28 de set. de 2011

Desemprego na Europa


 Europa, ao voltar ao trabalho no começo de setembro, após as férias de verão, é forçada a encarar novamente o fato de ser, hoje, um continente onde não há trabalho para milhões de jovens. São seus maiores índices de desemprego após a famosa crise de 1929. Países outrora “modelo”, como França, Inglaterra e Suécia, têm, hoje, uma média de mais de 20% de jovens entre 16 e 24 anos desempregados. Jovens que são forçados a viver nas costas dos pais ou avós ou tentar viver de qualquer expediente. A média de jovens sem trabalho, em toda a Europa é de 20,5%. Na Alemanha, maior potência do continente, há “somente” 9% de jovens nesta situação, mas, mais de dois milhões trabalham em empregos precários, sem os tradicionais direitos conquistados em 200 anos de lutas operárias daquele país. Os salários são cada dia menores. Se na Alemanha as coisas não são tão trágicas, na Espanha não é assim. Lá, 45% dos jovens estão zanzando caçando qualquer quebra-galho.
Estes dados nos esclarecem muita coisa sobre as manifestações, revoltas, incêndios e barricadas que, desde 2005, se espalham da França à Inglaterra, da Grécia à Espanha e se intensificaram nestes últimos meses. Basta lembrar de Londres, no começo de agosto. Claro, a mídia patronal destes países e seus mentores norte-americanos se apressam a pichar qualquer manifestação como obra de vândalos, sem sentido e sem objetivos. No Brasil, a mídia dos patrões, à la Veja, Globo, Folha e Estadão repete, como sempre, o que os mestres da mídia neoliberal mundial mandam dizer. Mas é preciso refletir sobre as raízes destas revoltas. Elas estão exatamente nestes índices de desemprego. Desemprego acompanhado da retirada de tradicionais direitos conquistados a duras penas.
O desemprego, para a doutrina neoliberal, não é necessariamente um problema a ser resolvido. Um certo desemprego é até necessário, funcional. Milton Friedman e outros economistas neoliberais chegam a chamar esse desemprego de “taxa natural” e pode variar de país para país. Em uns, 4% da força de trabalho; em outros, 11% ou 12%. É uma folga necessária. E os que sobram? E os jovens? Para o sistema este problema se resolve com forças repressivas antimotins, prisões e processos. Até quando? A resposta está nas mãos dos povos, em contraposição à lógica dos governos com seus bancos centrais e seus projetos de uma Europa e um mundo a serviço do capital e não dos povos.
* Publicado originalmente no site Brasil de Fato.

Prostituta, brasileira e sucesso na tevê


“É demolidor sair nas ruas todos os dias e imediatamente se assumir que a pessoa tem um preço. Isto é uma barreira para a liberdade.” É assim que a presidente da União de Mulheres Alternativas e Resposta de Portugal, Maria José Magalhães, define o preconceito contra as mulheres brasileiras na sociedade portuguesa, em conversa com o site de CartaCapital, por telefone.
Para enfrentar esse problema no país lusitano, diversas ONGs portuguesas, entre elas a Umar, aderiram ao “Manifesto Contra o Preconceito às Brasileiras” (veja aqui), motivado pela criação do programa de animação Café Central, da rede de televisão estatal portuguesa RTP, no qual há apenas uma mulher.
No programa, a personagem brasileira Gina é retratada como “prostituta e maníaca sexual, alvo dos personagens masculinos do programa”, relata o manifesto. “Trata-se de um desrespeito a todas as mulheres, pois ironiza sua possibilidade de exercer uma sexualidade livre.”
“Nossas companheiras de todas as nacionalidades ficaram horrorizadas ao ver como a imagem da brasileira estava sendo retratada”, aponta Magalhães. “Estamos avaliando a possibilidade de fazer uma denúncia às autoridades da Comunicação Social de Portugal.”
A associação da imagem das brasileiras à sexualização na Europa não é novidade e está relacionada a diversos fatores, entre eles o elevado número de prostitutas brasileiras vivendo e trabalhando no continente. Segundo dados de 2008 da Organização Internacional de Migrações (OIM), braço da ONU, são mais de 75 mil.
“É fato que a mulher brasileira desperta muito interesse sexual e isto poderá lhe causar alguns constrangimentos e situações de assédio”, afirma a doutora em Ciências Sociais e pesquisadora do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, do Instituto Universitário de Lisboa, a brasileira Vanda Aparecida da Silva.
Há cinco anos em Portugal e atualmente realizando uma pesquisa sobre as experiências e representações de sexualidade entre jovens e adultos locais no meio rural, Silva conta que essa “objetificação” é também alimentada pela curiosidade do homem português em conhecer o desempenho sexual da mulher brasileira, tido como exponencial.
Por isso, muitas delas adotam comportamentos mais reservados para não serem associadas à prostituição. “Conheço brasileiras que resolveram mudar sua vestimenta, preferindo usar roupas mais discretas, mas reconhecendo que isto as incomoda.”
O manifesto, que conta ainda com o apoio da Marcha Mundial das Mulheres Portugal, também aponta o dedo para a ação da mídia na criação e manutenção deste estigma.
Um dos casos abordados é a capa da edição 565 da revista semanal Focus, que traz uma mulher de costas exibindo o corpo de biquíni. A manchete “Os segredos da mulher brasileira” vem acompanhada de frases depreciativas: “Eles adoram-na, elas odeiam-na”, “2.216 casamentos com portugueses só em 2009” e “Os dez mandamentos que usam para seduzir os homens”.
Uma abordagem que fecha portas no mercado de trabalho formal, devido à discriminação. “As brasileiras estão aqui em diversas profissões e não podemos identificá-las como objeto sexual e retirar-lhes os direitos”, destaca Magalhães.
O manifesto exige que as autoridades de Portugal enfrentem a situação de maneira concreta e cumpram a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, assinada por ambas as nações. Aproveitando também para tentar conscientizar os cidadãos e cidadãs portugueses sobre os direitos das mulheres.
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Capa da revista semanal Focus estampa a "objetificação" da mulher brasileira na sociedade portuguesa. Foto: Reprodução


