"Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar." (João Cabral de Melo Neto)
29 de jun. de 2012
26 de jun. de 2012
Maconheiro de carterinha
Uruguai quer substituir o tráfico pela maconha estatal
Legalizar a maconha não é uma boa ideia. Mas pode levar a uma situação menos ruim que a atual. Os usuários continuariam aí – e, necessitando de cuidados - mas os traficantes perderiam o mercado e, pois, o dinheiro com o qual ganham a guerra, assassinando desde adversários até usuários inadimplentes, intimidando e corrompendo policiais, juízes, governantes em geral, políticos, jornalistas. O Estado economizaria bilhões hoje torrados em batalhas perdidas, recursos que poderiam ter uso muito melhor na saúde, por exemplo.
E por que legalizar só a maconha? Porque é a menos prejudicial das drogas e porque forma a maior parte do mercado.
Essa tese, elaborada há algum tempo, foi atualizada na América Latina por um grupo formado por ex-presidentes, incluindo Fernando Henrique Cardoso. E o governo do Uruguai, do presidente esquerdista Jose Pepe Mujica, acaba de anunciar sua adesão. É curioso, pois se trata de uma proposta mais para o lado liberal.
Talvez por isso, e por ser uma decisão polêmica, o governo uruguaio tenta dar à ideia uma aparência de política pública de esquerda. Quer sair das sombras do tráfico para o controle total do Estado. Acreditem: Mujica pretende instalar fazendas de maconha, fábricas para produzir o cigarro e uma rede comercial, tudo estatal.
Os consumidores também seriam estatizados. Para comprar os cigarros, a pessoa, maior de 18 anos, precisaria se cadastrar em um órgão governamental. Receberia assim uma carteirinha de maconheiro, com a qual poderia comprar até 40 cigarros por mês. Se comprasse mais que isso –como? – seria obrigada a se registrar em um centro, estatal, claro, de tratamento.
Vamos reparar, pessoal: trata-se de uma das melhores ideias de jerico já produzidas pela esquerda latino-americana. Olhe que essa turma já produziu desastres dos grandes, como inflação e calotes da dívida, mas estatizar o barato é uma proeza.
Admitamos que a maconha estatizada é melhor que um mercado dominado pelo tráfico. Só que a estatizada vai cair nas mãos dos traficantes e gerar os mesmos problemas de corrupção e violência.
Começa pelo usuário que precisa se registrar. Digamos que uma minoria de militantes da droga tope isso, para marcar posição. Mas o maconheiro, digamos, normal, não vai querer manchar seu nome.
Não é por que terá sido legalizada que a maconha ganhará aprovação social e absolvição médica. Todos sabem que a droga é nociva, vicia e prejudica o desempenho das pessoas. Assim, empresas e escolas vão exigir certidão negativa de maconheiro. Faz sentido. Companhias aéreas, empresas de ônibus, fábricas com instrumentos de precisão teriam um bom argumento para recusar os maconheiros oficiais.
Mas isso certamente criaria uma questão jurídica. Se a maconha é legal, como a empresa pode discriminar o usuário? O sujeito poderia garantir na justiça o direito de não apresentar a certidão. Não adiantaria. Poderia até ganhar, mas ficaria marcado.
Por outro lado, admitindo que tudo esteja montado, forma-se um baita mercado. Cada maconheiro oficial tem direito a 40 cigarros/mês. Algum duvida da consequência? Os traficantes vão mobilizar exércitos de jovens que ganharão um bom dinheiro sem trabalhar – apenas se registrando como maconheiros.
Além disso, o governo uruguaio diz que os cigarros estatais terão o preço tabelado, para não explorar o povo. O que abre enorme margem de lucro para o tráfico.
Lógico, os cigarros "públicos" terão valor de mercado muito maior do que os "privados" que eventualmente continuem chegando do Paraguai ou da Bolívia. Terão controle de qualidade do Ministério da Saúde, produção em laboratórios limpos e equipados, não em cozinhas de fundo de quintal.
Assim, a produção estatal vai dispensar o tráfico de boa parte do plantio, produção e distribuição. Além do mais, alguém duvida que os traficantes se infiltrarão nas fábricas estatais para desviar cigarros? Se os caras hoje compram até juízes, não conseguirão seduzir um chefe de depósito? E os caminhões com a preciosa carga?
Finalmente, todo o complexo estatal da maconha será um grande negócio. Ou seja, muitos cargos para serem disputados pelos políticos. Já pensaram no Brasil? O PT não abre mão da presidência da Maconhabrás...O PMDB quer a diretoria financeira. O diretor de distribuição seria cargo excelente para arranjar votos com a distribuição dos cigarros da quota da diretoria.
Tudo isso sem falar dos direitos do consumidor. Este pode processar o governo se entender que o cigarro oficial não gera o barato, digamos, suficiente.
Lideranças que defendem a legalização da maconha reconhecem que a maior dificuldade é justamente o processo, o modo de fazer isso. O objetivo é tirar o mercado do tráfico e, assim, asfixiar o traficante, mas sem estimular o usuário. A estatização à Uruguai é a pior proposta.
Aqui, como em muitas outras coisas, é preciso deixar as coisas por conta do indivíduo, livre para escolher, e do mercado, também livre. O Estado regula e presta serviços.
Asa delta, perigo!
A Força Aérea decidiu fechar o espaço aéreo do Rio nos dias da Rio+20. Não podia voar nem asa delta.
Devem achar que um terrorista, armado com metralhadoras e bombas, poderia decolar da Pedra da Gávea, voar até o Riocentro, aterrisar lá e executar algumas autoridades.
É uma confissão de incompetência. Estão nos dizendo que não conseguiriam interceptar um maluco que tentasse aquela proeza. Logo, fica tudo proibido.
Todo mês de setembro tem a assembleia geral da ONU em Nova York, para onde se dirigem mais de 100 chefes de estado. Sabem o que acontece como tráfego aéreo? Nada.
Fonte:
Carlos Alberto Sardenberg |
O Estado de S. Paulo |
Escravidão Moderna
Nas letras da lei, a escravidão está extinta, porém, em muitos países, principalmente onde a democracia é frágil, há alguns tipos de escravidão, em que mulheres e meninas são capturadas para serem escravas domésticas ou ajudantes para diversos trabalhos. Há ainda o tráfico de mulheres para prostituição forçada, principalmente em regiões pobres da Rússia, Filipinas e Tailândia, dentre outros países.
