser determinada sem necessidade
  • O Princípio da Parcimônia - Não há por que fazer com mais o que pode ser feito com menos
Juntas, elas representam os fundamentos da investigação do universo pela humanidade, e a maneira como vemos nosso ambiente está baseada amplamente na navalha de Occam. É impossível definir em que tipo de mundo viveríamos hoje sem a navalha de Occam. Teríamos a internet? E as vacinas?
Pense nos sistemas simples da natureza, como os vírus e as plantas, e na habilidade que eles possuem de realizar tarefas complexas, como causar uma infecção e fazer a fotossíntese. Valorizamos esses modelos simples. E quando se trata de sistemas produzidos pelo ser humano, costumamos basear as estruturas em coisas que já sabemos como funcionam – a explicação mais simples para nós -, como uma memória de computador baseada em nossos próprios processos cerebrais. Tudo isso aponta para os princípios da pluralidade e da parcimônia.
Uma das principais coisas que a navalha de Occam revela, no entanto, é a subjetividade com a qual vemos o universo. É claro que o céu é azul, sabemos disso só de olhar para ele, mas de que tom de azul ele é exatamente? Qualquer um que já tenha se envolvido em uma discussão para ver se uma meia escura é preta ou azul-marinho consegue compreender a influência de nossa visão de mundo e como ela afeta nossas decisões.
Então, quem é esse tal de Occam? Na verdade, Occam (ou Ockham) é uma cidade na Inglaterra, e não um homem. Mais especificamente, é a cidade onde William de Occam nasceu. William viveu em torno de 1285 até 1349, durante a era medieval, uma época em que os sobrenomes eram incomuns e as pessoas eram conhecidas por seus lugares de origem [fonte: Beckett].
William viveu como um filósofo e monge franciscano, um homem devoto que levava muito a sério seuvoto de pobreza, ou seja, ele vivia com apenas o absolutamente necessário. Você pode pensar que foi o voto de pobreza, uma forma de simplicidade, que fez que William tivesse sua grande idéia. Na verdade, o fundamento da navalha de Occam já era uma linha de pensamento medieval consagrada na época de William. William capturou a essência do princípio e juntou tudo de uma maneira que podia ser facilmente compreendida (pelo menos por qualquer um que soubesse latim. Com a criação de algumas frases simples, ele conseguiu sintetizar um mundo de lógica medieval, garantindo sua passagem segura para os tempos modernos. Isso faz você se perguntar quantos grandes conhecimentos não foram sitetizados da mesma maneira e se perderam para sempre, não é?
Na verdade, a idéia de que perfeição é igual a simplicidade é atribuída ao filósofo grego Aristóteles. Aristóteles é conhecido pela frase “Quanto mais perfeita é uma natureza, de menos meios necessita para seu funcionamento” [fonte: Carroll]. Uma rápida olhada na maneira como abordamos a investigação científica e o fato de que a navalha de Occam sobreviveu nos mostra que essa idéia ainda existe.
Embora William não tenha criado o princípio da parcimônia, isso certamente influenciou a maneira como ele encarava a vida. William não só vivia sob seu minimalista voto de pobreza, como também costumava escrever sobre o assunto. Em um determinado momento, seu grupo religioso, os franciscanos, se desentendeu com o papa João XXII sobre o assunto e, como costuma acontecer, o papa ganhou. William e vários de seus irmãos foram excomungados da igreja em 1328. William procurou refúgio em Munique, onde recebeu proteção do compreensivo imperador Luís IV da Baviera, o governador da grande área de Munique na época.
Por fim, William venceu: depois de ter sido expulso da igreja, ele escreveu um ensaio convincente que demonstrava que o papa João XXII era um herege, alguém cujas crenças são contrárias aos dogmas da igreja. Além disso, existe uma linha de pensamento inteira atribuída a ele.