Preconceito
Um levantamento preliminar realizado pela Umar indica os centros urbanos e as grandes cidades como locais mais “abertos” que o interior ou o Norte do país. Uma região tão conservadora que, na cidade de Bragança, a elevação do número de divórcios foi atribuída a prostitutas brasileiras, revela a cientista social brasileira.
Silva destaca que os homens portugueses se encantam com o comportamento das brasileiras, mas não estão dispostos a deixar de lado outros referenciais de conduta feminina. “O imaginário da mulher recatada, ideal para o casamento ainda está guardado no porão da consciência deles.”
No entanto, Portugal tem amadurecido suas posições sobre sexualidade e revisto alguns preconceitos, destaca a pesquisadora. Segundo ela, a aprovação de leis que permitem o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo mostra uma consolidação sobre temas morais complexos.
Contudo, por ainda se tratar de um movimento lento, adianta Silva, as mulheres brasileiras em Portugal estão também revendo suas posições sobre os homens locais. “Há uma desmistificação do português enquanto figura romântica do estrangeiro para um bom casamento. Vejo a mulher brasileira reivindicando viver sua sexualidade sem querer corresponder a estereótipos.”
Uma liberdade de atitude defendida por Magalhães, mas sem estigmas. “Aspectos bonitos do Brasil, como a abertura, a música e as danças, não podem ser usados contra as mulheres brasileiras. Elas precisam ser valorizadas por isso e não prejudicadas”, conclui.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.

O carro triunfou!


O carro triunfou. Eles entopem os estacionamentos das universidades privadas e públicas, dos aeroportos, dosshoppings, dos supermercados. Estacionar já se tornou um drama. Ter uma vaga cativa – e gratuita – é um privilégio que se assemelha ao da casa própria.
Nos grandes centros já é mais caro estacionar do que almoçar. A verdade é que ninguém quer andar de ônibus e menos ainda de bicicleta, com as ruas atulhadas de carros se tornou um perigo pedalar, fora a quantidade enorme de gás carbônico que se ingere.
A sugestão da “carona solidária” não pegou. Ninguém quer andar de carona com o outro, todos querem dirigir sua própria máquina. Ninguém quer esperar ninguém. Aliás, o ato de “esperar” se tornou um problema. Em tempos de sociedade da “banda larga”, esperar é o mesmo que sofrer.
O estresse no trânsito é alto, os engarrafamentos enormes, a irritação é grande, mas ninguém quer abrir mão do carro. E ainda mais: quanto mais potente, belo e equipado o carro, melhor. A última novidade é o GPS a bordo. Todos querem.
Já não basta o carro como utilidade de ir e vir, ele tem também que passar a imagem de belo e potente. Pense num mesmo itinerário feito por dois modelos diferentes de carros, um popular e um da categoria Sport Utility Vehicle, os SUV, que são potentes e com design arrojado. Qual é a diferença? A princípio nenhuma, os dois levam ao local desejado e, com os congestionamentos, no mesmo tempo. Porém, o capitalismo vende a ideia de que dirigir um SUV é mais agradável, a paisagem se torna mais bonita, o ar mais puro. Logo dirigir um carro potente oferece a sensação de prazer e poder que um popular não oferece.
Dirigir se tornou um ato de poder e prazer. Quem não tem carro deseja um, mesmo que seja popular, e quem tem um popular deseja um SUV. Ninguém quer regredir no consumo.
Nas eleições municipais do ano que vem, a problemática do trânsito insuportável nas grandes capitais voltará à baila e nenhum candidato terá a coragem de afirmar que a única forma de enfrentar o problema em áreas de congestionamentos é o pedágio urbano. A proposta é antipática. Viadutos, pontes, avenidas e eternas melhorias no transporte coletivo serão prometidas. O Brasil perde uma oportunidade com a proximidade da Copa do Mundo. O tema está desconectado da construção de estádios.
O fato é que apesar da campanha do “dia mundial sem carro”, o mesmo está mais do que nunca na moda. A civilização do automóvel já está entre nós brasileiros. As concessionárias e revendedoras comemoram vendas fantásticas e quebram recordes sucessivos. O governo dá o seu empurrão com as reduções de IPI que vão e voltam.
As montadoras afirmam que o “brasileiro ama carro”.  E vai ver que ama mesmo, que o diga a “liturgia” de lavar o carro no final de semana, uma manifestação de amor ao veículo que ganha laços afetivos de membro da família.
* Cesar Sanson é pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores e doutor em sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.