A expressão escravidão moderna possui sentido metafórico, pois não se trata mais de compra ou venda de pessoas. No entanto, os meios de comunicação em geral utilizam a expressão para designar aquelas relações de trabalho nas quais as pessoas são forçadas a exercer uma atividade contra sua vontade, sob ameaça, violência física e psicológica ou outras formas de intimidações. Muitas dessas formas de trabalho são acobertadas pela expressão trabalhos forçados, embora quase sempre impliquem o uso de violência.
Atualmente, há diversos acordos e tratados internacionais que abordam a questão do trabalho escravo, como as convenções internacionais de 1926 e a de 1956, que proíbem a servidão por dívida. No Brasil, foi somente em 1966 que essas convenções entraram em vigor e foram incorporadas à legislação nacional. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata do tema nas convenções número 29, de 1930, e 105, de 1957. Há também a declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento, de 1998.
De acordo com o relatório da OIT de 2001, o trabalho forçado no mundo tem duas características em comum: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. Além de o trabalhador ficar atrelado a uma dívida, tem seus documentos retidos e, nas áreas rurais, normalmente fica em local geograficamente isolado. Nota-se que o conceito de trabalho escravo é universal e todo mundo sabe o que é escravidão.
Vale lembrar que o trabalho escravo não existe somente no meio rural, ocorre também nas áreas urbanas, nas cidades, porém em menor intensidade. O trabalho escravo urbano é de outra natureza. No Brasil, os principais casos de escravidão urbana ocorrem na região metropolitana de São Paulo, onde os imigrantes ilegais são predominantemente latino-americanos, sobretudo os bolivianos, e mais recentemente os asiáticos, que trabalham dezenas de horas diárias, sem folga e com baixíssimos salários, geralmente em oficinas de costura. A solução para essa situação é a regularização desses imigrantes e do seu trabalho.
A escravidão no Brasil foi extinta oficialmente em 13 de maio de 1888. Todavia, em 1995 o governo brasileiro admitiu a existência de condições de trabalho análogas à escravidão. A erradicação do trabalho escravo passa pelo cumprimento das leis existentes, porém isso não tem sido suficiente para acabar com esse flagelo social. Mesmo com aplicações de multas, corte de crédito rural ao agropecuarista infrator ou de apreensões das mercadorias nas oficinas de costura, utilizar o trabalho escravo é, pasmem, um bom negócio para muitos fazendeiros e empresários porque barateia os custos da mão de obra. Quando flagrados, os infratores pagam os direitos trabalhistas que haviam sonegado aos trabalhadores e nada mais acontece.
De modo geral, o trabalho escravo só tem a prejudicar a imagem do Brasil no exterior, sendo que as restrições comerciais são severas caso o país continue a utilizar de mão de obra análoga à escravidão. Como é público e notório que o Brasil usa trabalho escravo, sua erradicação é urgente, sobretudo para os trabalhadores, mas também para um bom relacionamento comercial internacional.
Criada em agosto de 2003, a Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), órgão vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, tem a função de monitorar a execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Lançado em março de 2003, o Plano contém 76 ações, cuja responsabilidade de execução é compartilhada por órgãos do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, entidades da sociedade civil e organismos internacionais.
Fonte:
Orson Camargo
Brasil Escola
18 de jun. de 2012
Quase um século de ambientalismo depois, mundo segue clivado entre os oásis dos 1% mais ricos e imundas cidades para o resto
Florescem cenários apocalípticos nas críticas do urbanista norte-americano Mike Davis, para quem o futuro está sendo gestado em megalópoles convulsionadas. E será um futuro noir, solapado por catástrofes superlativas, guerras e pandemias de toda sorte. "A Rio+20 tem tanta chance de salvar o mundo como uma convenção de entusiastas do esperanto", ironiza o também historiador e fundador da New Left Review.
Autor de Cidades Mortas, Ecologia do Medo e Holocaustos Coloniais (Editora Record), Apologia dos Bárbaros, Cidade de Quartzo e Planeta Favela (Boitempo Editorial), Michael Ryan Davis cresceu no deserto californiano de El Cajon, foi aprendiz de açougueiro, caminhoneiro e militante estudantil. Atualmente, leciona na Universidade da Califórnia, em Riverside, de onde concedeu esta entrevista exclusiva ao Aliás.
Qual é sua expectativa para a Rio+20?
A Conferência tem tanta chance de salvar o mundo como uma convenção de entusiastas do esperanto ou um encontro de seguidores de Zoroastro. Há sérios pontos para discutir na Rio+20, mas a épica batalha sobre a mudança climática e o desenvolvimento sustentável foi irremediavelmente perdida na esfera da política internacional. Para os futuros historiadores não será difícil aquinhoar a responsabilidade. Mesmo que todos os países ricos compartilhem alguma culpa, alguém apertou o gatilho. O Protocolo de Kyoto foi assassinado no berço pelo Texas - isto é, pelo Partido Republicano norte-americano e os bilionários do petróleo de Houston que o financiam. Os democratas, por sua vez, lamentaram brevemente a morte de Kyoto e, em seguida, discretamente enterraram o aquecimento global como uma questão de campanha. A ausência do presidente Barack Obama no Rio é um sinal de que a mudança climática - questão de vida e morte para grande parte da humanidade - tornou-se órfã.
Anfitrião do encontro, o Brasil tomou posições ambivalentes e criticadas em questões como o novo Código Florestal e a usina de Belo Monte. Como o sr. as analisa?
De perto, o sistema político do Brasil parece muito disfuncional. De longe, porém, lembra o New Deal americano: a bem-sucedida manipulação de mobilizações populares (sobre questões como a pobreza, a terra, os direitos dos trabalhadores e a Amazônia) para forçar o capitalismo brasileiro a se modernizar e competir na pista rápida dos novos países industrializados. As conquistas da era PT são incontestáveis, como as políticas de regulamentação ambiental, que mesmo inconsistentes, abrandaram as formas mais destrutivas de explorar o paraíso de vocês. A tripulação da Estação Espacial Internacional não mais orbita sobre uma Amazônia em chamas. Mas alguns dos limites do novo modelo brasileiro parecem óbvios. O projeto verde inevitavelmente colide com a realidade de uma grande economia que continua dependente das exportações de produtos primários.
Como está a questão verde hoje, após quase um século de movimento ambiental?
