7 de abr. de 2015

Leandro Karnal fala sobre a corrupção no Brasil







"A corrupção é estrutural ela pertence uma interpretação ética bastante difundida na sociedade brasileira e inclusive do governo". (Leandro Karnal)


4 de abr. de 2015

Desprezamos o ensino básico. O resultado está aí...

Nos protestos do dia 15, entre tantas placas de fora isso e fora aquilo, uma chamava a atenção. “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”.Isolada na polifonia de broncas, a bandeira dialogava diretamente com um anti-intelectualismo reinante nas rodas de conversas corriqueiras e nas cabeças ditas pensantes do Brasil.
De repente, fazer contrapontos com base em estudos, experiência histórica ou estatística virou “papo de intelectual”, algo não só pedante como dissociado do “mundo real”, prático e urgente. Uma forma de encerrar a conversa retirando a legitimidade de quem afirma “olha, não é bem assim”. Se não é bem assim não interessa, reagem os revoltados online e off-line, para quem ou se é um governista chapa-branca ou um golpista neoliberal insensível. O “selo” automático é sintomático da confusão de conceitos básicos no debate público sobre direitos, privilégios, inclusão, doutrina, conhecimento, argumento, cinismo, posição política e alienação. Fora de contexto, vira tudo uma conversa de doido.
Pois em meio à confusão flagrante, um sujeito ergue a placa contra um filósofo e educador reconhecido por instituições como Harvard, Cambridge e Oxford. Patrono da educação brasileira, Freire escreveu: “A educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. De duas uma. Ou o revoltado não sabe quem foi Paulo Freire ou sabe bem. Em qualquer das hipóteses, o flagrante é gravíssimo. Mostra a incapacidade de parcela da população em entender que tudo o que não nos sobra atualmente é Paulo Freire.
Mas não só. Num mundo em que o conhecimento é disponível na rede, mas é pouco organizado e contextualizado, o medo e a incompreensão tomaram forma em reações raivosas que atropelam qualquer raciocínio. Quando vemos, é preciso rebater o truísmo com os argumentos mais óbvios do tipo “desculpem avisar assim de supetão, mas a guerra fria acabou”. Nem sempre funciona. O medo e a incompreensão impedem um mergulho adequado em obras de referência. Adam Smith e Karl Marx até hoje nos dão pistas para a compreensão dos sistemas de produção e riqueza, mas são evitados por puro preconceito e ignorância. Para muitos, O Capital equivale a um manual de dez mandamentos do stalinismo. É mais ou menos como associar a execução da Cavalgada das Valquírias a planos expansionistas sobre o leste europeu.
É mais fácil, porém, morrer afogado no escuro, imaginando-se livre de qualquer doutrina, do que admitir: não entendo o que vocês falam. Pois pensar incomoda. Exige esforço. Desafia. E é mais fácil jogar na fogueira quem induz ao pensamento do que admitir nossa mediocridade. Desprezamos o contraponto porque ele nos desmente e, se nos desmente, não nos interessa.
O desprezo pelo cânone, que nos impede inclusive de contestá-lo com argumentos mais sofisticados do que as fórmulas prontas, é resultado de anos, décadas, séculos de desprezo pela educação de base. Tanto nas escolas particulares com nas instituições públicas, fracassamos diariamente quando confundimos ensino com mercadoria, macete de múltipla escolha com raciocínio, sucesso profissional com riqueza material, pluralidade com problema social. Os resultados nas provas de proficiência em língua portuguesa ou matemática são o maior legado da nossa falência. 
O ensino precário de matemática na infância formou adultos incapazes de raciocínio lógico e noções de proporcionalidade e grandeza. Da mesma forma, a incapacidade de ler ou produzir textos com qualquer nexo deu origem a adultos bestializados que não entendem figuras básicas de linguagem. Não sabem o que é metáfora, ironia ou contradição. Como debater cidadania sem as ferramentas próprias da cidadania que é a própria linguagem?
A torpeza de linguagem é a torpeza de pensamento, e esta nos levou, durante anos, a dormir tranquilos graças à expansão inconteste do ensino superior. Lá, nossas deficiências básicas começaram a pipocar aos montes. Formamos profissionais convictos de que a sua liberdade estava associada a um padrão de consumo. Vence na vida quem tem carro e grana, e a partir dessa lógica o governo dito popular bateu no peito para dizer na eleição passada que seu maior trunfo era a inclusão de milhões de pessoas ao maravilhoso mundo do consumo. Não era pouco, mas não era suficiente. Faltou o resto. Faltou Paulo Freire. Tanto faltou que o resultado está aí: temos hoje consagrada uma ideia de cidadania desarticulada, agressiva e vulnerável a soluções fáceis para problemas complexos.