A 30 dias do Enem 2011, 30 dicas de matéria para a prova

http://educacao.uol.com.br/album/enem-2011-30-assuntos-para-estudar_album.jhtm

Fonte:
UOL

Se beber, fuja destas mães


Numa cena do filme The Player (1992), de Robert Altman, o personagem do produtor de cinema crasso e cafeinado, vivido por Peter Gallagher, está a caminho de uma reunião dos Alcoólicos Anônimos no seu conversível, enquanto conversa com um colega no estúdio pelo celular. "Eu não sabia que você tinha esse problema", comenta o colega. O produtor responde, rindo, que não é alcoólatra, mas é na reunião do AA que ele encontra gente importante para fazer negócio. Esse diálogo jamais teria sido escrito 20 anos antes.
Como também parecem relíquias de outra era as cenas da premiada série Mad Men, passada nos anos 60, com personagens que entornam scotch no escritório ao meio-dia enquanto discutem acordos que podem quebrar sua agência de publicidade. A aceitação cultural do alcoolismo como patologia, ou melhor, a redefinição da fronteira entre o hábito social de beber e o uso do álcool como droga, foi um processo que se acentuou na segunda metade do período pós-guerra nos Estados Unidos. Não deve ser coincidência o fato de a mais recente pesquisa epidemiológica sobre alcoolismo no país apontar a 2ª Guerra como um marco do aumento do consumo de álcool entre os americanos.
A pesquisadora Katherine Keyes comenta alguns dos resultados do estudo que acaba de divulgar com dois outros colegas da Escola de Saúde Pública e do Departamento de Psiquiatria da Universidade Colúmbia, em Nova York, neste setembro, que é o Mês da Recuperação do Alcoolismo, nos Estados Unidos. A conclusão que mais chamou a atenção da mídia foi o aumento do alcoolismo entre as mulheres. Keyes diz que, no momento, só pode explicar isso por especulação: elas estão mais integradas no mercado de trabalho e há menos condenação social para a mulher que bebe. Os números da pesquisa mostram que aquelas com maior status profissional têm maior risco de se tornarem alcoólatras.
Keyes explica que sua metodologia examinou grupos que tinham em comum a data de nascimento. O grupo de maior risco é o de jovens que hoje têm de 18 a 28 anos, com grande incidência de binge drinking, ou porre. As pessoas dessa faixa de idade em décadas anteriores bebiam menos. Katherine Keyes admite que as estatísticas de alcoolismo enfrentam o desafio da divulgação voluntária. Mesmo com a promessa de anonimato, as pessoas tendem a admitir um consumo menor do que o real. A prova disso é que as pesquisas feitas por telefone revelam um consumo sempre mais alto do que as feitas na presença do pesquisador.
A criminalização da bebida ao volante se acentuou na década de 80, nos Estados Unidos. Neste ano, o governo federal impôs o mesmo limite legal de consumo, 0,8g de álcool por litro de sangue, em todo o país. Mas as leis e a tolerância variam. Em mais da metade dos 50 Estados americanos, o teste do bafômetro é obrigatório.
No começo de 2010, Ray LaHood, secretário de Transportes do governo Obama, lançou a campanha Foco na Direção, para combater a distração provocada pelo uso de celulares ao volante. Ele disse que a campanha era baseada na Mothers Against Drunk Driving (Mães Contra Dirigir Bêbado), MADD, fundação criada por duas mães cujas filhas foram vítimas de motoristas bêbados e, mais do que qualquer outro grupo, contribuiu para a criminalização e o combate ao consumo de álcool por motoristas. A MADD está completando 31 anos, com 300 filiais nos Estados Unidos. A organização faz pressão em Washington e nas assembleias legislativas estaduais para a passagem de leis, presta assistência a vítimas e elabora campanhas educacionais - além de botar a boca no mundo quando descobre que um motorista bebum, responsável por um acidente, escapou do juiz com punição leve.