Como estamos à beira de uma recessão mundial sincronizada, é difícil até para os Chicago boys (grupo de intelectuais formados na Universidade de Chicago, pioneiros do pensamento neoliberal) argumentarem que as gigantescas corporações e bancos tenham interesse ou poder para criar empregos para nossos filhos, garantir segurança alimentar para os 3 bilhões ainda por nascer nos próximos 40 anos ou adaptar cidades e campos para os desafios da sobrevivência em um clima mais extremo. Empregos, alimentos e meio ambiente são fatores intrinsecamente unidos - mas o movimento verde, com poucas honrosas exceções, não conseguiu ver essa interligação. Assim, muitos pobres ainda consideram o ambientalismo como um luxo que eles não podem pagar. Em países como os EUA, a degeneração da política ambiental é terrível. Os ativistas verdes de outrora agora são lobistas institucionais em Washington, dispostos a apertar a mão do diabo, mesmo a da indústria do petróleo. Enquanto isso, o breve flerte do presidente Obama com o "crescimento verde" - a promessa de centenas de milhares de bons empregos ao redor da energia renovável - tornou-se uma miragem cruel. O único notável boom do trabalho está na produção de combustíveis fósseis: os campos de petróleo de Dakota do Sul e as instalações para extração de gás na Pensilvânia. Acredito que cada questão ambiental deva ser enquadrada em termos de criação de empregos e futuro para a juventude. O mundo precisa imensamente de reparo, e uma humanidade desacorrentada dos balanços corporativos deveria urgentemente construir uma arca antes de o dilúvio chegar. O que realmente precisamos são centenas de milhões de empregos low tech: legiões de jardineiros, pedreiros, professores. Um programa de trabalho global. Diante da austeridade crescente, tal proposta parece politicamente absurda, mas precisamos de partidos que defendam políticas necessárias - e não só realistas. Não tenho certeza se os atuais partidos verdes se encaixam nessa job description.
Nada melhorou desde a Eco-92?
Centenas de livros foram escritos sobre bons experimentos verdes em escala local. As cidades brasileiras, em particular, ganharam reconhecimento mundial por suas inovações. Mas olhe ao redor. Comparadas às deduções para as guerras do Pentágono e da indústria de carvão na China, para não falar na crescente miséria urbana na África e da deterioração das cidades ex-soviéticas, as contribuições verdes marcam um progresso insignificante. De fato, se a crise econômica de 2008 foi apenas um prelúdio para uma depressão abrangente nos anos seguintes, estamos construindo castelos de areia. Há muita ousadia na concepção de soluções técnicas e pouca na política. Fico feliz que Berkeley seja bike-friendly e Julia Roberts viva em uma casa de carbono zero, mas o que é mais importante para nosso ecofuturo: maravilhosos oásis verdes em cidades ricas ou banheiros e salários mínimos em cidades pobres? Aí é onde um Brasil progressista poderia ser a vanguarda.
Então a crise financeira de 2008 selou o destino da causa ambiental?
No caso dos EUA, os resultados foram perversos. Inicialmente, os preços astronômicos do petróleo e a necessidade de um estímulo keynesiano parecia apontar para um boom na energia renovável e tecnologias ambientalmente eficientes. Mas foi o combustível fóssil que se renovou com o boom de tar sands (a mais suja fonte de petróleo) de Alberta e os depósitos de gás nas rochas de Pensilvânia. Ao mesmo tempo, o maior empreendimento da administração de Obama em parcerias público-privadas para a indústria de energia alternativa, uma concessão de US$ 500 milhões para energia solar, foi um fiasco por causa da competição chinesa. A depressão americana deu ao lobby "negador" - a campanha de relações públicas com falsos experts para negar a ideia de aquecimento global - e ao lobby antiambientalista, nova vida no Partido Republicano. Romney é um "cético" renascido na mudança climática enquanto alguns de seus oponentes, como Michelle Bachmann, de Minnesota, são oponentes diretos da ciência moderna per se. Assim, a opinião pública dos EUA mudou drasticamente em direção ao ceticismo sobre o aquecimento global.
Ambientalistas defendem a redução dos padrões de consumo para salvar o planeta. Como uma transformação dessas no comportamento humano seria possível?
Padrões de consumo doméstico obviamente não significam qualidade de vida, uma vez que muitas de nossas mais importantes necessidades só podem ser preenchidas em comunidade com os outros. No entanto, parte dos ambientalistas tem pouquíssimo compromisso com a justiça social. Proporcionar uma vida decente para as massas e preservar a vida animal são vistos como objetivos quase excludentes. Na verdade, acredito que a única forma de salvar o planeta é fazer todo mundo rico. Rico no sentido da desfrutar de maneira completa e equânime de um espaço público luxuoso e de utopias digitais comuns. A melhor maneira de equacionar uma democracia de alta qualidade de vida com uma biosfera sustentável é investindo no espaço público e no consumo comunitário. Para salvar o meio ambiente precisamos salvar a própria humanidade, e salvá-la é criar uma distribuição equânime de bens públicos. Fazendo isso, vamos criar centenas de milhões de empregos. As verdadeiras qualidades urbanas das cidades - construídas com estrutura de transporte público eficaz e interação entre florestas e diversidades sociais e culturais - são a forma mais eficiente de uso da energia e do espaço. Como o grande urbanista utópico Patrick Gedders apontava já no século 19, o lixo produzido por uma cidade pode tanto se transformar em toxina mortal como parte do ciclo ecológico para sustentação de jardins e cinturões verdes. Para repensar esse esquecido, porém essencial, diálogo sobre uma visão socialista e moderna do urbanismo sustentável, discussão que floresceu entre 1880 e 1920 até ser brutalmente assassinada por Hitler e Stalin, eu preferiria pensar no Brasil. Nenhum outro país no mundo tem semelhante expertise para a vida urbana nem tanto potencial, apesar de toda a desigualdade, para abrir as portas do paraíso.
Seu livro Evil Paradises fala de 'utopias' bem diversas dessa que acaba de descrever.
Vivemos uma separação sem precedentes entre muito ricos e o restante da humanidade. Seja encastelados em arranha-céus militarizados, metidos em murados subúrbios de luxo ou em paraísos artificiais como Dubai, os 1% mais ricos desistiram de qualquer pretensão de existência compartilhada com o resto de nós. Mas no fim das contas a segurança desses "off worlds", como são chamados no filme Bladerunner, é puramente ilusória. Vírus e bactérias encubadas nas imundas e superlotadas metrópoles viajam de primeira classe nos aviões...
