13 de out. de 2014

A nova família

O álbum de família moderno requer legendas cada vez mais encorpadas para explicar quem é quem. O retrato atual não reflete mais o modelo clássico, composto de pai, mãe e filhos de um mesmo casamento. Aquele que parece ser o pai é o padrasto; a moça com uma criança no colo não é a mãe, mas uma meia-irmã; os três jovens que dividem o mesmo teto são um casal e uma amiga; e aquela que parecia ser a mãe pode ser na verdade a namorada dela.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar uma nova análise dos dados do último censo. Ela confirma a mudança, na prática, do conceito de família: atualmente, 47% dos domicílios organizam-se de formas nas quais no mínimo um dos pais está ausente. Há gente morando sozinha, avós ou tios criando netos, casais sem filhos, ''produções independentes'' e outras tantas alternativas. Algumas são tipicamente modernas, como os grupos de amigos que decidem morar juntos para dividir um apartamento grande, no estilo do seriado americano Friends - e não se trata, no caso, de estudantes de orçamento apertado, mas de adultos com trabalho fixo e contracheque. Outras situações, de temporárias, acabam virando definitivas - como o homem que se separa da mulher e volta a morar com os pais, ''apenas por alguns dias''. ''Embora o modelo nuclear ainda seja maioria, cresce a incidência de novos arranjos'', atesta Ana Lúcia Sabóia, chefe da Divisão de Indicadores Sociais do IBGE.
Na última década, o número de famílias - de qualquer espécie - cresceu duas vezes mais que a população como um todo, embora o número de divórcios tenha triplicado e o de casamentos de papel passado diminuído 12%. Essa aparente contradição sugere que há cada vez mais gente formando famílias a partir de novas bases.Há um desmembramento do que antes era uma única unidade familiar e também mais gente optando por formatos menos tradicionais. Especialistas no assunto explicam que, longe de andar em baixa, a instituição familiar está se adaptando aos novos tempos, assumindo um perfil mais centrado na qualidade das relações entre as pessoas e no desejo de cada indivíduo.
A hierarquia, a obediência e o formalismo que caracterizavam a família no passado deram lugar a uma relativa igualdade e respeito entre todos os integrantes. Mulher e filhos conquistaram espaço e direito a voz, que antes eram exclusivos dos homens. Estes, por sua vez, sentem-se menos obrigados a exercer o pesado papel do provedor. Tanto que, no Novo Código Civil, a expressão pátrio poder foi substituída por poder familiar, que pode ser exercido por ambos os sexos. 

Mais do que pelos laços de sangue ou pela obrigação, as uniões agora são definidas pelo afeto. ''Até a metade do século passado, a relação consanguínea era extremamente forte na constituição da família. Hoje as relações amorosas passaram a ser o valor mais importante'', explica a antropóloga Lia Zanotta Machado, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade de Brasília (UnB). As famílias antes se organizavam muito em torno do trabalho e do patrimônio: os mais pobres, por exemplo, se casavam e tinham filhos que ajudavam na lavoura, enquanto os mais abastados arranjavam uniões que somassem riqueza. Esse novo formato, somado às contingências econômicas de hoje, transformou a família em um refúgio mais atraente do que nunca, a ponto de os filhos permanecerem muito mais tempo na casa dos pais e, em alguns casos, até voltarem para lá depois de uma separação ou um revés financeiro. ''Atualmente, um quarto dos lares brasileiros reúne três gerações, geralmente sustentadas pelos parentes mais velhos'', afirma Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Entram nessa conta desde grupos de baixa renda dependentes da aposentadoria de um idoso até núcleos de classe média alta nos quais os pais bancam filhos que não alcançaram a independência. Aparentemente insignificante, esse dado tem força para mexer nas estruturas: o ciclo familiar se expande, empurrando adiante a fronteira da terceira idade, já que os pais ficam ativos afetiva e financeiramente por mais anos.



