30 de mai. de 2011

Tragédia paraense

Primeiro, eles denunciaram madeireiros ilegais. Depois, foram ameaçados. Por fim, mortos. E ainda levaram vaias dos políticos

 

José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, líderes do Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, no Pará, foram emboscados em uma estrada e executados com tiros na cabeça na última terça. Por denunciarem a ação de madeireiros ilegais, sofriam constantes ameaças e intimidações. Zé Cláudio ainda teve uma orelha decepada e levada pelos seus assassinos, provavelmente para mostrar aos mandantes que o serviço foi realizado com sucesso. Naquela mesma tarde, a notícia do assassinato foi lida no plenário da Câmara, que estava se preparando para transformar o atual Código Florestal em embrulho de peixe. Ouviu-se, então, uma vaia vinda das galerias e da garganta de deputados da bancada ruralista ali presentes.
 
Rodolfo Oliveira/AG Pára
Rodolfo Oliveira/AG Pára
Velório do casal assassinado no Pará


Que a vida dos mais pobres não vale o esterco que o gado enterra na Amazônia, isso é público e notório. Ainda mais quando eles, através de sua organização, conseguem mostrar que é possível crescer economicamente e ser sustentável. Ou seja, quando provam que dá para respeitar leis ambientais, garantir renda própria e produzir alimentos para a sociedade. E, se isso funciona, por que mudar as leis?


Mas quando o Congresso é usado como palco para tripudiar sobre a morte de pessoas que defendiam o respeito à vida e ao ambiente é porque inauguramos uma nova era. O pudor que aparentemente demonstravam certos representantes políticos de produtores rurais na época do massacre de 19 trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás, em 1996, da chacina de quatro funcionários que fiscalizavam fazendas na região de Unaí (MG), em 2004, e da execução da irmã Dorothy Stang, em 2005, não existe mais. O pessoal do "progresso" a todo custo resolveu sair do armário com sangue nos olhos. Talvez por se sentirem fortalecidos pelo seu peso na economia, talvez pelas alianças políticas que fizeram.
 

Jogam no nosso colo uma falsa escolha: o País tem que optar entre passar fome ou flexibilizar a legislação ambiental, não ser tão severo com quem usou escravos e evitar a demarcação de territórios indígenas a fim de garantir sua soberania alimentar.


Que tal uma terceira? Uma que inclua o respeito às leis ambientais sem chance para anistias que criem a sensação de impunidade do "desmata aí, que depois a gente perdoa". Que passe pela regularização fundiária geral, confiscando as terras griladas, e a realização de uma reforma agrária, com a garantia de que os recursos emprestados pelos governos às pequenas propriedades - verdadeiras responsáveis por garantir o alimento na mesa dos brasileiros - sejam, pelo menos, da mesma monta que os das grandes. Por preservar os direitos das populações tradicionais e de projetos extrativistas, cujas áreas possuem as mais altas taxas de conservação do País.
 

Isso inclui alterar o padrão de consumo, uma vez que nós do Sul Maravilha comemos e bebemos a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. De onde você acha que vem o bife do seu churrasco de domingo ou o carvão usado na fabricação de ferro-gusa, matéria-prima do aço com o qual é feito o seu carro? Através de conexões por cadeias produtivas nos tornamos corresponsáveis pelos crimes cometidos a milhares de quilômetros. E, consequentemente, rasgar o Código Florestal torna-se fundamental para ajudar a mantermos nosso padrão de consumo intocado. A maior parte da madeira extraída da Amazônia não vira mesinha de centro na Europa, mas é utilizada na construção civil brasileira. E imagine que temos Copa do Mundo e Olimpíada pela frente, fora a demanda gigantesca exigida pelo Minha Casa, Minha Vida e pelas grandes obras do PAC. Ao fazer o papel que seria do Estado e lutar contra madeireiros, morreram Maria e Zé Cláudio.


Não estou defendendo que nos organizemos em comunidades isoladas e cultivemos juta para fiar nossas próprias roupas. Avançamos tecnologicamente e nos beneficiamos disso - por mais que esse "progresso" tenha sido doloroso. E é exatamente por isso, pelo acúmulo de conhecimento sobre o meio em que vivemos, que é lógico reformular a maneira como nos relacionamos com o mundo.
 

O debate sobre o meio ambiente surge como uma discussão sobre a qualidade de vida, não se tratando apenas do pobre ipê que ficou machucado e do coitado do bagre-cego-com-cabelo-moicano que vai ficar sem casinha, mas também dessa ideia de progresso (alta tecnologia aliada a uma postura consumista) que não consegue dar respostas satisfatórias à sociedade. Faz parte dessa discussão a busca por modelos alternativos de desenvolvimento humano. Que só serão efetivos caso diminuam nosso apetite por recursos naturais. E que não matem a população mais humilde que tenta, ao contrário de nós, viver em comunhão com seu meio, protegendo-o.


Apesar de instrutiva, a vaia da tarde de terça foi desnecessária. Pois, horas depois, a Câmara dos Deputados aprovou a revisão do Código Florestal e suas emendas, reduzindo a proteção ambiental e anistiando, na prática, quem desmatou além da conta. Lançaram, dessa forma, uma vaia ensurdecedora sobre os corpos dos dois.

Fonte:

LEONARDO SAKAMOTO É JORNALISTA, DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA, COORDENADOR DA ONG REPÓRTER BRASIL E MEMBRO DA COMISSÃO NACIONAL PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO.

O Estado de S. Paulo, Aliás (29/05/11)

_____________________________________
 
 
 
Mais dois casos... não bastam Chico Mendes, assassinado com tiros de escopeta no peito na porta dos fundos de sua casa, quando saía de casa para tomar banho, em 22/12/88 e  a missionária americana Dorothy Stang, assassinada a tiros, em 12/02/2005.
 