A globalização reduziu as possibilidades de ação de Parlamentos e chefes de Estado na administração da economia mundial?
A crise europeia transformou-se em uma autópsia pública da globalização em sua forma mais radical. Ela mostrou a dificuldade de se superar desequilíbrios estruturais entre grandes economias - mesmo com as mais ousadas tentativas de regulação supranacional da crise. Doutores do FMI, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu (BCE) alertaram que a prosperidade europeia só pode ser salva por uma integração fiscal e política drástica, pela criação de um genuíno "Estados Unidos da Europa". Mas a atual vantagem comparativa econômica alemã em produtividade e custos do trabalho inviabilizam isso. De um lado, os contribuintes alemães não aceitam sustentar o bem-estar social de gregos e espanhóis. De outro, seria uma humilhação e rendição das soberanias nacionais em troca de benefícios hipotéticos após longos ajustes de austeridade. Os chamados fundos de resgate oferecidos são basicamente um programa para evitar prejuízos aos bancos do norte. Na Grécia, por exemplo, os empréstimos do BCE foram basicamente usados para transferir o risco de bancos estrangeiros para a Grécia e contribuintes europeus. Na Irlanda e na Espanha, transformaram perdas bancárias em dívida pública. Uma vez que os grandes bancos têm sempre prioridade nos botes salva-vidas - enquanto mulheres e crianças ficam por último -, austeridade e dívida vão continuar em uma espiral fora de controle. Essa política está condenando os EUA e a Europa a uma estagnação que já faz lembrar a "década perdida" da América Latina nos anos 1980. Poderão a China e os outros Brics continuarem a crescer em meio a essa depressão? Pergunte aos bancos chineses...
Seus livros são conhecidos pela visão pessimista do futuro. O britânico James Lovelock recentemente reviu suas piores previsões sobre o aquecimento global. Quais são os riscos reais que a humanidade enfrenta?
Os seres humanos obviamente não podem destruir o ambiente per se, apenas os recursos naturais dos quais a civilização depende. A Terra sempre resistirá, embora por um longo tempo com um drasticamente simplificado bioma. A atual taxa de espécies em extinção equivale ao impacto de um asteroide. A ciência climática pode prover contornos brutos dos impactos do aquecimento na agricultura. Parece claro, por exemplo, que uma enorme faixa do norte dos subtrópicos, incluindo o México e o Caribe, a costa do Mediterrâneo, o Oriente Médio e, acima de todos, o Indus Valley (o maior sistema de irrigação do mundo, com 100 milhões de pessoas) enfrentem um futuro de épica seca. Mas não há tecnologia que possa estimar o impacto social das crescentes perdas na complexidade ecológica através da extinção e da invasão de espécies daninhas. Ninguém imagina o que estamos desencadeando no nível microscópico ao reduzir a diversidade ecológica ou ao criar superconcentrações de uma espécie (os seres humanos nas cidades, por exemplo) em fétidas condições. No livro Cidades Mortas, discuto a assustadora pesquisa conduzida após a 2ª Guerra por botânicos nas cidades bombardeadas da Europa. A expectativa científica era o rápido retorno aos ecossistemas complexos. Ao contrário, os pesquisadores ficaram perplexos ao descobrir que um punhado de espécies daninhas, algumas exóticas, estabeleceram uma imediata ditadura. Eles denominaram essa inesperada ecologia de plantas piratas uma "segunda natureza", um sinistro ecossistema florescendo em solo bombardeado e envenenado. Hoje, com o sangramento dos combustíveis fosseis, a simplificação das colheitas e o derramamento de tóxicos, estamos acelerando a criação de uma segunda natureza em escala global. Se ainda haverá espaço para nossa espécie nessa nova ecologia é, claro, a questão final.
Fonte:
Caderno Aliás - O Estado de S. Paulo
Como a TV instiga a desrespeitar direitos humanos
A população brasileira está mais tolerante com atitudes arbitrárias da polícia e com suspensão de direitos a acusados e condenados. É o que indica a “Pesquisa nacional, por amostragem domiciliar, sobre atitudes, normas culturais, e valores em relação a violação de direitos humanos e violência”, lançada na última quarta-feira (6), pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP. As causas destas mudanças de opinião não aparecem na pesquisa, mas especialistas apontam que a sensação de medo, em parte turbinada pelos meios de comunicação, podem ser o principal fator.
Foram feitas entrevistas, em 2010, com 4025 pessoas, a partir de 16 anos, em 11 capitais brasileiras. Boa parte das perguntas também foram feitas em 1999, o que permite a comparação e mostra menos brasileiros se importando com direitos de suspeitos, acusados e condenados. Uma das questões, por exemplo, perguntava se um policial pode “invadir uma casa”, “atirar em um suspeito”, “agredir um suspeito” e “atirar em um suspeito armado”. A maioria das pessoas continua discordando totalmente nas três primeiras sentenças, mas houve grande queda dos que discordam. Em 1999, 78,4% discordavam totalmente sobre invadir uma casa; em 2010, o número caiu para 63,8%. Na primeira pesquisa, 87,9% discordavam totalmente sobre atirar em um suspeito; o que caiu para 68,6%. Em 1999, 88,7% eram totalmente contra a polícia agredir um suspeito; número que caiu para 67,9%; e 45,4% eram contra atirar em um suspeito armado, o que caiu para 38%. Outra questão era se um policial poderia bater em um preso que tentara fugir. Em 1999, 61,5% discordavam totalmente, número que caiu para apenas 34,8%.
Mudanças também em dados relacionados à Justiça. Embora a grande maioria, quase 80%, se oponha à tortura, quando perguntados se a Justiça deve aceitar provas obtidas por tortura, apenas 52,5% discordaram totalmente e 18,1% discordaram em parte. Em 1999, 71,2% discordavam totalmente e 5,5% discordavam em parte. Pode-se dizer neste caso, e em outras questões, que não aumentou o número de pessoas que concordam com a suspensão de direitos, mas que elas já não têm a mesma firmeza na defesa deles. Na afirmação “nenhum crime justifica pena de morte”, por exemplo, caíram 5% os que concordavam totalmente; número exato do que aumentou os que “concordam em parte”. Ou seja: não aumentou o número de pessoas a favor da pena de morte, apenas as pessoas contrárias à pena capital já não têm a mesma certeza.