A gravidade desse analfabetismo político pode ser observada cada vez que alguém se revolta com notícias falsas de um site de sátiras como o Sensacionalista. Dias atrás, um amigo me marcou numa notícia sobre a transferência da presidenta Dilma Rousseff, com a popularidade em baixa, para o Palmeiras. Um amigo do amigo comentou: “essa égua, em vez de priorizar saúde e educação, prioriza futebol”. Pois se alguém, e não apenas o governante de plantão, desse a mínima ao que Paulo Freire defendia, o sujeito que agora se rebela com paus e pedras saberia o que é sátira e o que é ironia. 
Mas ele não sabe. E, como não sabe, ele agride. A ausência de noção sobre nosso limite intelectual é um sintoma grave de uma ignorância anterior. Mas preferimos não encará-lo. Confortáveis, repetimos que os cães ladram e a caravana passa. O problema é quando a caravana, preocupada com a autoimagem diante dos cães, desiste do diálogo e começa a latir em busca de votos ou leitores.
Isso acontece, por exemplo, quando deputados tentam reconquistar a moral com a população jogando para a plateia o debate sobre a redução da maioridade penal. A retomada ocorre às custas de praticamente todos os especialistas no assunto: Unicef, Ministério Público Federal, Defensoria, Conselhos de Psicologia, ONGs, estudiosos da segurança pública. É como definiu o amigo Rafael Bozutti, advogado especialista em direito penal: quando ficamos doentes, consultamos o médico; quando construímos uma casa, consultamos um engenheiro; mas quando queremos abordar segurança pública ouvimos a…opinião pública. Mal formada e mal informada, ela estará sempre disposta a resumir o mundo em uma sentença simplória: “mais punição, menos crimes”.
Pois de que adianta dizer que no Brasil o jovem morre em proporção muito maior do que mata? Ou que nenhum país que ampliou o sistema de punição reduziu o índice de criminalidade? Ou que a prisão, como funciona hoje, serve como porta de entrada, e não de saída, para o crime? 
"Isso é papo de intelectual", dizem os especialistas em programas policiais de fim de tarde incapazes de apresentar um único bom argumento além do seu desprezo pela figura do marginal – e a quem propõe contrapontos e é taxado de “defensor de marginal”. Atentos a esse sentimento anti-intelectual, os deputados tentam reconstruir, com ligação direta, as pontes com um tipo de eleitor avesso também à política e à ideia de que a expansão de direitos é uma luta política. Este eleitor se contenta com soluções fáceis porque se nega a ver que o problema é complexo.
Por isso, quando confrontado, ele grita. Chama a feminista de puta, a militante de gorda, o negro de preguiçoso, o intelectual de vendido, o contraponto de “comunismo”. Este sujeito radicalizado não é um monstro. É apenas medíocre – e medíocre no sentido original do termo: é ordinário, mediano, trivial e sofrível.
Esse terreno minado da cegueira coletiva se tornou o campo propício do cinismo caolho. De olho nesse (e)leitor apavorado, há quem contrate fãs do pateta, viúvas da guerra fria e meninões do fundão da sala para espalhar monstros e deseducar – inclusive trazendo para o debate antigos coronéis que hoje berram contra a corrupção porque não foram chamados para a festa. Esses grupos têm toda a razão em se opor à pedagogia do oprimido: embora diplomados, não fazem a menor questão de ver seus leitores ligando os pontos e pensando por si. Por isso latem. Ou fingem latir. Ou dão selos de qualidade a jovens de 18 anos que latem em vídeos viralizados para falar sobre corrupção, respeito e cidadania. Para que ouvir especialistas?
Como os deputados afrontados pela impopularidade, o que não faltam são veículos de imprensa que, para dialogar com um público que desaprendeu a pensar, tentam formar um público (ou eleitores) com latidos de cortesia. Assim, a linguagem morre um pouco a cada dia.
Quando os cães tomam a caravana, é tarde demais para fazer chacota sobre os erros de português e raciocínio precário nos cartazes presentes nas mobilizações de rua. É fácil mandar a população estudar quando não nos preocupamos com a violência, o despreparo, os preconceitos e os salários ridículos enfrentados todo dia por professores em sala de aula. Eles têm na base da pirâmide a missão de carregar lamparinas contra a escuridão. Faltam refletores. Falta Paulo Freire.