O PERFIL DA FAMÍLIA
Evolução da constituição familiar na última década - em %
1992
Outros tipos
UnipessoalCasal sem filhosMulheres sem cônjuge com filhosCasal com filhos
5,2
7,312,915,159,4
1999
Outros tipos
UnipessoalCasal sem filhosMulheres sem cônjuge com filhosCasal com filhos
5,8
8,613,617,155,0
2001
Outros tipos
UnipessoalCasal sem filhosMulheres sem cônjuge com filhosCasal com filhos
5,9
9,213,817,853,3
Fonte: IBGE
#Q: A nova família - Continuação:#
A urbanização e as novas relações de trabalho - entre elas a entrada da mulher no mercado - vieram preparar o terreno para um desenho diferente. Segundo Lia, da UnB, os vínculos afetivos passaram a prevalecer sobre o compromisso de manter o núcleo doméstico unido a qualquer preço. É a vitória do desejo sobre a obrigação. O casal Cliff e Patrícia Li, ambos de 40 anos, é um exemplo disso. Resolveu dizer não à função mais tradicional da família, a procriação, para poder curtir melhor a vida. ''Por muito tempo, vivi em função do meu trabalho e os planos de um dia ser mãe foram esquecidos'', conta a banqueteira Patrícia. Li é ainda mais individualista. ''Decidimos que seria melhor investir todo o nosso tempo livre e dinheiro em nós mesmos'', explica o empresário. A única concessão que fizeram foi criar um gato e uma cadela.
Dois fatores recentes precipitaram toda essa transformação. O primeiro foi a adoção do divórcio, que no Brasil virou lei em 1977. Ele legitimou a possibilidade de as pessoas reconstruírem a vida segundo o próprio desejo quantas vezes quiserem, e não mais uma única, até que a morte as separe. O casamento perdeu o caráter sagrado e irrevogável. ''Casar novamente se tornou algo comum e abriu espaço para outras combinações familiares'', afirma Maria Rita D'Ângelo Seixas, coordenadora do curso de terapia familiar da Universidade Federal de São Paulo.''Antes a família era indissolúvel. Hoje, se os sentimentos individuais não são satisfeitos, as pessoas rompem o estatuto da família e vão viver de outras maneiras'', analisa a antropóloga Lia. Segundo ela, o cenário atual valoriza também a preservação da intimidade. ''As pessoas só convivem com quem querem.'' A própria noção de parentesco está sendo revista. Uma pesquisa do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), feita com adolescentes de famílias de ''recasados'', detectou que após quatro anos eles passavam a considerar como família as pessoas com quem viviam sob o mesmo teto - seus meios-irmãos, padrastos e madrastas. ''Isso demanda maior habilidade de convivência, capacidade de negociar e de ceder espaço, o que não era tão necessário na organização familiarclássica'', diz Adriana Wagner, pesquisadora da PUC-RS.
A segunda alavanca para a mudança foi o surgimento da pílula anticoncepcional, que garantiu às mulheres a alternativa de uma vida sexual desvinculada da maternidade. Bem mais recentemente, a batalha dos homossexuais pelo direito de se unir formalmente consolidou a noção de que a família pode se constituir em torno de um projeto de vida comum. Impossibilitados, em princípio, de ter filhos, os gays justificam a vontade de casar pelo simples fato de se amar ou desejar estar juntos.
Mesmo as restrições à paternidade dos homossexuais começam a ser revistas. Eles estão trazendo para a cena moderna mais um modelo de família, a homoparental, graças à adoção e à fertilização in vitro. Esta última também tem sido a opção de mulheres maduras que, não tendo encontrado um companheiro, decidem concretizar a maternidade no balcão de uma clínica de reprodução, estabelecendo lares em que a figura do pai se resume a uma proveta com sêmen.
''Não é só a cara da família que está mudando, mas os papéis representados dentro dela'', observa a psicóloga Cláudia Marra, do Instituto Kaplan, de Estudos da Sexualidade Humana, em São Paulo. As tarefas há muito deixaram de ser exclusivas de um ou do outro sexo, principalmente depois que se tornou mais comum a guarda compartilhada dos filhos após o divórcio. Hoje, homens vão à reunião de mães na escola e dão os primeiros esclarecimentos sobre sexo às filhas, por exemplo. Para os especialistas, ainda é cedo para medir as conseqüências dessa reviravolta nos arquétipos de pai e mãe. Por enquanto, a experiência mostra que, na ausência de uma das figuras, os filhos buscam referência em outros ambientes, como a escola ou a família expandida. 