"Não quero flores no meu enterro, pois sei que vão arrancá-las da floresta." 
(Chico Mendes)


"Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar."
(Dorothy Stang)

 
Luciana
 

Um terço da África já faz parte da classe média

Segundo estudo, pelo menos 34% dos africanos vivem com mais de US$ 2 por dia


Um estudo do Banco Africano de Desenvolvimento aponta que um em cada três africanos faz parte da classe média. Apesar de otimista, a avaliação mostra sinais alarmantes: dos 34% que conseguiram escapar da linha da pobreza, cerca de 20% ainda vivem com até US$ 4 por dia (cerca de R$ 6,50). Em busca de justiça social, essa nova parcela da sociedade é a maior responsável pelas revoluções populares.
Thomas Mukoya/Reuters
Thomas Mukoya/Reuters
Otimismo. Eleitores no Quênia; nova classe média emerge


Em três décadas, a classe média africana triplicou, passou de 111 milhões para 310 milhões. As conquistas, porém, são frágeis e estão longe de ser consolidadas. Segundo o relatório, os avanços são sustentados pela alta nos preços das matérias-primas, mais acesso à informação (principalmente a celulares e a internet) e pela forte migração da população rural para as cidades.
 
"A classe média impulsiona o dinamismo da economia, aumenta o consumo e está mais integrada no sistema financeiro. É um grupo com mais instrução, que tem mais consciência das desigualdades, como o desemprego. Esse grupo é crucial, já que exige seus direitos e catalisa mudanças democráticas, como as que ocorreram no Egito e na Tunísia, países com as maiores classes médias do continente", disse ao Estado Mthuli Ncube, vice-presidente do Banco Africano de Desenvolvimento.

A análise divide a classe média em três grupos: alta (vive com até US$ 20 por dia), baixa (entre US$ 4 e US$ 10) e a oscilante (entre US$ 2 e US$4), com mais risco de voltar à linha da pobreza. O valor é extremamente baixo se comparado com a classe média no Brasil, por exemplo. Ncube justifica que esse grupo oscilante tem mais oportunidades em comparação com os que estão abaixo da linha da pobreza (mais de 60% do continente).

A grande maioria da população africana ainda vive na miséria absoluta. Pelo menos 16% vive com menos de US$ 2 por dia e 44% (mais de 180 milhões de pessoas) sobrevive com menos de US$ 1,25 (cerca de R$ 2 por dia). A Libéria lidera o ranking da pobreza (86%). Em seguida, aparecem Tanzânia (82,4%), Burundi (81,3%) e Ruanda (74,4%). Sem garantias de segurança para realizar a pesquisa, Sudão, Líbia e Somália ficaram de fora do relatório.
 
No caso da Libéria, arrasada por mais de duas décadas de guerra civil, a classe média ainda está em reconstrução e deve ser formada por pequenos empresários e por alguns universitários. Sem grandes resultados, os cidadãos que fugiram do país devem demorar ainda para voltar.

Os países do Norte da África, palco dos movimentos por democratização, são os líderes no ranking da classe média. A Tunísia tem a maior porcentagem (89,5%, sendo que quase 44% desse total são considerados oscilantes). Em segundo lugar aparece o Marrocos (84,6%) e o Egito (79,7%).

Na África do Sul, maior economia do continente, a classe média representa 43,2% da população, dos quais 23,5% são oscilantes. Em geral, o grupo tem residência fixa com água encanada, saneamento, eletricidade e sistema de telefonia.

De acordo com o estudo, depois da implementação da política de ação afirmativa conhecida como Black Economic Empowerment, na década de 90, o país desenvolveu uma classe média negra com maior poder aquisitivo do que os brancos. Ainda assim, cerca de 20% da população vive abaixo da linha de pobreza.
 
A Nigéria, país africano mais populoso, tem somente 22% de seus cidadãos incluídos na classe média. A origem do grupo, porém, está na nova expansão do setor privado: indústrias, telecomunicações e serviços terceirizados em áreas urbanas.
 
Impulso. O relatório estima que o crescimento da classe média deve incentivar a chegada de novas companhias privadas ao país, principalmente estrangeiras. De olho no mercado consumidor, elas devem contribuir para a criação de empregos e garantir maior estabilidade às economias africanas. O vice-presidente do Banco de Desenvolvimento Africano aposta ainda nos investimentos domésticos e no crescimento das pequenas empresas, ainda que de forma lenta.

Sem investimentos externos, a África Subsaariana concentra os menores índices de crescimento. Na região, Gabão e Botsuana, ricos em petróleo e diamantes, foram os primeiros colocados no ranking da classe média (46,6% e 47,6, respectivamente.

Fonte:

O Estado de S. Paulo (29/05/11)


Dez razões para apostar na China

País não pode ser visto sob a mesma ótica do Ocidente


Invariavelmente, Pequim desafia seus detratores e mantém o curso, perpetuando o mais espetacular milagre de desenvolvimento dos tempos modernos. Há muitas preocupações, principalmente com inflação, investimentos excessivos, aumentos salariais e empréstimos bancários podres. Elas derivam, porém, de generalizações malfeitas. A seguir, dez razões para não diagnosticar a economia da China fazendo inferências a experiências de outros países.
 
1 - Estratégia. Desde 1953, a China enquadrou seus objetivos macroeconômicos no contexto de planos quinquenais, que definiam iniciativas políticas destinadas a atingir essas metas. O 12.º Plano Quinquenal, recentemente sancionado, pode ser um ponto de virada estratégico, que prenuncia a mudança do modelo produtor bem-sucedido dos últimos 30 anos para uma florescente sociedade de consumo.

2 - Compromisso. Chamuscada por memórias de tumultos, fortalecida pela Revolução Cultural dos anos 70, líderes chineses priorizam a estabilidade. Esse compromisso foi útil e evitou os danos colaterais da crise de 2008. Ele deve desempenhar um papel igualmente importante na luta contra a inflação, contra as bolhas de ativos e na deterioração da qualidade dos empréstimos.

3 - Meios para realizar. O compromisso chinês com a estabilidade tem garras. Mais de 30 anos de reforma destravaram seu dinamismo econômico. As reformas no mercado industrial e financeiro foram decisivas e muitas outras estão a caminho. A China se mostrou uma boa aluna das crises passadas e muda o curso sempre que necessário.