Sobre penas, a pesquisa também fez perguntas que não haviam sido feitas em 1999, o que não permite a comparação mas, ainda assim, reforça a tendência que mostramos acima. A pesquisa sugeriu penas para determinados tipos de crime como “sequestro”, “estupro”, “corrupção”, entre outros. Na grande maioria dos crimes, mais da metade dos brasileiros optou pelas três penas não previstas pela Constituição que constavam entre as opções: pena de morte, prisão perpétua e prisão com trabalhos forçados. Além disto, mais de 60% dos entrevistados acredita que o Judiciário “se preocupa demais com os direitos dos acusados”.
Preocupação com segurança é um dos fatores, diz senador
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Paulo Paim (PT-RS), os dados são motivados pela preocupação dos brasileiros com segurança. “Qualquer pesquisa que se realize hoje sobre as prioridades dos cidadãos, as pessoas vão dizer que se preocupam com três coisas: educação, saúde e segurança. Com este medo permanente as pessoas defendem medidas mais radicais e não percebem que violência gera cada vez mais violência. Não surpreende os dados da pesquisa e não tenho dúvida de que para crimes hediondos vai se apoiar cada vez mais a pena de morte. A tendência das pessoas é achar que isto vai resolver, mas não vai. Temos que investir em educação, informação, saúde e distribuição de renda”, conclui o senador.
“Basicamente, acho que é a cultura do medo que vai aumentando o aceitamento de repressão – e esvaziando o direito de defesa”, afirma Marcelo Semer, juiz de direito e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. O magistrado alerta para o fato de que, muitas vezes, o apoio à repressão policial é abstrato e a opinião muda quando se presencia uma cena de violência. “As pessoas podem achar, abstratamente, que aceitam mais a violência policial, mas se comovem quando a veem. Lembre-se que foi a exposição das cenas da violência policial na Favela Naval (em Diadema-SP), transmitida pela TV, que galvanizou apoio à criação do crime de tortura”, diz.
Meios de comunicação têm relação com resultado da pesquisa, acredita professor da USP
O sociólogo, jornalista e professor de Comunicação da USP, Laurindo Leal Filho, acredita que os programas policialescos da televisão têm influência sobre o resultado da pesquisa. “A gente não tem estes dados, mas dá para intuir que têm uma relação muito próxima. Estes programas sempre existiram na televisão brasileira, mas de dez anos para cá, aumentou o número significativamente. Só em Salvador, no horário de almoço, há programas assim em três emissoras diferentes”, exemplifica.
Laurindo analisa que a apresentação de crimes sem contextualização gera uma banalização da violência. “Isto cria um clima de banalização da violência. A violência passa a se tornar rotineira, porque é apresentada como rotineira, sem causa, sem consequências”, afirma. Além disto, o pesquisador destaca que há uma figura padrão do apresentador destes programas – que geralmente exalta a violência como forma de reprimir a violência.
Os próprios jornalistas nestes programas também costumam atropelar os direitos das pessoas, com auxílio, muitas vezes, das autoridades públicas. “O jornalista age como justiceiro. Age como polícia e Justiça. Acompanha a ação policial, interroga, julga”, diz o professor.
“A imprensa joga com isso com frequência e não são apenas os ‘programas policialescos’. O sensacionalismo do Jornal Nacional, por exemplo, com as matéria de crime é atroz. De uma maneira geral, a imprensa perdeu os pudores de estimular a sensação de medo. Quando o pânico é instaurado, qualquer solução para resolvê-lo parece razoável”, afirma Marcelo Semer.
O senador Paulo Paim, por sua vez, critica programas que usam a violência como forma de lucrar, mas ressalta que não se pode “ir na linha da censura”. Para ele, é preciso trabalhar no sentido de difundir opiniões contrárias, que propaguem a não-violência. “Temos que mudar a cultura das pessoas. Mostrar que a violência permanente nos meios de comunicação não soma nada. Temos que trabalhar a cultura da paz, da não-violência, da solidariedade”.
“Há um nítido esvaziamento da ideia de defesa”, afirma juiz
Para Marcelo Semer, não há apenas a difusão da ideia de que o crime precisa ser combatido de forma violenta, mas também uma minimização do direito de defesa. “Há um nítido esvaziamento da ideia de defesa, que passa por um certo moralismo do senso comum, também estimulado pelos meios de comunicação”, diz.
Os exemplos que Semer dá estão na ordem do dia, como o desrespeito do direito ao silêncio que tem se observado na CPI do Cachoeira. “O direito ao silêncio é tratado como se fosse uma malcriação; o sigilo da intimidade como a proteção do ilícito (‘quem não deve não teme’), a escolha de um advogado como um ilícito. Há nitidamente a criação, por parte da imprensa, e também dos políticos que passam a definir suas políticas por ‘pesquisas de opinião’, de um novo macarthismo: a todo momento queremos expor nomes e listas de quem não cumpre suas funções ou tem processos, ou foi ‘citado’ em inquéritos e aí por diante. Somos levados a acreditar que isso vai nos salvar de algo, mas apenas nos enreda ainda mais na cultura da perseguição, delação e preconceito”, opina.
Semer ressalta que o comportamento dos juízes, em geral, não embarca nesta onda. “Felizmente, o papel do juiz, neste campo, é contramajoritário. Não se julga direito penal por pesquisa de opinião. E a democracia não é apenas o governo da maioria, mas, sobretudo, o respeito aos direitos individuais, mesmo contra a vontade da maioria. Espanta-me quando a sociedade passa a aceitar tais restrições à defesa; mas apavora mesmo quando os operadores do direito começam a se convencer disso”, diz.
Fonte:
Por Felipe Prestes, no Sul21
13 de jun. de 2012
"O inferno são os outros"
A peça Entre Quatro Paredes de Jean Paul Sartre que põe em cena personagens que vivem os dramas existenciais abordados por Sartre nas suas obras teóricas.
Veja esse trecho:
[Garcín – (Deixa Estelle e faz alguns passos em cena. Aproxima-se do bronze). O bronze... (Apalpa-o).
Pois bem, é agora! O bronze aí está, eu o contemplo e compreendo que estou no inferno.