A FAMÍLIA E A LEI
O Novo Código Civil assimilou uma série
de mudanças da sociedade
 Família 
Definição abrange as unidades formadas por casamento, união estável ou comunidade de qualquer genitor e descendente. No Código de 1916, ''família legítima'' era definida apenas pelo casamento oficial
 Casamento
Passou a ser a ''comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges''. É apenas uma das formas para constituir família. O novo texto reconhece ainda a união estável
 Filhos
Filhos adotados e concebidos fora do casamento têm direitos idênticos aos dos nascidos dentro do matrimônio. Eliminou-se a pejorativa distinção entre ''legítimos'' e ''ilegítimos'' para designar os descendentes
 Igualdade dos sexos
A palavra ''pessoa'' substitui ''homem''. O ''pátrio poder'', que o pai exercia sobre os filhos, passa a ser ''poder familiar'' e é atribuído também à mãe. A família é dirigida pelo casal, e não mais apenas pelo homem
 Guarda dos filhos
A Lei do Divórcio, de 1977, atribuía a guarda dos filhos ao cônjuge que não tivesse provocado a separação ou, não havendo acordo, à mãe. Hoje, é concedida a ''quem revelar melhores condições para exercê-la''
#Q: A nova família - Continuação:#
Se faltam paradigmas em alguns casos, em outros eles são abundantes. Figuras como a da madrasta e a do padrasto estão sendo reabilitadas e não raro concorrem com a do pai e da mãe biológicos. ''Quando eu era adolescente, a mulher do meu pai era uma péssima madrasta porque não tinha recursos para lidar comigo. Hoje a situação se tornou tão comum que as pessoas têm melhores condições de encarar esse papel'', relata a professora Roberta Palermo, de 34 anos. Na passagem para a vida adulta, Roberta viu-se do outro lado do balcão: casou com um homem divorciado e pai de dois filhos. A experiência rendeu-lhe a publicação do livro Madrasta - Quando o Homem da Sua Vida já Tem Filhos e a criação da Associação das Madrastas e Enteadas (AME). Ela abriu um fórum de discussão on-line, o www.madrasta. hpg.ig.com.br, em que cerca de 400 madrastas compartilham o drama do ciúme incontrolável dos enteados - considerado o maior desafio -, da dificuldade de estabelecer espaços no relacionamento com o marido e da tentação de competir com a ex dele. ''A sociedade aceita melhor essas novas situações, mas, para quem está dentro delas, os conflitos são tão difíceis quanto eram antigamente'', reforça Roberta.

O momento atual ainda é de transição e os indivíduos estão experimentando situações para as quais não existem referências de como agir, o que dizer ou o que esperar. A pesquisadora Adriana exemplifica o desconforto relatando o episódio de dois irmãos de convivência, um rapaz e uma moça, que se apaixonaram e deixaram os pais sem saber o que fazer. ''Parecia incesto, porque moravam na mesma casa e eram tratados como irmãos, mas, na realidade, não havia impedimento nenhum para que se amassem.''
As pessoas ainda não estão 100% à vontade em seus novos papéis. ''Tendem a reproduzir o modelo clássico de família como se nada houvesse mudado, por isso há tantos conflitos'', afirma Adriana Wagner, da PUC-RS. Em seu livro Família em Cena, Adriana apresenta uma pesquisa realizada em 1996 com 400 adolescentes de classe média de Porto Alegre. Do total, 53% viviam em famílias ''recasadas''. Em 1999, eram 71%. Ou seja: não dá para fechar os olhos e viver como antes. Um dos equívocos recorrentes é transferir para a família reconstruída o mito do amor materno e incondicional, próprio do modelo tradicional. ''As pessoas se vinculam afetivamente a seus novos parceiros, não aos enteados. É preciso que todos se respeitem, mas ninguém é obrigado a amar como se tivesse laços de sangue.''