4 - Poupança. Uma taxa de poupança doméstica superior a 50% serviu bem à China. Ela financiou as necessidades de investimentos e aumentou as reservas estrangeiras que protegeram o país de choques externos. Hoje, a China está preparada para absorver parte dessa poupança extra para realizar uma virada para a demanda interna.
 
5 - Urbanização. Nos últimos 30 anos, a parcela urbana da população chinesa cresceu de 20% para 46%, Segundo estimativas, outros 316 milhões de pessoas deverão mudar do campo para cidades nos próximos 20 anos. A urbanização sem precedente oferece um sólido respaldo para o investimento em infraestrutura e para a construção civil. Os temores de excesso de investimento e de "cidades fantasmas" estão no lado da oferta, sem dar o devido peso à demanda crescente.
 
6 - Consumo. O consumo privado responde por cerca de 37% do PIB da China - a menor participação em qualquer grande economia. Ao priorizar a criação de emprego, aumentos salariais e redes de segurança social, o 12.º Plano Quinquenal provocará aumentará o poder de compra do consumidor. Isso poderá levar a um aumento de até cinco pontos porcentuais do consumo na China até 2015.
 
7 - Serviços. Os serviços respondem por 43% do PIB chinês - bem abaixo dos padrões globais. Os serviços são uma peça importante na estratégia pró-consumo da China - especialmente indústrias de larga escala que se baseiam no atacado e no varejo, no transporte doméstico e no lazer. Nos próximos cinco anos, a parte dos serviços no PIB pode crescer mais de quatro pontos porcentuais. Essa receita cria empregos, exige eficiência de recursos e é ambientalmente favorável.
 
8 - Investimento estrangeiro direto. A China tem sido um ímã para corporações multinacionais que buscam eficiência e um pé no maior mercado do mundo. Esses investimentos proporcionam à China o acesso a modernas tecnologias e a sistemas de gestão - um catalisador de desenvolvimento econômico. O reequilíbrio pró-consumo significa uma mudança no investimento estrangeiro direto, afastando-o da atividade manufatureira para o consumo, o que pode impulsionar mais o crescimento.

9 - Educação. A China fez esforços imensos para criar capital humano. A alfabetização de adultos está acima de 95% e as taxas de matrícula no ensino secundário passam de 80%. Universidades chinesas formam anualmente mais de 1,5 milhão de engenheiros e cientistas. O país está prestes a se tornar uma economia com base no conhecimento.

10 - Inovação. Em 2009, cerca de 280 mil pedidos de patente domésticos foram depositados na China, situando-a em terceiro lugar em termos globais, atrás de Japão e EUA. A China é a quarta - e está subindo - em termos de pedidos de patente internacionais. Ao mesmo tempo, o país pretende manter 2,2% do PIB para pesquisa e desenvolvimento até 2015. Isso se encaixa no novo plano de investir em indústrias estratégicas, como a conservação de energia, a tecnologia da informação, biotecnologia e energia renovável.

O historiador Jonathan Spence, da Universidade Yale, alerta que o Ocidente tende a ver a China pela mesma ótica que vê a si mesmo. Pelos nossos padrões, os desequilíbrios do país são insustentáveis. Mas é por isso que a China é diferente. Ela realmente leva essas preocupações a sério. Ao contrário do Ocidente, Pequim adotou uma estrutura de transição voltada para resolver seus problemas de sustentabilidade. O país tem um compromisso e meios para executar essa estratégia. Esse não é o momento de apostar contra a China.


Fonte:


Stephen S.Roach, do Project Syndicate,  PROFESSOR DA UNIVERSIDADE YALE  E AUTOR DE "THE NEXT ASIA".
 
 
O Estado de S.Paulo (29/05/11)

Americana obtém diploma 2 décadas após perder memória

Su Meck tinha dois filhos quando sofreu acidente; reaprendeu a falar, contar e ler; aos 45 anos, completou curso superior

 
A dona de casa norte-americana Su Meck, de 45 anos, obteve na semana passada um diploma de ensino superior duas décadas após perder totalmente a memória. Foi a culminação de uma vida que, em quase todos os sentidos da palavra, começou quando ela tinha 22 anos.
 
A saga de Su, que vive em Gaithersburg (Estado de Maryland), teve início em fevereiro de 1988, quando o ventilador do teto da cozinha de casa caiu sobre sua cabeça. O golpe apagou sua memória, e ela acordou após uma semana de coma com a capacidade mental de uma criancinha. Ela não reconhecia mais seu marido nem seus dois filhos pequenos. Ela mal conseguia falar e não sabia ler nem escrever, caminhar ou comer, vestir-se ou guiar.
 
"Era Su 2.0, na prática ela fora reiniciada", disse Jim Meck, seu marido, um engenheiro de sistemas. Um exame por ressonância magnética mostrou várias fissuras espalhadas pelo cérebro. O ferimento a deixou com amnésia retrógrada completa, a incapacidade de se lembrar do passado - uma condição que às vezes é chamada de "amnésia de Hollywood" porque raramente ocorre fora dos filmes. "Foi literalmente como se ela tivesse morrido, sua personalidade se fora", disse Jim.
 
Jim e Su haviam se conhecido cinco anos antes na Ohio Wesleyan University. Ele estava no 3.º ano e ela era uma caloura. Eles deixaram a faculdade depois que ele se formou e casaram-se.
 
Quando Su despertou do coma, os poucos lampejos de recordação foram breves e fugazes. Amigos e entes queridos agora eram estranhos. Muitos achavam insuportável o olhar vazio de Su. Ela deixou o hospital dois meses depois, após ter completado uma lista de tarefas, como andar de bicicleta, preparar uma refeição e ler um livro simples para crianças.
 
Buraco. Su teve ajuda - de parentes e de uma acompanhante -, mas voltar à vida de esposa e jovem mãe foi uma espécie de queda livre. Havia um grande buraco no centro. Quem era ela? Por que havia se casado com esse homem, se mudado para essa casa, tido esses filhos?
 