Digo a vocês que tudo estava previsto. Eles previram que eu haveria de parar em frente deste bronze, tocando-o com minhas mãos, com todos esses olhares sobre mim. Todos esses olhares que me comem! (Volta-se bruscamente). Ah, vocês são só duas? Pensei que fossem muitas, muitas mais! (Ri). Então, é isso que é o inferno! Nunca imaginei... Não se lembram? O enxofre, a fogueira, a grelha... Que brincadeira! Nada de grelha. O inferno...
O inferno são os outros!]
Pois bem, três personagens: Garcín, Estelle e Inês estão mortos e foram condenados a permanecer juntos num quarto na qual a luz nunca se apaga, pois não existe nem dia nem noite. É um inferno sem fornalhas, grilhões, espetos, torturas, espancamentos, fogo, barulho e tampouco demônios. O único propósito é que cada um se tornará o carrasco e o inferno do outro.
Publicada em 1.945 e mesmo assim sua temática continua atual.
Suas obras foram fortemente influenciadas pela Segunda Guerra Mundial e pela ocupação nazista da França. A noção de engajamento significa a necessidade de um determinado pensador estar voltado para a análise da situação concreta em que vive, tornando-se solidário nos acontecimentos sociais e políticos de seu tempo. Pelo engajamento, a liberdade deixa de ser apenas imaginária e passa a estar situada e comprometida na ação.
Há vários temas envolvidos nessa peça de forma irônica: a moral, a vaidade, a busca por prazer, a ética, a fidelidade, a sexualidade. Cada um procura desculpas e motivos para seus pecados. E assim, conviverão por toda a “eternidade” tolerando um ao outro: Garcín não suporta a futilidade de Estelle, que não suporta a sinceridade de Inês, que não suporta a covardia de Garcín.
Outro trecho que particularmente me chama atenção pelo fato de Sartre mencionar o amor:
[G – Então você quer mesmo um homem?
E – Um homem, não. Você.
G – Nada disso. Qualquer um serviria. Vim parar aqui, tem de ser comigo. Bom. (Toma-a pelos ombros). Bem sabe que não tenho nada do que você gosta: não sou um bobinho e não danço tango.
E – Aceito-o como você é. Talvez eu o transforme...
G – Duvido. Eu serei... distraído. Tenho outras coisas em que pensar.
E – Que coisas?
G – Para você não teriam interesse.
E – Vou me sentar no sofá... no seu sofá e esperar que se ocupe de mim.
I – (Numa gargalhada): Ah, cadela! Ele nem mesmo é bonito!
E – (A Garcin): Não ouça o que ela diz: ela não tem olhos, não tem ouvidos... ela não
existe.
G – Eu darei a você o que puder. Não é muito. Amor, não. Eu conheço você demais.
E – Você me deseja?
G – Sim!
E – É quanto me basta.
G – Pois, então... (Inclina-se sobre ela).
I – Estelle, Garcin! Vocês perderam o juízo! Eu estou aqui!
G – Estou vendo. E daí?
I – Vocês não podem... diante de mim... vocês não... não podem!
E – Por que não? Sempre me despi diante de minha criada-de-quarto.
I –(Agarrando-se a Garcin): Deixe-a, deixe-a! Não a toque com essas mãos sujas de homem!
G – (Empurrando-a violentamente): Basta. Não sou nenhum cavalheiro e não me importo de bater numa mulher!
I – Você me prometeu, Garcin, me prometeu! Por favor, você me prometeu!
G – Foi você que faltou com a palavra. (Ela se afasta até o fundo do aposento);
I – Façam o que quiserem. Vocês são os mais fortes. Mas se lembrem: estou aqui,
olhando. Não tirarei os olhos de você, Garcin. Terá de beijá-la sob o meu olhar. Que ódio tenho de vocês dois! Amem-se! Amem-se! Estamos no inferno e minha vez chegará!
(Durante a cena seguinte ela olhará sem nada dizer).]
Você encontrará essa obra na íntegra no site:http://www.ateus.net/ebooks/
Luciana.
Fábulas
Forma literária específica, a fábula constitui-se como narrativa curta, onde as personagens, via de regra, são animais, cujas ações, alegóricas, encerram um princípio moral, ético ou político.
Segundo La Fontaine , compõe-se de corpo e alma, ou seja, da narrativa e da verdade geral que a encerra. Sua estrutura peculiar justifica a dificuldade de propor, hoje, a leitura desse tipo de narrativa para a criança e para o adolescente. Como no drama, observamos o predomínio da unidade de tempo, lugar e ação, uma vez que o gênero pede apenas um conflito, resultando uma narrativa concisa e sóbria. Além disso, possui um esquema geral que se resume em ação/reação ou discurso/contra-discurso, ou ainda um mais amplo como situação-ação/reação-resultado.
No que se refere à linguagem, a fábula deve primar pela objetividade, o que explica a ausência da descrição, com o predomínio do diálogo, seja direto, indireto ou misto, podendo, inclusive, ocorrer o monólogo. A importância do narrador deve ser ressaltada, uma vez que tanto a situação quanto o resultado são apresentados por ele, ficando a ação e a reação por conta das personagens, por meio do diálogo. As personagens, em número reduzido, caracterizam-se sempre como estáticas ou planas, pois não crescem aos olhos do leitor, não passam por um aprendizado. São preferencialmente animais porque, entre outras razões, as ações estabelecidas entre o comportamento humano e o animal são mais facilmente reconhecidas como, por exemplo, a astúcia da raposa e a ingenuidade do cordeiro.
A fábula de La Fontaine , composição em versos, traduzidos por Bocage, revela, através do esquema Situação/Ação/Reação/Reação/Resultado, a postura valorizadora do trabalho e da produção capitalista e mercantilista do momento, uma vez que o trabalho dos operários era de suma importância para o crescimento das manufaturas no mundo de então.
O narrador, com uma visão depreciativa da cigarra – penúria extrema, a tagarela, narra a fala do inseto – Rogou-lhe que lhe emprestasse/Pois tinha riqueza e brio/ Algum grão com que manter-se/Té voltar o aceso estio - mas concede voz à formiga que, em discurso direto, difunde os valores mais importantes do relato, ou seja, a moral da fábula: – OH! bravo! – torna a formiga – Cantavas? Pois dança agora! Exalta como valor a avareza da formiga que nunca empresta, / Nunca dá, por isso junta.