Em algumas esferas, ao menos, a sociedade já está sendo obrigada a reorganizar regras básicas para amparar a nova ordem familiar. Depois de anos de debate, em janeiro de 2003 começou a vigorar o Novo Código Civil, que incorporou uma série de novidades. Disposições conservadoras sobre casamento, concubinato e filiação, datadas de 1916, foram revistas para adequar a lei à realidade atual. ''O novo texto reconhece a reviravolta nos usos e costumes vividos até então por nós, nossos pais e avós'', explica o advogado Luiz Kigner, especialista em Direito da Família. Afinal, há muito tempo não se fazem mais tantas famílias como antigamente.
As estruturas sociais também continuam praticamente as mesmas de 100 anos atrás. Boa parte da atual geração de crianças já vivencia novos modelos familiares - no mínimo, são filhas de pais separados -, mas as escolas ainda funcionam como se a tradição imperasse. O que sente, então, uma criança filha de mãe solteira ou de um casal homossexual no que antes era uma simples festinha de Dia das Mães ou dos Pais? Alguns colégios mais atentos, como a Escola da Vila ou o Carlitos, em São Paulo, adotaram uma solução radical: aboliram as comemorações. ''As escolas impõem com essas festividades um modelo único, mas as famílias não são todas iguais'', afirma Manuela de Castro Anabuki, diretora-geral do Carlitos. Iniciativas de refletir sobre o assunto, porém, ainda são isoladas.
#Q:As duas casas da família Brum:#


1- Pedro Henrique, 21 anos Filho do primeiro casamento de Roberto Brum e irmão de Juliana. Amigo de infância de Rafael
 2 - Lucineide Brum, 47 Mãe de Ana Claudia, de 22, Rafael, de 20, e Maria Victoria, de 7. ''Adotou'' Juliana e Pedro Henrique
 3- Rafael, 20 Filho do primeiro casamento de Lucineide. Estudou durante anos com Pedro Henrique
 4 - Ana Claudia, 22 Filha de Lucineide, irmã de Rafael e Maria Victoria. Colega de Juliana. Seus pais as buscavam nas mesmas festas
 5 - Roberto Brum, 60 É pai de Juliana, de 23, e Pedro Henrique, de 21. E padrasto de Ana Claudia, Rafael e Maria Victoria
 6- Juliana, 23 Filha de Roberto e irmã de Pedro Henrique. Freqüentou o mesmo curso de teatro de Ana Claudia, antes de se tornarem irmãs. Estranhou a mudança, mas se adaptou
 7- Maria Victoria Tem 7 anos. É filha do primeiro casamento de Lucineide
Um segundo casamento não estava nos planos do engenheiro Roberto Brum, de 60 anos, e da comerciante Lucineide Brum, de 47. Viúvo e pai de Juliana, de 23, e Pedro Henrique, de 21, Brum só queria ter tempo para ajudá-los a superar a perda da mãe. Lucineide e os filhos, Ana Claudia, de 22, Rafael, de 20, e Maria Victoria, de 7, por sua vez, recuperavam-se de um divórcio acompanhado de falência financeira. ''Achava muito difícil encontrar alguém que assumisse meus três filhos'', lembra ela. O destino acabou colocando uma família no caminho da outra e o casal decidiu juntar as escovas de dentes - suas e as dos cinco filhos.
Eles sempre viveram no mesmo bairro, Alphaville, condomínio de luxo nos arredores de São Paulo. Pedro Henrique e Rafael eram amigos de infância e estudaram juntos. Juliana e Ana Claudia foram colegas no curso de teatro. Os pais as levavam e buscavam das mesmas festas e, num desses vaivéns, entabularam namoro. Trocaram alianças sete meses depois, mas, por temer o estranhamento da prole, fecharam um acordo moderno: cada qual continuaria em sua casa. ''Não queríamos mudar bruscamente a rotina de nossos filhos'', explica Lucineide. Durante um ano, a vida do casal era dormir cada dia num endereço, almoçar numa casa, jantar na outra. Até que Pedro Henrique tomou a iniciativa de procurar um teto comum, com seis quartos, para não dar briga. No início, Juliana estranhou a perda do controle da casa para a madrasta. Aos poucos, essa e outras dificuldades foram negociadas e hoje a família vive bem. ''Sinto como se todos os filhos tivessem saído de mim'', diz Lucineide.
#Q: Os dois desafios do empresário Kim:#
DOIS DESAFIOS
Além do filho criado em parceria com a ex, empresário
descobre filha concebida na adolescência