Para complicar, logo após a lesão, Su não conseguia formar novas memórias. Ela acordava todos os dias numa casa cheia de estranhos. Transcorreram muitos anos até ela conseguir se lembrar de onde havia estacionado o carro num shopping. A caminho de casa, ela circulava pela vizinhança, pressionando o controle da porta da garagem para descobrir qual era a sua - na maioria das vezes, era salva por Benjamin, de 24 anos, o mais velho dos três filhos de Su. O do meio, Patrick, está com 23. Kassidy, o único filho de cujo nascimento Su se lembra, tem 18.
 
Falar ao telefone era desorientador nos primeiros anos, então Su e a família se comunicavam por cartas. Su escrevia as suas com a ortografia e a caligrafia de uma criança. Ela aprendeu tabuada com os filhos e trabalhou como voluntária na biblioteca escolar para poder se esconder nas pilhas e ler.
 
Dezenove anos depois do acidente, em 2007, Su entrou numa sala de aula como se fosse pela primeira vez. Os próprios filhos já estavam indo para a universidade. Su queria ser conhecida por algo mais que uma mãe e esposa. Suas primeiras aulas foram de sociologia, administração de estresse e recuperação de matemática - aos 42 anos, Su ainda estava multiplicando por adição repetida. Su aprendia devagar - seu marido lia oito páginas enquanto ela lia uma. Ela lia passagens difíceis várias vezes para poder se lembrar delas.
 
Su perseverou na busca de um diploma universitário - um curso técnico de bateria, instrumento musical que aprendeu a tocar na adolescência, embora não se recorde, e retomado quatro anos atrás. Aí, nota-se um traço da mesma resolução obstinada que impulsionou seus hábitos de estudo obsessivos quando Su estudava na Ohio Wesleyan.

"Acho que essa parte de sua personalidade permaneceu nela", disse sua irmã Barb. Os colegas do Montgomery College só souberam que Su passou duas décadas de sua vida adulta sem nenhuma lembrança das duas décadas anteriores no último semestre do curso. Não queria que se apiedassem dela. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK


PARA ENTENDER
 

A perda de memória é um dos efeitos colaterais mais comuns de lesão cerebral traumática. Quanto pior a perda da memória, mais grave deve ser o dano cerebral. Em casos mais leves, a memória retorna após semanas ou meses, quando o inchaço do cérebro passa. Mas danos em neurônios e axônios podem causar problema permanente, a menos que o cérebro se adapte e forme novas conexões neuronais.

Fonte:

 
Daniel de Vise, do The Washington Post - O Estado de S.Paulo (29/05/11)
_____________________________________
 
Exemplo de esforço e amor à vida!
 
Luciana

Novo Código permite desmatar mata nativa em área equivalente ao Paraná

Se o texto aprovado na Câmara passar pelo Senado e for sancionado pela presidente Dilma Rousseff, 22 milhões de hectares de reservas legais poderão ser derrubadas dentro da lei, segundo estimativa feita pelo professor Gerd Sparovek, da USP



As mudanças nas regras de preservação de mata nativa nas propriedades rurais, que constam do novo Código Florestal aprovado pela Câmara, ampliam em 22 milhões de hectares a possibilidade de desmatamento no País - o equivalente ao Estado do Paraná. O número representa as áreas de reserva legal que poderão ser desmatadas legalmente caso o texto seja aprovado no Senado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff.
 
Felipe Mortara/AE-12/5/2011
Felipe Mortara/AE-12/5/2011
 
Função ecológica. Mangue do Rio Buranhém, em Arraial d'Ajuda (Bahia); as áreas de mangue, que são berçários de diversas espécies, perdem a proteção com o texto aprovado na Câmara
 
 
Os cálculos foram feitos a pedido do Estado pelo professor Gerd Sparovek, do Departamento de Solos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), com base no texto do relator Aldo Rebelo (PC do B-SP) e na emenda 164, aprovados na Câmara na terça-feira. A conta leva em consideração a dispensa de recuperação da reserva legal, que é a área, dentro das propriedades rurais, que deve ser mantida com vegetação nativa e varia de 20% a 80% das terras.
 
 
O texto aprovado na Câmara agradou à bancada ruralista, mas desagradou às entidades científicas, aos ambientalistas e ao governo - a presidente disse que poderá vetar parte da proposta, que, entre outros pontos, anistia produtores rurais que desmataram até 2008 e diminui as áreas de vegetação nativa em encostas e margens de rios. Também retira a proteção de áreas sensíveis, como restingas e mangues.


"O texto consolida a área agrícola do Brasil exatamente como ela está atualmente", diz Sparovek. Ele explica que isso atende às reivindicações dos produtores rurais, mas torna difícil a conciliação entre produção agrícola e ambiente. "O novo Código permite que nenhum hectare daquilo que já foi desmatado precise ser restaurado", analisa.


Além da reserva legal, o novo Código aprovado na Câmara também retira proteção das Áreas de Preservação Permanente, as APPs, que são as margens de rios, encostas, topos e morros e vegetação litorânea, como mangues e restingas. Segundo o texto de Rebelo, as APPs ocupadas com agricultura ou pecuária não precisam mais ser recuperadas com vegetação nativa.


A falta de proteção, especialmente nas encostas, preocupa o governo. O Ministério do Meio Ambiente elaborou, em fevereiro, um documento que mostra a relação entre a ocupação irregular de topos de morro e margens de rios na região serrana do Rio e a tragédia ocorrida em janeiro com as chuvas e deslizamentos de terra na área. Cerca de 900 pessoas morreram.


O relatório foi distribuído aos deputados federais na terça-feira, antes da votação da reforma do Código Florestal. "O que preocupa é o bem-estar da população. Essa questão do direito adquirido de ocupar uma área com produção agrícola ou moradia é muito complicada. Pergunte a uma pedra que cai da montanha ou ao rio que sobe se eles observam o direito adquirido", afirma Wigold Schäffer, consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) a serviço do ministério.
 