A navalha de Occam é baseada na idéia de que a simplicidade é igual à perfeição. Isso se encaixa perfeitamente no método científico, a série de passos que os cientistas seguem para provar ou reprovar alguma coisa. Na verdade, você poderia argumentar que o método científico foi criado com base na navalha de Occam. Tenha cuidado, porém, quando estiver se aproximando da navalha, porque, para uma frase tão breve, ela tem uma estranha habilidade de ser ampliada ou adaptada para se ajustar a todos os tipos de idéia. É importante lembrar que a navalha de Occam não prova nada. Em vez disso, ela serve como um conselho heurístico, um guia ou uma sugestão, que declara que, quando há duas explicações para a mesma coisa, geralmente a mais simples é a correta.
O que está implícito nesse princípio é que as explicações simples vêm de evidências que já sabemos que são verdadeiras, como as evidências empíricas, as informações reunidas por meio dos cinco sentidos. Sabemos que os grilos produzem sons porque podemos escutá-los. Sabemos que os picles são amargos porque podemos prová-los. Dessa forma, as coisas que podem ser facilmente explicadas usando as evidências empíricas tendem a ser melhores do que as explicações baseadas em evidências que não podemos sentir.
Aqui está um exemplo clássico do uso da navalha de Occam. Uma dupla de físicos, Lorentz e Einstein, concluíram matematicamente que as coisas tendem a ficar um pouco instáveis dentro do contínuo espaço-tempo. Por exemplo, quanto mais perto estivermos de atingir a velocidade da luz, mais devagar nos moveremos.
Embora os dois tenham chegado aos mesmos resultados com suas equações, Einstein e Lorentz tinham explicações diferentes para eles. Lorentz disse que isso se devia às mudanças que aconteciam no “éter”. O problema é que a ciência não acredita que o “éter” exista – então, isso apresenta um elemento problemático da equação. A explicação de Einstein não fez nenhuma referência ao éter e, por fim, acabou triunfando sobre a de Lorentz.
A navalha de Occam ganhou ampla aceitação e como resultado, o princípio vem sendo ampliado (ou distorcido, dependendo de sua opinião) ao longo do tempo. O físico Ernst Mach, por exemplo, fez que a navalha se tornasse parte essencial da evidência empírica quando disse que a pesquisa científica deveria usar os métodos mais simples para chegar às conclusões e, além disso, que devia excluir desse processo qualquer evidência que não fosse empírica. Isso está baseado no positivismo, a idéia de que, se uma coisa não pode ser provada empiricamente, ela não existe.
O exemplo de Einstein versus Lorentz ilustra bem quem usa mais a navalha de Occam: os cientistas. Para progredir em suas equações gigantescas, os cientistas costumam usar a navalha para chegar com facilidade do ponto A ao B em um conjunto de dados. Afinal, o caminho mais fácil, e muitas vezes o melhor, entre dois pontos é a linha reta, certo?
Os céticos usam a navalha de Occam como uma ferramenta fundamental e, algumas vezes, como a própria evidência. Os céticos são pessoas que tendem a acreditar apenas no que podem sentir ou no que pode ser provado cientificamente. Isso os distancia de pessoas que acreditam em teorias conspiratórias e que têm crenças religiosas.
Existem, no entanto, algumas pessoas que, como os cientistas e os céticos, usam a navalha como se ela fosse uma grande espada. Para essas pessoas, ela prova uma teoria e invalida a outra. Existem dois problemas em usar a navalha de Occam como uma ferramenta para provar ou invalidar uma explicação. O primeiro é que determinar se uma coisa é simples ou não (digamos, evidência empírica) é subjetivo, ou seja, o indivíduo tem de interpretar sua simplicidade. O segundo é que não há evidência que confirme a idéia de que simplicidade é igual à verdade.
É importante lembrar que a idéia atribuída a Aristóteles, que diz que a perfeição é encontrada na simplicidade, foi criada pelo ser humano. Ela não é confirmada pela matemática, física ou química. E, ainda assim, alguns a consideram comprovada.
