10 de fev. de 2011

O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago


           Publicado em 1991, Saramago foi questionado até mesmo pelo governo e pela Igreja sobre o livro. Já a crítica esclarecida é unânime em atribuir ao livro o título de obra-prima.

São 24 capítulos, sem numeração, nem título.

Não há muitas informações sobre a vida do jovem Cristo. Os quatro evangelhos contam a vida de Cristo (menino e homem, morto aos 33 anos), omitindo sua juventude. Saramago, portanto, parte desta lacuna para contar a seu modo a vida do jovem Cristo. Ele oferece nova versão à tão conhecida história do filho de Deus.

A carnavalização é um termo proposto por Bakhtin para explicar o procedimento que aparece em textos como este, isto é, os desvios e inversões nas narrativas consagradas pela tradição. Desta forma, é a quebra do que está sacralizado pelas normas ou tradição.

Exatamente o que ocorre nesta história contada por Saramago que humaniza absolutamente Jesus Cristo. Ele está repleto de imperfeições e vícios nada divinos, com um Deus consciente do preço que a humanidade terá de pagar para que seu poder se estabeleça entre os homens, e com um diabo impotente e aborrecido diante de seu papel, eterno e imposto por Deus, de atuar na história como um contraponto à bondade divina.

O plano de Deus, segundo Saramago, é sacrificar Jesus, como seu filho, e tornar-se o único Deus a ser glorificado na terra, acabando, assim, o politeísmo e com as demais crenças religiosas. Desta maneira, escolhe um casal na terra de forma aleatória para gerar o filho de Deus.

Estes são exemplos da carnavalização do plano de salvação:

“Então, o Senhor não me escolheu, Qual quê, o Senhor ia só passar (...), mas reparou que tu e José eram gente robusta e saudável” (SARAMAGO, 2001, p.311)

“E qual foi o papel que me destinaste no teu plano, O de mártir, meu filho, o de vítima, que é o de melhor há para fazer espalhar uma crença e afevorar uma fé.” (SARAMAGO, 2001, p.370)

A carnavalização também pode ser vista pela relação entre Deus e o Diabo.

A face de Deus demonstrada na obra é um ser egoísta, pouco interessado pelos assuntos humanos. Já o Diabo mostra interesse pela preservação da vida, seja ela qual for, imagem que contraria o modo como a tradição cristã o apresenta: o “inimigo”.
Na verdade Deus não pode existir sem o Diabo:

(...) Não me aceitas, não me perdoas, não te aceito, não te perdôo, quero te
como és, e, se possível, ainda pior do que és agora, Porquê, Porque este
Bem que eu sou não existiria sem este Mal que tu és, um Bem que tivesse
que existir sem ti seria inconcebível, a um tal ponto que nem eu posso
imaginá-lo, enfim, se tu acabas, eu acabo, para que eu seja o Bem, é
necessário que tu continues a ser o Mal, se o Diabo não vive como o
Diabo, Deus não vive como Deus, a morte de um seria a morte do outro.
(SARAMAGO, 2001, p. 392-3).

O autor faz também cair às teses sagradas da Bíblia. Assim, o "anjo da anunciação" aparece para Maria na pele de um mendigo. Os três Reis Magos transformam-se em pastores e, em vez de ofertarem ao recém-nascido ouro, incenso e mirra, dão a seus pais leite, queijo e pão presentes mais "humanamente necessários" para quem chega ao mundo numa manjedoura. Até o envolvimento de Jesus com "Maria Madalena é desmistificado no livro.

O Jesus de Saramago é um homem só e sofredor nesta Terra, com a sua insustentável humanidade, seus temores e as suas perguntas sem respostas. Assim, o Cristo de Saramago não se sacrifica pela humanidade, mas sim pela culpa de seu pai José, pois ele poderia ter poupado os inocentes de serem sacrificados por Herodes, mas preferiu fugir para salvar a vida do seu filho e assim deixou que os recém nascidos de Belém fossem mortos. Com aspectos humanos, Jesus carregou essa culpa pela vida inteira. Sua decisão de tornar-se instrumento de Deus foi motivada por essa culpa.

             A verdade é que apesar de ser considerado ateu, Saramago nunca negou a existência de Deus. Ele apenas o humanizou. Jesus é o seu reflexo no homem.

Os recursos linguísticos utilizados pelo autor são um tanto inusitados: coloca ponto onde normalmente se espera encontrar uma vírgula e vírgula onde seria normal encontrar um ponto. Maiúsculas depois da vírgula e não depois do ponto. Escreve longos parágrafos sem pontuação. Talvez seja a representação da vida, sem paradas para respirar.

Fonte: 
SARAMAGO, José. O Evangelho Segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Nenhum comentário:

Postar um comentário