 
Mangues. Tasso Azevedo, ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e consultor do Ministério do Meio Ambiente, aponta prejuízos aos mangues como consequência do projeto que passou na Câmara. Hoje eles não podem ser ocupados, mas não terão qualquer tipo de proteção se o Código aprovado for implementado.


A senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), afirma que o texto aprovado na Câmara faz justiça ao produtor rural, que desmatou em uma época em que isso era permitido.


Segundo ela, existem em torno de 20 milhões de hectares de plantações localizadas em áreas de preservação, especialmente em margens de rios. "Não existe anistia a desmatador. O texto assegura que quem tem plantação em morros e várzea não vai ter de arrancar tudo de lá. É fazer justiça ao produtor", ressalta.

PARA ENTENDER

Pelo Código Florestal atual, deve-se preservar a vegetação nas margens de rios em no mínimo 30 metros. Pela proposta aprovada na Câmara, onde a mata ciliar foi desmatada poderá ser feito o reflorestamento de somente 15 metros. Isso pode provocar aumento da erosão e assoreamento dos rios.

Hoje, há restrições para a agricultura e pecuária em encostas com alto declive (entre 25° e 45°) e o projeto libera essas atividades nas áreas citadas. O Ministério do Meio Ambiente está preocupado, pois diz que a ocupação da região serrana do Rio, por exemplo, foi agravada pela ocupação irregular de morros e margens de rios.

O Código aprovado pela Câmara na terça-feira também permite que proprietários de terras de até 4 módulos fiscais (entre 20 e 400 hectares) fiquem isentos de preservar mata nativa.


Fonte:


O Estado de S. Paulo (29/05/11)

26 de mai. de 2011

25 de mai. de 2011

Procura-se diretor

Do interior de sua prisão nova-iorquina, Dominique Strauss-Kahn pediu demissão do seu cargo de diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele hesitava em fazê-lo. Tal decisão não seria interpretada como confissão de culpa, o reconhecimento de que de fato tentou estuprar uma camareira em sua suíte no hotel Sofitel? Ele deu duas razões para a saída: de um lado, evitar que o FMI seja prejudicado pela tempestade; de outro, poder empregar todas as forças para provar sua inocência no suposto estupro.


Richard Drew/Reuters
Richard Drew/Reuters
Entre os ingleses o favorito para substituir DSK é Gordon Brown; na França é Christine Lagarde



De qualquer maneira, mesmo antes da carta grandes manobras já tinham se iniciado em torno do FMI. Não seria esta uma boa ocasião para começar tudo do zero, ou seja, mudar a tradição que, desde Bretton Woods, em 1944, reserva a direção do Banco Mundial para os Estados Unidos e a do FMI para a Europa? Nestes 67 anos, a configuração econômica do planeta mudou. Não vivemos mais na época em que toda a riqueza do mundo estava nas mãos dos Estados Unido e da Europa. Colossos nasceram: China, Índia, Brasil, África do Sul.

Essa análise parece ainda mais correta já que o próprio DSK, que foi um grande dirigente do FMI, ressuscitando essa organização inerme, trabalhou para dar aos países emergentes o papel de decisão que eles merecem. E convenceu os europeus a cederem parte do seu peso em termos de votos e cadeiras dentro da instituição. Assim, substituir Dominique Strauss-Kahn por um não europeu seria uma maneira de ser fiel ao ex-diretor e persistir nesse terreno fértil que ele começou a lavrar.


Muito bem. Mas tal perspectiva assusta a Europa. O contra-ataque foi fulminante. A chanceler alemã manifestou-se a respeito em alto e bom som e foi imediatamente acompanhada pela maioria dos europeus. Todo esse pequeno mundo se pôs de acordo: o próximo diretor do FMI deve ser um europeu, como sempre foi desde o nascimento da instituição.


Por que um europeu? Primeiro, porque os europeus são muito inteligentes. Depois, porque a Europa e suas duas instituições (a União Europeia e o euro) estão em plena tempestade. É uma quebradeira por toda a parte. A Grécia perde o folego, não consegue mais tomar emprestado. Portugal está asfixiado. A Irlanda está esgotada. A Espanha se revolta contra o rigor do premiê Zapatero. A Itália perde força e a França não sabe se saiu da crise ou não.


Será, portanto, saudável que a direção do FMI permaneça nas mãos de um europeu. É um europeu, Dominique Strauss-Kahn, que há dois anos mantém a cabeça da Europa fora d’água, com artimanhas engenhosas, conseguindo que a rica Alemanha salve os maus alunos, os néscios da Europa – Grécia, Portugal, Espanha, etc.


A barreira erigida por Angela Merkel contra uma candidatura não europeia reverteu a tendência, mesmo com alguns países emergentes invocando os méritos de seus candidatos: o turco Kemal Dervis, ex-ministro das Finanças, muito estimado e próximo dos europeus; o cingapuriano Tharman Shanmugaratnam, um economista jovem, que não provocaria tanto medo quanto um chinês, pelo pequeno porte de Cingapura; E ainda o sul-africano Trevor Manuel, cuja nomeação poderia se constituir num símbolo bastante forte para toda a África; e, por fim, o israelense Stanley Fischer, que foi o número 2 do FMI durante sete anos, um técnico bastante respeitado. Ele é israelense, mas tem também nacionalidade americana, o que pode ser um trunfo ou, pelo contrário, uma desvantagem.


O Brasil, por meio do seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, insiste numa mudança: “Se o FMI pretende ter legitimidade, seu diretor-geral só deve ser escolhido após uma ampla consulta junto aos países membros, pois a escolha deve ser baseada no mérito e não na nacionalidade”. Os meios europeus observam, no entanto, que Mantega presta uma bela homenagem à obra de DSK e, conhecido por sua eloquência áspera, julga “compreensível” a posição europeia, mas pede apenas que não haja precipitação.