Desde os 11 meses de idade, Kim Caetano Camelo, hoje com 11 anos, tem dois endereços. Seus pais são separados e resolveram amigavelmente que ele ficaria metade do tempo na casa de um, metade na de outro. O resultado são quatro dias da semana no apartamento da mãe, em Higienópolis, Zona Oeste de São Paulo, e três dias na casa do pai, em Indianópolis, Zona Sul. ''Tenho amigos dos dois lados da cidade'', brinca o garoto.
Seu pai, o empresário Ronaldo Camelo, considera a opção pela guarda compartilhada ideal, porque lhe dá a oportunidade de conviver mais com o filho. ''Aqui ele tem quarto, computador, roupas, tudo. Até uma bateria, que ele não pode tocar no apartamento da mãe. E passa comigo todas as férias escolares'', diz Camelo. Embora Kim tenha tudo em dobro, sempre sente falta de alguma coisa que esqueceu na outra casa. ''Quando ele era pequeno, as freiras da escola me chamaram para conversar, pois achavam a situação estranha. Hoje, meu filho é um dos garotos mais populares do colégio'', diz o pai.
Ronaldo agora tem outro desafio pela frente. Recentemente recebeu uma intimação judicial para reconhecer a paternidade de Ranira, uma moça de 18 anos que ele nem sabia que existia - e que é apenas dois anos mais jovem que sua atual namorada. A mãe de Ranira é uma ex de Camelo que nunca lhe contou que havia engravidado.
Para Ronaldo, o desafio é se aproximar cada vez mais da nova filha adulta que acabou de ganhar. ''Infelizmente, não tenho com ela a mesma intimidade que tenho com Kim, até porque moramos em casas separadas e não acompanhei seu crescimento. Mas, com o tempo, estou certo de que ficaremos mais próximos.''
#Q: A família de amigos:#
ESTILO FRIENDS
Sem sexo livre ou drogas, mas com rock'n'roll,
amigos dividem casa

Não há sexo livre ou drogas e mesmo o rock'n roll é moderado. Mas o apartamento de Mariana Gauche Motta, de 26 anos, em Santos, no litoral paulista, tem um quê de comunidade hippie dos anos 70. Ela divide o teto com o namorado, Rodrigo Rubido Alonso, de 28, e uma amiga do casal, Natasha Mendes Gabriel, de 28. Os três optaram por morar juntos pela afinidade e por causa dos projetos em comum - todos são arquitetos.
Eles se conheceram na faculdade de arquitetura e logo descobriram que tinham tudo a ver. Com os colegas Edgard Gouveia Júnior, de 38, e José Alexandre Esteves, de 32, começaram a trabalhar em projetos sociais comunitários e criaram uma ONG. A sintonia do grupo era tamanha que Mariana, Rodrigo e Natasha decidiram dividir um apartamento. Um dos cômodos virou a sede da ONG e base do escritório dos cinco amigos. Os dois ''agregados'', aliás, tornaram-se hóspedes freqüentes do quarto de empregada, depois que Rodrigo foi promovido de lá para o quarto de Mariana.
''Morar e trabalhar com amigos é uma oportunidade de testar sua flexibilidade, de ver até que ponto você é capaz de ceder. É um ótimo exercício para equilibrar o individual e o coletivo'', avalia Natasha. ''Vivemos como uma família que escolheu morar junto e dividir o mesmo espaço'', completa Mariana, que passou infância e adolescência alternadamente na casa do pai e da mãe separados. ''O apartamento está apertado e pretendemos mudar'', diz ela. Em boa hora, pois a tendência da família é aumentar: no ano que vem, o namorado de Natasha, que hoje vive no Paraguai, deve se juntar ao trio, de mala e cuia.
#Q: A volta para a casa dos pais:#
DE VOLTA PARA CASA
O colo dos pais foi o consolo depois da separação