O tempo possui papel de destaque na exígua narrativa, pois tem a função de exasperar a aspereza da situação e enfatizar a negligência da formiga. Polarizado entre dois momentos opostos da natureza, Verão-Fartura/Inverno- Penúria, corrobora o maniqueísmo da visão utilitarista da sociedade que castiga todo aquele que se afasta dos padrões estabelecidos, premiando os que seguem os moldes propostos.
Na fábula A Formiga e o Escaravelho de Esopo, o Escaravelho caçoa da Formiga atarefada, enquanto todos se divertem no verão. O comportamento da formiga fica mais perdoável. A fábula mostra que não se deve negligenciar em nenhum trabalho, para evitar tristeza e perigos.
Na adaptação de Monteiro Lobato, além do título que já revela um desmonte do maniqueísmo com que era vista a espécie em La Fontaine , a fábula é dividida em duas partes: a primeira relata a participação da formiga boa e, a segunda, a da formiga má. Todavia, em ambas, ressalta-se a figura do narrador do texto. A voz narradora nas fábulas de Lobato é a de Dona Benta que, como avó das crianças, privilegia o contar fantasioso e lúdico em detrimento da preocupação moralizadora como, aliás, almejava Lobato. Ao iniciar o relato, focaliza também a cigarra, à semelhança do que ocorre em La Fontaine , mas o faz com um olhar carinhoso e valorizador das peculiaridades do comportamento do inseto:
Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé do formigueiro. Só parava quando cansadinha...
E assim, até o final da narrativa, a cigarra merece o olhar amigo do narrador que, aos poucos vai tentando conquistar, como podemos ver pelas marcas formais do discurso, a atenção e a simpatia do leitor: pobre cigarra, em seu galhinho, manquitolando, com uma asa a arrastar, triste mendiga, a tossir.
Além disso, nessa narrativa, a cigarra não é inativa e dependente, ela pensa e pode ser responsabilizada por sua própria recuperação, pois ela mesma procura e encontra uma saída para a situação difícil: deliberou socorrer-se de alguém.
Contudo, não é somente a cigarra que é construída de modo diferente; a formiga também quebra a expectativa, causando o estranhamento no leitor, já que, ao recordar-se de que a outra cantava enquanto ela trabalhava, reconhece o valor de seu canto e procura recompensá-la pelas alegrias que aquela música, cantada pela cigarra nos momentos mais duros de seu trabalho, lhe proporcionava. Ao final da fábula, há o reconhecimento, inclusive, da atividade da cigarra como profissão: voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
Já no segundo relato, há como que um acirramento das agruras da cigarra, o que pode ser observado principalmente pelo ambiente que, ao contrário da narrativa anterior, é claramente marcado pela distância e dificuldade: os fatos ocorrem na Europa, em pleno inverno. A focalização inicial do narrador incide sobre a formiga má, carregando nos aspectos negativos de sua construção: Não soube compreender a cigarra, com dureza a repeliu de sua porta.
Finalmente, as duas narrativas se fecham com uma máxima, que não se apresenta como uma sentença moral, mas como uma metáfora valorizadora da arte: Os artistas – poetas, pintores, músicos – são as cigarras da humanidade.
Assim, embora o resultado desta narrativa de Lobato seja semelhante ao da fábula de La Fontaine , uma vez que a pobre cigarra tem o mesmo fim trágico, há entre essas narrativas uma profunda diferença no modo de narrar. Isto porque a focalização do narrador, francamente crítica em relação às atitudes da formiga, acaba formando a opinião do leitor, levando-o a refletir sobre as relações humanas representadas na narrativa.
José Paulo Paes faz uma releitura da fábula de La Fontaine com parâmetro no século XX que nos remete ao ditado: "quem canta os males espanta".
Luciana.
(...) A vida Senhor Visconde, é um pisca - pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. É portanto um pisca-pisca.
O Visconde ficou novamente pensativo, de olhos para o teto.
Emília riu-se.
Está vendo como é filosófica a minha ideia? (...) A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim, pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre? - perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?
Excerto de Memórias da Emília, de Monteiro Lobato
Fonte:
Memórias da Emília, de Monteiro Lobato
Consciência individual X tirania estatal
“Deixa-me sofrer o tremendo castigo de minha temeridade! Por muito que eu sofra, nunca serei privada de uma bela morte."Sófocles - Antígona, I, 20
Antígona, tragédia grega escrita por Sófocles, encenada em 441 a .C., onze anos antes de Édipo Rei é uma sequência do mito da família Labdácias. Antígona arrisca a vida em nome de um princípio e arranca até hoje mesmo escrita a 2500 anos atrás indagações e admiração do público ocidental.
Tal maldição incidiu sobre toda a família de Lábdaco, rei de Tebas, por haver seu filho Laio raptado a Crisipo, filho do rei Pélops. Hera, a protetora dos amores normais, pelos lábios de Pélops, amaldiçoou a Laio e a todos os seus descendentes. Quando Laio, que sucedera a seu pai Lábdaco no trono de Tebas, se casou com Jocasta, dirigiu-se ao Oráculo de Delfos e perguntou se sua união com a jovem tebana seria fecunda: “se de Laio e Jocasta nascer um filho, ele matará o próprio pai e casar-se-á com a própria mãe”, respondeu a Pitonisa. Tudo se realizou consoante a predição de Apolo, nós o sabemos, através do mito e da tragédia preferida de Aristóteles, Édipo Rei. Pois bem, quatro são os filhos de Édipo e Jocasta: Etéocles, Polinice, Antígona e Ismene que ficaram sob a tutela de Creonte, irmão de Jocasta. Ao completarem a maioridade, Etéocles e Polinice, segundo acordo prévio, combinam reinar alternadamente por um ano.
Etéocles, todavia, se recusou a entregar o trono a seu irmão Polinice, que, por isso mesmo, uniu-se a seu sogro Adrasto e marchou contra Tebas na famosa expedição do Sete contra Tebas, que mereceu, com este mesmo título, uma famosa tragédia de Ésquilo.
Os irmãos, a maldição familiar pesava sobre eles, morreram um às mãos do outro. Creonte, como parente mais próximo, assumiu o poder. Decretou funerais suntuosíssimos para Etéocles e proibiu, sob pena de morte, que se desse sepultura a Polinice, por considerá-lo traidor da pátria, embora o mesmo postulasse apenas um direito que o irmão Etéocles teimara em negar-lhe.
A tragédia ANTÍGONA se inicia aqui!