Mas está havendo exatamente uma precipitação, pelo menos dos candidatos europeus. Eles já são uma dezena na linha de partida, fazendo exercícios de respiração e aquecendo os músculos, à espera apenas do tiro de largada. Quem são? Claro que aí estão os alemães, uma garantia de competência, de rigor: Peer Steinbrück, ex-ministro das Finanças social-democrata, e Axel Weber, que foi presidente do Bundesbank, banco central alemão.


Entre os ingleses o favorito é o ex-premiê trabalhista Gordon Brown, que sonha com o FMI desde que nasceu e sempre se destaca nas reuniões financeiras. Mas ele sofre de algumas deficiências. Esse filho de pastor escocês não tem jogo de cintura. Seus acessos de cólera são terríveis. Pior ainda: o atual premiê britânico, o conservador David Cameron, não concorda com sua indicação. Brown, no entanto, ainda tem chances, pois a candidatura ao posto no FMI poderá ser proposta por outro país que não o seu.


E há também a atual ministra das Finanças da França, Christine Lagarde, dotada de um perfil internacional porque já foi, nos Estados Unidos, chefe de um grande escritório de advocacia, Baker & Mackenzie, com 3 mil advogados. No governo francês, Christine tem mostrado talento. Mas tem duas desvantagens. Uma, é que o último diretor do FMI, DSK, é francês; outra, corre o risco de ser incomodada por uma acusação de “conivência” com um empresário pouco recomendável, Bernard Tapie. Apesar de tudo, é um dos candidatos favoritos.


Dá para ver que o quadro não é simples. Nos meios europeus, o sentimento é de haver chance de que o próximo diretor do FMI seja um europeu. Mas por outro lado todos reconhecem que está na hora de mudar essa regra “tácita” segundo a qual o FMI deve ficar sempre com a Europa. Em todo caso, é assim que se quer interpretar as advertências do ministro Guido Mantega. Trata-se de pôr um fim a esse processo automático de nomeação de um europeu para o cargo, substituindo-o por uma verdadeira campanha eleitoral na forma devida, mesmo que seja preciso dar um pouco de tempo ao tempo.


E um outro elemento será levado em consideração logo mais: a opinião dos EUA, Canadá e Japão. Esses três países estarão dispostos a aceitar que o FMI permaneça, ainda desta vez, um apanágio europeu?


Fonte:

GILLES LAPOUGE
O Estado de S. Paulo (22/05/11)

Diferença salarial é mais acentuada por escolaridade, diz IBGE

Os homens ainda são maioria no mercado de trabalho e possuem salário maior que o das mulheres, segundo o Cadastro Central de Empresas 2009 (Cempre), divulgado nesta quarta-feira, 25, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas, ao contrário do que ocorria no passado, o gênero não é mais tão determinante para o sucesso profissional. O que impulsiona o salário atualmente é o nível de escolaridade.

Embora os homens ganhassem 24,1% a mais do que as mulheres, segundo a média nacional, a escolaridade mostrou-se mais determinante para o nível salarial. Os trabalhadores que tinham curso superior ganhavam um salário 225% maior do que os que não concluíram a faculdade. "A informação que consideramos mais importante no estudo foi que existe ainda uma diferença salarial significativa entre homens e mulheres no País, e, mais ainda, uma diferença entre as pessoas que têm nível superior e as que não têm, mostrando a importância da educação em termos de retornos salariais", disse Denise Guichard Freire, gerente do Cempre.


De um montante de 40,2 milhões de trabalhadores assalariados, 33,6 milhões não tinham nível superior (83,5%) contra apenas 6,6 milhões de pessoas com curso superior (16,5%). No entanto, essa fatia de trabalhadores que concluíram a faculdade concentrou R$ 310,6 bilhões, ou 39,7% da massa salarial, enquanto os outros R$ 471,3 bilhões, ou 60,3%, foram distribuídos entre os trabalhadores com menor escolaridade.


"As diferenças salariais são muito significativas em todos os setores da atividade econômica, mas principalmente na indústria, muito mais do que no comércio", afirmou Denise. O salário médio mensal, em 2009, foi de R$ 1.540,59 ou 3,3 salários mínimos. Os homens receberam, em média, R$ 1.682,07, ou 3,6 salários, enquanto que as mulheres receberam R$ 1.346,16, ou 2,9 salários.

"De uma forma geral a mulher ganha menos, mas como está inserida em empresas menores, existe também uma relação entre o porte da empresa e o salário pago. Essas micro e pequenas empresas pagam salários menores do que as grandes empresas", completou a gerente do IBGE.





O levantamento foi conduzido com 4,8 milhões de empresas e organizações, que reuniam 40,2 milhões de assalariados, sendo que 23,4 milhões (58,1%) eram homens e 33,6 milhões (83,5%) não tinham nível superior.



Fonte:


O Estado de S. Paulo (25/05/11)

24 de mai. de 2011

A nova geopolítica dos alimentos

Nos EUA, quando os preços mundiais do trigo sobem 75%, como no ano passado, isso significa a diferença entre um pão de US$ 2 e um pão custando, talvez, US$ 2,10. Se você viver em Nova Délhi, contudo, essa alta exorbitante dos preços realmente conta: uma duplicação do preço mundial significa que o trigo custa duas vezes mais.



Bem-vindos à nova economia alimentar de 2011: os preços estão subindo, mas o impacto não será sentido de maneira equitativa. Para os americanos, que gastam menos de um décimo da sua renda no supermercado, a alta do preço dos alimentos que assistimos até agora é um incômodo, não uma calamidade. Mas para os 2 bilhões de pessoas mais pobres do planeta, que gastam de 50% a 70% de sua renda em comida, essa disparada dos preços pode significar passar de duas refeições por dia para uma.
 
 
Os que mal conseguem se segurar nos degraus mais baixos da escada econômica global correm o risco de se soltar de vez. Isso pode contribuir - e tem contribuído - para revoluções e insurgências.
 