A vizinhança diga o que quiser, mas o dentista Reginaldo Castro Pacheco, de 39 anos, não teve o menor constrangimento de pedir colo na casa dos pais ao se divorciar. Depois de sete anos de união, em 1997 seu casamento chegou ao fim e ele não teve dúvida: fez as malas e voltou para seu velho quarto dos tempos de solteiro. ''É verdade que tive de fazer adaptações, pois ele havia sido transformado em escritório'', observa. No início, diz que se sentiu muito mais acolhido do que se estivesse num apartamento, sozinho. ''Minha mãe sempre me espera com o jantar pronto, prepara as coisas que gosto de comer. Quem não quer ser paparicado?''
O conforto tem lá seu preço. O ritmo na casa era bem diferente do dele. ''Meu pai me cobrava horário para chegar em casa, achava um absurdo quando eu resolvia sair durante a semana, porque no dia seguinte tinha de trabalhar, e não deixava que eu levasse namorada para dormir comigo - elas sempre dormiam no sofá.'' Pacheco resolveu aceitar as regras. ''Fiz vista grossa às cobranças e, com calma, fui mostrando que já era adulto, trabalhador e responsável.''
Agora Reginaldo quer ter o próprio espaço. No ano que vem, seu apartamento ficará pronto e ele pretende se mudar. Mas não abre mão de levar a mãe junto. ''Meu pai faleceu no início do ano e gostaria de tê-la perto de mim. Estou negociando com ela'', diz, em tom de brincadeira
#Q: Faltam referências para se lidar com as novas situações:#
PARA DRIBLAR OS CONFLITOS
As novas situações não são boas ou ruins, mas faltam
referências sobre como lidar com elas


A americana Vicki Lansky é autora de livros sobre como educar os filhos. O último,Conversando sobre o Divórcio - Reduzindo os Efeitos Negativos e Preparando os Filhos para a Separação, acaba de ser lançado no Brasil pela M.Books. A pedido de ÉPOCA,Vicki elaborou um miniguia com recomendações para encarar as novas configurações da família moderna.
 Conflitos familiares pesam sempre mais sobre os filhos, seja qual for o formato da família. Um pai ou mãe confortável com suas escolhas tem melhores condições de gerenciar a situação, não importa quem esteja - ou não - na outra ponta do relacionamento.
 Separações são difíceis e dolorosas, mas por si só não causam danos aos filhos. O modo como os pais encaram a situação é que pode ser nocivo. n A busca legítima por relações mais saudáveis não isenta os adultos de responsabilidades com as famílias que constituíram. Deve haver um esforço para oferecer uma referência estável para os filhos.
 Para a guarda dos filhos em casas separadas dar certo, é importante que os pais: 1) não usem a hora de ''trocar'' as crianças com o ex-cônjuge para falar de dinheiro ou problemas, e sim de questões logísticas e dos êxitos delas; 2) se comportem como parceiros na educação; 3) não usem os filhos para ''mandar recados'' nem os façam tomar partido nas brigas.
 O dilema de lealdade divide as crianças no caso de famílias separadas. É importante dar permissão aos filhos para que amem o ex-cônjuge ou ex-companheiro.
 O diálogo é fundamental sempre, em qualquer modelo de família. Os filhos precisam saber o que está acontecendo em casa e, principalmente, de que maneira são atingidos pelas escolhas dos pais.
 Planos de família são como roupas: devem ser reavaliados de tempos em tempos para verificar se ''cabem'' nas necessidades do momento.
Fonte:

Revista Época
Reportagem de Paula Pereira
23/12/2003

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