Por

MATHEUS PICHONELLI


Blog do Matheus Pichonelli

Sobre a menina síria que se rende ao confundir câmera fotográfica com uma arma

Quando ainda menina, lia muito Drummond. Achava um exagero ele dizer que chegaria um tempo de absoluta depuração, em que “(…) os olhos não choram./E as mãos tecem apenas o rude trabalho./E o coração está seco.” Mas hoje eu vi no noticiário uma cena muito peculiar, e a verdade do poema me veio à alma, imediatamente. Um fotógrafo, ao tentar retratar a vida das crianças sírias, conseguiu captar não a frieza deste mundo, mas já a sua consequência. Ele enquadra a criança em sua lente e essa levanta os braços, rendida, pensando ser uma arma.
Deus! Que mundo é este, onde a inocência caminha de mãos levantadas e a alma do mundo não sangra, e os olhos dos homens não choram, e a dor já não nos pode chocar? Que mundo é este cujos avanços tecnológicos não encontram eco na evolução moral dos indivíduos e onde só o que conta são os cifrões?
Um mundo cujo colorido já não é convidativo aos olhos. Onde a beleza é preterida. Onde a pureza dos pequeninos ainda é roubada e banhada do sangue de seus pares, de seus pais e, não raro, do seu próprio sangue. Um mundo cujas crianças já têm a esperança prematuramente envelhecida pela dor que transborda dos noticiários e que não raro floresce ao seu lado. Um mundo em que, a cada dia, o homem teme mais e mais o próprio homem.
Frequentei um curso, há um tempo, e algo me deixou sobremodo perplexa. O instrutor mostrava-nos diversos vídeos com acidentes causados por veículos. Em dada situação, um homem fora atropelado por não olhar para a sua direita quando um carro vinha na contra mão.  Alguns dos colegas, a maioria jovens entre 18 e 25 anos, riram da cena. Noutro atropelamento, a maioria riu. Esboçaram alguma comoção, leve, quando uma criança foi atropelada. Mas, pasmem: um cachorro foi atropelado e, nesse momento, houve uma comoção geral: “Ah, pobrezinho! Tadinho dele!”.  
A banalização da dor do outro é hoje tamanha que os jovens se identificam mais e se comovem mais com a dor de um animal que com a dor de um homem ou de uma criança.
A dor do outro é estatística. “Quanta mortes, mesmo, na Síria? Quantos desabrigados no Acre? Quantas mulheres são agredidas por ano? Quantas crianças são estupradas por parentes próximos?” Não! Essa postura desmerece o infinito que somos, desautoriza a angelitude a que estamos destinados, desmente a centelha do Eterno que permeia a alma de cada um de nós!
Necessitamos ver o outro como parte desprendida, mas ainda ligada a nós por lanços infindáveis de natureza espiritual. Ninguém pode ser plenamente feliz enquanto um só de nós estiver de braços levantados, rendida criança assustada pelos estrondos da guerra, cativa da dor e da morte. Esfomeada de uma Justiça que ela não pode compreender ou dizer, mas, humana que é, já a pode desejar e de sua falta se ressentir.
Que esta criança que hoje vi de mãos levantadas por confundir a câmera com uma arma possa ainda, é o que utopicamente desejo, levantar novamente as suas mãos, mas não por medo. Que ela ainda possa, na pontinha dos pés, elevar os seus braços para brincar com as estrelas.
MENINA SÍRIA
Há alguns dias um fotógrafo capturou, na Síria, a imagem de uma criança que se rendeu em frente sua câmera. Segundo informações do site Huffington Post, a pequena levantou os braços ao confundir a câmera com um rifle.

Por Nara Rúbia Ribeiro
www.contioutra.com



Tristes tempos em que vivemos expressada na letra da música "Perfeição", de Renato Russo: quantos ainda precisarão morrer para celebrar a estupidez humana? 148 mortes no Quênia, 4 mortes no Morro do Alemão...
"Vamos celebrar
A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos covardes
Estupradores e ladrões
Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação
Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E sequestros
Nosso castelo
De cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia
E toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância
A incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção
Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição! "