 
Com a quebra de safra prevista para este ano, com governos do Oriente Médio e da África cambaleando em função das altas de preços, e com mercados nervosos enfrentando um choque após outro, os alimentos rapidamente se tornaram um condutor oculto da política mundial. E crises como esta vão se tornar cada vez mais comuns. A nova geopolítica dos alimentos parece muito mais vulnerável do que era. A escassez é a nova norma.


Até pouco tempo atrás, altas súbitas de preços não tinham tanta importância, pois eram rapidamente seguidas por um retorno aos preços relativamente baixos dos alimentos que ajudaram a moldar a estabilidade do fim do século 20 em boa parte do planeta. Agora, porém, tanto as causas como as consequências são sinistramente diferentes. Lamentavelmente, as altas de preços de hoje são causadas por tendências que estão contribuindo tanto para o aumento da demanda como dificultando o aumento da produção: entre elas, a rápida expansão da população mundial, os aumentos de temperatura que ressecam plantações, e o esgotamento de poços de irrigação.


Mais alarmante ainda, o mundo está perdendo sua capacidade de mitigar o efeito da escassez. É por isso que a crise dos alimentos de 2011 é genuína, e por isso ela poderá trazer consigo novas combinações de revoltas do pão e revoluções políticas. E se as sublevações que saudaram os ditadores Zine al-Abidine Ben Ali, na Tunísia; Hosni Mubarak, no Egito; e Muamar Kadafi, na Líbia não forem o fim da história, mas seu começo? Preparem-se, tanto agricultores como chanceleres, para uma nova era em que a escassez mundial de alimentos vai moldar cada vez mais a política global.
 
 
Demanda e produção. A duplicação dos preços mundiais dos grãos desde o início de 2007 foi impelida principalmente por dois fatores: o crescimento acelerado da demanda e a dificuldade crescente de expandir rapidamente a produção. O resultado é um mundo que parece chocantemente distinto da generosa economia mundial de grãos do século passado. Como será a geopolítica dos alimentos numa nova era dominada pela escassez? Mesmo neste estágio inicial, podemos ver ao menos os contornos gerais da economia alimentar emergente.
 
 
No lado da demanda, os agricultores agora enfrentam claras fontes de pressão crescente. A primeira é o crescimento populacional. A cada ano, os agricultores do mundo precisam alimentar 80 milhões de pessoas adicionais, quase todas em países em desenvolvimento.


A população mundial quase dobrou desde 1970 e está a caminho de 9 bilhões em meados do século. Ao mesmo tempo, os EUA, que um dia conseguiram atuar como um amortecedor global contra safras ruins, agora estão convertendo quantidades imensas de grãos em combustível para carros, embora o consumo mundial de grãos, que gira em torno de 2,2 bilhões de toneladas métricas por ano, esteja crescendo em velocidade acelerada. Mas a taxa em que os EUA estão convertendo grãos em etanol tem crescido ainda mais rapidamente.


Essa capacidade massiva de converter grãos em combustível significa que o preço dos grãos está agora atrelado ao preço do petróleo. Assim, se o petróleo sobe para US$ 150 o barril ou mais, o preço dos grãos acompanhará a alta já que se torna mais lucrativo converter grãos em substitutos do petróleo. E esse não é um fenômeno apenas americano: o Brasil, que destila etanol de cana de açúcar, é o segundo maior produtor depois dos EUA, enquanto a União Europeia, que pretende obter 10% de sua energia de transporte de energias renováveis, em sua maioria biocombustíveis até 2020, também está desviando terras de culturas alimentares para esse fim.
 
 
Escassez de água. Essa não é apenas uma história sobre a demanda crescente por alimentos. Do esgotamento de lençóis freáticos à erosão de solos e às consequências do aquecimento global, tudo significa que a oferta mundial de alimentos provavelmente não acompanhará nossos apetites coletivamente crescentes. Tome-se o caso a mudança climática: a regra prática entre ecologistas da produção vegetal é que, para cada 1 grau Celsius de aumento da temperatura acima do ótimo para a estação de crescimento, os agricultores podem esperar uma quebra de 10% no rendimento dos grãos. Essa relação foi confirmada dramaticamente durante a onda de calor de 2010 na Rússia, que reduziu a safra de grãos do país em quase 40%.
 
 
Com a elevação das temperaturas, os lençóis freáticos estão diminuindo na medida em que os agricultores bombeiam em excesso para irrigação. Isso infla artificialmente a produção de alimentos no curto prazo, criando uma bolha dos alimentos que estoura quando os aquíferos são esgotados e o bombeamento é necessariamente reduzido à taxa de recarga.


No conjunto, mais da metade da população mundial vive em países onde os lençóis freáticos estão diminuindo. O Oriente Médio árabe politicamente convulsionado é a primeira região geográfica onde a produção de grãos atingiu o pico e começou a declinar por escassez de água, apesar de as populações continuarem a crescer. A produção de grãos já está diminuindo na Síria e no Iraque e, em breve, poderá declinar no Iêmen. Mas as maiores bolhas alimentares estão na Índia e na China. Como esses países enfrentarão a escassez inevitável quando os aquíferos forem esgotados? Ao mesmo tempo em que estamos secando nossos poços, estamos também maltratando nossos solos, criando novos desertos. A erosão do solo decorrente do excesso de cultivo e do manejo indevido da terra está solapando a produtividade de um terço das terras cultiváveis do mundo.


Qual a gravidade disso? Imagens de satélite mostram duas novas e imensas bacias de areia: uma se estendendo pelo norte e o oeste da China e oeste da Mongólia, a outra cruzando a África Central. A civilização pode sobreviver à perda de suas reservas de petróleo, mas não pode sobreviver à perda de suas reservas de solo.


Nesta era de aperto dos suprimentos mundiais de alimentos, a capacidade de cultivar alimentos está rapidamente se tornando uma nova forma de alavancagem geopolítica, e os países estão tratando de garantir seus próprios interesses paroquiais às custas do bem comum.