Antígona livremente tomou uma decisão: apesar do edito proibitório de Creonte, resolve, embora sabendo que vai morrer dar sepultura a seu irmão Polinice.
Surpreendida pelos Guardas, que vigiavam o cadáver insepulto de Polinice, Antígona é presa e levada à presença de Creonte. Esse encontro é o choque da polis, da ditadura estatal X religião, postulado da consciência individual – um verdadeiro duelo verbal.
O professor Junito de Souza Brandão escreve: “Para nós também Antígona é a oposição de duas normas jurídicas: athemistía, a ilegalidade de uma decisão, cifrada em Creonte, que representa uma polis especial, apolis sofística, em contraposição a thémis ou nómos, inserida na decisão de Antígona, que representa a religião, a consciência individual.”
Antígona, então, foi condenada a ser sepultada viva. O direito ao sepultamento era tão sagrado, que nem mesmo os deuses podiam impedi-lo. Houve a intervenção de Hêmon, filho único de Creonte e noivo de Antígona, em nome da justiça e do amor, porém foi contraproducente. Porque referente à justiça, Creonte se julga seu único representante. E quanto ao amor, para Creonte o único amor é o físico, o resto é insensatez. Hêmon”teria outros ventres que trabalhariam para ele”.
Antígona se enforca na gruta em que fora jogada e Hêmos se uni a ela à morte, pois deveria ter se unido em vida.
Creonte com o cadáver do filho aos braços começa a purgar suahamartía (Nas tragédias gregas uma forma comum de hamartía era também o pecado contra a hybris - aquele orgulho ou excesso de autoconfiança que conduz o protagonista a desobedecer aos avisos divinos ou a violar qualquer importante lei moral. A hybris conduz à queda e à inevitável punição)
O Mensageiro traz para Creonte a notícia que Eurídice, sua esposa, quando soube da morte de seu único filho, matou-se no palácio.
Uma das características fundamentais da obra de Sófocles é fazer que suas personagens, no fecho da tragédia se apaguem numa sombra física e psíquica.
Vitória, portanto, da consciência individual sobre a tirania estatal.
“Portanto, o extraordinário drama abarca também uma desavença intradinástica, onde a velha estirpe, representada pelo sangue contaminado de Antígona, luta para salvar sua honra de uma família decadente, enquanto uma nova estirpe, que se imagina ainda não poluída, tenta afirmar-se como sucessora legítima da Casa dos Labdácidas. Ambos seriam pois, faces diferentes de uma exigência genética. Uma inteiramente infectada, outra tentando fugir ao contágio.” – na erudita interpretação que Kathrin Rosenfield (Antígona - de Sófocles a Hölderlin, P.Alegre, 2000).
12 de jun. de 2012
Secretário-geral da ONU cobra “coragem política” na Conferência
Uma carta de intenções representando os objetivos do mundo a respeito do desenvolvimento sustentável, semelhante às Metas do Milênio, pode ser o máximo que a comunidade internacional vai conseguir produzir na Rio+20. A possibilidade de este ser o desfecho da Conferência, que começa no dia 13 no Rio de Janeiro, ficou clara em entrevista coletiva concedida nessa quarta-feira 6, em Nova York, pelo secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon.
Na conversa com os jornalistas, transmitida pela internet, Ban se disse “cautelosamente otimista”, mas deixou transparecer sua preocupação com a incapacidade dos países de chegar a um acordo sobre as diretrizes do desenvolvimento sustentável. Assim, fez um chamado aos negociadores que estarão no Brasil. “Acredito que os países estão seriamente engajados nas negociações, mas é preciso ter claro que, se perderem esta oportunidade, vão ter de esperar muito tempo para conseguir outra”, disse Ban.
A chance de a oportunidade ser perdida não é pequena. Normalmente, em conferências como a Rio+20, os chefes de Estado comparecem apenas para assinar e referendar documentos produzidos previamente por suas missões diplomáticas. Na Rio+20, este não deve ser o caso, pois há muito a ser discutido. Só há acordo sobre 20% do texto principal de conclusão da Conferência, e o restante precisará ser definido pelos negociadores até 15 de junho. O que não for resolvido pode ser discutido pelos chefes de Estado, mas este caminho também não é auspicioso. Líderes importantes como Barack Obama (Estados Unidos), Angela Merkel (Alemanha) e David Cameron (Reino Unido) não estarão no Rio de Janeiro. Assim, disse Ban, é importante que os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SDG, na sigla em inglês) sejam definidos, com termos “claros” e “mensuráveis”.
Os SDGs, se firmados entre os participantes da Rio+20, devem ser criados nos moldes dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (também conhecidos como Metas do Milênio). Estas metas funcionam bem, pois estabelecem problemas genéricos, como “erradicar a pobreza”, e passos concretos para lidar com eles, como “reduzir a um quarto, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a US$ 1 por dia”. Assim, muitos governantes conseguiram melhorar as condições de vida de sua população com base nas Metas do Milênio. O raciocínio é que, com o desenvolvimento sustentável, poderia ocorrer a mesma coisa.
Em recente artigo, a diretora de Assuntos Sociais e Ambientais do Ministério das Relações Exteriores da Colômbia, Paula Caballero Gómez, defendeu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Segundo ela, se desenvolvidos adequadamente, os SDGs “sem dúvida terão um papel fundamental de guias para a sustentabilidade”, pois envolvem “métricas” e permitem que cada ação seja mensurada. De acordo com ela, os objetivos devem tratar de temas como segurança alimentar, gestão de recursos hídricos, desenvolvimento de energias sustentáveis e a busca por eficiência no uso de recursos naturais, entre outros.
Se os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável forem oficializados na Rio+20, o mundo estaria diante de uma nova abordagem a respeito do tema. Esses objetivos poderiam substituir outras formas de negociação fracassadas, como a estipulação de metas por grupos de países, como as existentes no Protocolo de Kyoto, descumpridas sistematicamente. Na coletiva desta quarta, Ban Ki-moon afirmou que ainda não há definições a respeito do prazo que os países teriam para cumprir as metas. Poderiam ser “cinco, dez ou mais anos”, de acordo ele. Segundo o secretário, é importante que os negociadores se empenhem. “Temos que ser práticos. Este mundo tem limites em termos de recursos e temos de usá-los da melhor forma. É preciso sabedoria política e coragem política para colocar as metas do desenvolvimento sustentável em andamento”, disse.
Fonte:
Por
José Antonio Lima, Carta Capital
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