Veja este exemplo. Existem alguns criacionistas que dizem que a navalha de Occam prova que a ideologia deles é correta. Afinal, não é uma explicação mais simples dizer que Deus criou a vida, o universo e todas as coisas do que dizer que foram criados pelo Big Bang, seguido por uma série incrível de coincidências inter-relacionadas?
Boa tentativa, dizem os evolucionistas. Essa explicação supõe que Deus exista e nós não temos evidências empíricas de que isso seja verdade. Os ateus usam a navalha de Occam junto com a idéia de Aristóteles de que simplicidade é igual à perfeição para provar que Deus não existe. Se Deus existisse, o universo seria bem mais simples, certo?
O problema de todos esses argumentos é que o que constitui a simplicidade é subjetivo. Além disso, não conseguimos mostrar de maneira racional que o universo poderia ser mais simples. Embora possamos apontar excessos em níveis que conseguimos observar, não podemos identificar com certeza se eles não são necessários de modo geral. A fotossíntese, por exemplo, é um mecanismo bastante complexo. Isso não quer dizer, no entanto, que ela não seja o meio mais simples possível de obter a produção de alimento em uma planta. Ainda temos de criar um processo mais simples, que irá obter um resultado igual no mesmo sistema.
Você deve se perguntar o que William diria sobre o uso de seu princípio para invalidar a existência de Deus, já que ele era um monge franciscano devoto. Ele provavelmente ressaltaria que a navalha não é uma ferramenta que estabelece provas. Por essa razão, alguns grupos dizem que ela não é muito útil. Outros não têm nenhum problema com a navalha de Occam: eles simplesmente não gostam da maneira como os outros grupos a usam para eliminar teorias.
Alguns pensadores religiosos não acreditam que a navalha tenha uma finalidade. A religião é baseada na fé e não em evidências. As complexidades de um mundo baseado em um Deus criador desafiam a navalha de Occam. Afinal, a idéia é basicamente irracional. Além do mais, não temos evidências empíricas da existência de Deus. Os pensadores religiosos, contudo, ressaltam que as evidências da existência de Deus estão ao nosso redor, na forma de árvores, da atmosfera e de seres humanos.
A navalha de Occam às vezes é usada contra os teóricos da conspiração;. Geralmente, são os céticos que medem as forças com os adpetos da teoria da conspiração, usando a navalha como prova de que os conspiradores vão muito longe em suas explicações. Pegue, por exemplo, o assassinato do presidente Kennedy.. A idéia de que ele foi morto por um único atirador comunista que estava exaltado demais é uma explicação muito mais simples do que a idéia de que ele tenha sido morto por uma conspiração da CIA, o que envolveria uma traição em níveis ainda nunca vistos na história dos EUA até aquele momento.
O fato de uma explicação ser mais simples significa, porém, que ela é correta? Os teoristas conspiratórios podem produzir todo o tipo de evidências circunstanciais que indiquem várias conspirações diferentes. De acordo com a navalha de Occam, porém, essas evidências extras seriam consideradas irrelevantes depois da explicação do único atirador. Nesse caso, a navalha de Occam serve apenas para incentivar a discussão quando é usada para eliminar teorias conspiratórias.
Walter Chatton, contemporâneo de Occam, afirmava que “se três entes não forem suficientes para verificar uma afirmação acerca de algo, então uma quarta deve ser acrescentada, e assim por diante”.
Leibniz (1646-1716), Kant (1724-1804), Karl Menger (século XX) também discordaram da navalha de Occam.
Leibniz afirmou que “a variedade de seres não pode ser diminuída”.
Menger formulou a lei contra a avareza, segundo a qual “as entidades não podem ser reduzidas até ao ponto da inadequação”, e “é inútil fazer com pouco o que requer mais”…
Obviamente nenhuma destas afirmações contraria realmente o sentido da Navalha de Occam, mas servem antes como alerta contra o excesso de zelo na aplicação do princípio. Deve-se eliminar o supérfluo, mas apenas isso.

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