Terras estrangeiras. Temendo não ser capaz de comprar os grãos necessários no mercado, alguns países mais ricos, liderados pela Arábia Saudita, Coreia do Sul e China, tomaram, em 2008, a medida incomum de comprar ou arrendar terras em outros países para cultivar grãos para si próprios. A maioria dessas compras de terras é na África, onde alguns governos arrendam terras cultiváveis por menos de US$ 2,5 por hectare/ano. Entre os principais destinos estão Etiópia e Sudão, países onde milhões de pessoas estão sendo sustentadas pelo Programa Mundial de Alimentos da ONU.


Muitos dos acordos de terras foram feitos secretamente e, na maioria dos casos, a terra envolvida já estava em uso por aldeões quando foi vendida ou arrendada. Com frequência, os que já estavam cultivando a terra não foram nem consultados nem sequer informados dos novos acordos. A hostilidade local a essas apropriações de terra é a regra, não a exceção.


Em 2007, quando os preços dos alimentos começaram a subir, a China assinou um acordo com as Filipinas para arrendar 1 milhão de hectares de terras destinadas a cultivar alimentos que seriam embarcados para a China. Quando a notícia vazou, o clamor público obrigou Manila a suspender o acordo. Um clamor parecido abalou Madagáscar, onde uma empresa sul-coreana, a Daewoo Logistics, havia tentado obter direitos a mais de 1,2 milhão de hectares. Notícias sobre o acordo ajudaram a criar um furor político que derrubou o governo e obrigou o cancelamento do acordo. Aliás, poucas coisas são mais propensas a alimentar insurgências do que privar pessoas de suas terras. Equipamentos agrícolas são facilmente sabotados. Os campos de grãos maduros queimam rapidamente quando se lhes ateia fogo.


Essas aquisições representam um investimento potencial de estimados US$ 50 bilhões em agricultura em países em desenvolvimento. Então perguntamos: quanto isso tudo ampliará a produção mundial de alimentos? Não sabemos, mas a análise do Banco Mundial indica que somente 37% dos projetos serão dedicados a culturas alimentares. A maioria da terra adquirida até agora será usada para produzir bicombustíveis e outras culturas de interesse industrial.


Mesmo que alguns desses projetos acabem por aumentar a produtividade da terra, quem se beneficiará? Se virtualmente todos os insumos - o equipamento agrícola, o fertilizante, os pesticidas, as sementes - são comprados do exterior e se toda a produção é enviada para fora do país, eles pouco contribuirão para a economia do país hospedeiro. Por enquanto, as apropriações de terras contribuíram mais para provocar agitação social do que para aumentar a produção de alimentos.


Disputa. Ninguém sabe onde chegará essa crescente competição por suprimentos alimentares, mas o mundo parece estar se afastando da cooperação internacional que evoluiu em muitas décadas depois da 2ª Guerra para uma filosofia de cada país por si. O nacionalismo alimentar poderá ajudar a garantir suprimentos alimentares para países ricos individuais, mas faz pouco para melhorar a segurança alimentar do mundo. Aliás, os países de baixa renda que hospedam apropriações de terras ou importam grãos provavelmente sofrerão uma deterioração de sua situação alimentar.


Depois da carnificina de duas guerras mundiais e dos descaminhos econômicos que levaram à Grande Depressão, os países se uniram em 1945 para criar a ONU, percebendo, finalmente, que no mundo moderno não podemos viver em isolamento por mais tentador que isso possa parecer. O Fundo Monetário Internacional foi criado para ajudar a gerir o sistema monetário e promover a estabilidade econômica e o progresso. Dentro do sistema da ONU, agências especializadas, da Organização Mundial de Saúde (OMS) à Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) jogam importantes papéis no mundo de hoje. Tudo isso promoveu a cooperação internacional.


Mas embora a FAO colete e analise dados agrícolas globais e forneça assistência técnica, não há nenhum esforço organizado para garantir uma adequação dos suprimentos mundiais de alimentos.


O presidente francês, Nicolas Sarkozy, está propondo lidarmos com a alta dos preços dos alimentos com uma redução da especulação nos mercados de commodities. Por útil que isso possa ser, trata os sintomas da insegurança alimentar crescente, não as causas, como o crescimento populacional e as mudanças climáticas. O mundo precisa se concentrar hoje, não só na política agrícola, mas numa estrutura que a integre com políticas para energia, população e água, que afetam diretamente a segurança alimentar.


Perigo. Isso, porém, não está ocorrendo. Em vez disso, à medida que terra e água se tornam mais escassas, que a temperatura da Terra sobe e a segurança alimentar mundial se deteriora, está surgindo uma geopolítica perigosa de escassez de alimentos. A apropriação de terra, de água, e compra de grãos diretamente de fazendeiros em países exportadores são hoje partes integrantes de uma luta pelo poder global para segurança alimentar.


Com estoques de grãos baixos e a volatilidade climática aumentando, os riscos crescem. Hoje estamos tão perto da borda que uma ruptura do sistema alimentar poderá surgir a qualquer momento.


Talvez não tenhamos sorte para sempre. O que está hoje em questão é se o mundo conseguirá ir além de se concentrar nos sintomas da deterioração da situação alimentar e atacar suas causas subjacentes.


Se não conseguirmos aumentar o rendimento agrícola com menos água e conservar os solos férteis, muitas áreas agrícolas deixarão de ser viáveis. E isso vai muito além dos agricultores. Se não conseguirmos nos mexer com velocidade de um tempo de guerra para estabilizar o clima, talvez não sejamos capazes de evitar uma disparada dos preços dos alimentos. Se não conseguirmos acelerar a mudança para famílias menores e estabilizar a população mundial, mais cedo do que mais tarde, as filas de famintos continuarão a aumentar. A hora de agir é agora - antes que a crise dos alimentos de 2011 se torne a nova normalidade.

Fonte:


Lester R.Brown,  PRESIDENTE DO EARTH POLICY INSTITUTE, E AUTOR DE "WORLD ON THE EDGE: HOW TO PREVENT ENVIRONMENTAL AND ECONOMIC COLLAPSE"

O Estado de S.Paulo (22/05/11)