Na sexta-feira, pela manhã, a nova presidente da MADD, Jan Withers, falou ao Aliás sobre esse cenário antes de cumprir uma agenda apertada que incluiria encontros no Capitólio. Withers assumiu o cargo em julho, depois de 19 anos como voluntária da organização que ela mesma procurou desesperadamente após uma tragédia pessoal: a morte da filha adolescente, provocada por um motorista bêbado. Whiters acaba de visitar um laboratório da Escola de Medicina de Harvard, onde viu demonstrações de tecnologias para frear o motorista antes que ele ligue o carro. Uma delas, chamada espectroscopia distante, usa sensores infravermelhos que analisam a expiração. Se o bafo passar do limite legal, a ignição trava.
Por que sua fundação trocou o nome de Mães contra Motoristas Bêbados para Mães contra Dirigir Bêbado?
Porque nosso objetivo é alertar para a ação de dirigir alcoolizado. A maioria das pessoas diz: eu não faria isso nunca, os outros é que dirigem bêbados. Mas não é preciso abusar de álcool com frequência. Qualquer um que beber e pegar no volante pode provocar um acidente. Vou lhe dar uma estatística conservadora: nos Estados Unidos, o motorista dirige uma média de 87 vezes alcoolizado até ser flagrado.
Depois de 31 anos e do trabalho pioneiro do MADD que levou à aprovação de leis em todos os EUA, o papel de uma fundação privada e de cidadãos ainda é relevante?
É 100% relevante. Ontem eu conversava com uma deputada do Comitê de Apropriações da Câmara, onde estão sendo redigidas propostas para incluir uma nova tecnologia automotiva que impede o carro de ser ligado se o motorista estiver alcoolizado. Ela me disse: o fato de você estar aqui e chegar com sua história pessoal faz toda a diferença entre os deputados.
E qual é a história pessoal que a senhora leva aonde vai?
Minha filha, Alyssa, tinha 15 anos, em 1992, quando foi passar a noite na casa de uma colega, nas férias curtas da primavera. Eram três amigas, e dois meninos, do terceiro ano do segundo grau, apareceram. A amiga da Alyssa estava paquerando um deles e pediu aos pais para deixá-las sair de carro. Os garotos, de 17 anos, tinham escondido garrafas de cerveja no mato. Tomaram tudo, os dois. Na volta, a amiga pediu a Alyssa para passar para o banco da frente para que ela pudesse sentar ao lado do menino de que gostava. O garoto no volante, depois fiquei sabendo, achava engraçado assustar os passageiros acelerando. Passou de 160 km por hora, perdeu o controle e o carro bateu na cerca de metal da pista, que arrancou a porta. Minha filha foi arremessada para longe e morreu. Foi a única vitima fatal do acidente.
Naquele mesmo ano, quando telefonou para a MADD, a senhora procurava o quê?
Socorro. Parei de trabalhar, não conseguia funcionar, estava inconformada e achei que ia ficar maluca. Nada me interessava. Uma amiga me sugeriu procurar a MADD. Lá, uma pessoa especializada em aconselhar vítimas me atendeu por telefone durante meses. Acho que ela preservou minha sanidade. Comecei a trabalhar como voluntária e 19 anos depois, em julho passado, virei executiva, quando fui nomeada presidente.
Quais foram os marcos do sucesso do ativismo da MADD?
As duas fundadoras, Candace Lightner e Cindy Lamb, foram muito efetivas em Washington, nos anos 80. Graças às leis passadas naquela década, o número anual de mortes provocadas por motoristas alcoolizados caiu de 30 mil para 17 mil, em 2005. Nos anos 90, batalhei para reduzir o nível tolerável de 1g para 0,8g, com base em pesquisas que comprovaram a limitação do motorista nessa faixa de consumo de álcool. Mas eu tinha uma convicção pessoal: o rapaz que matou minha filha tinha menos de 0,8 de álcool no sangue. Hoje, a prevenção é uma frente importante, especialmente entre jovens. No caso deles, é preciso mais do que só falar. Eles têm que ser educados sobre os riscos do consumo de álcool entre menores. Para tanto, fazemos parcerias, como um novo programa com um pesquisador da Penn State University, Robert Turissi, chamado O Poder dos Pais. Não adianta tentar educar os adolescentes se os pais não se envolvem. Pesquisas aqui mostram que 74% dos adolescentes citam os pais como influência no consumo de álcool.
Como a senhora responde a críticos que consideram a MADD alarmista, quase uma volta aos tempos da Lei Seca?
Não somos contra quem bebe socialmente, de forma alguma. O nosso foco é na atitude desses motoristas, uma atitude que resultou em 11 mil mortos nos Estados Unidos, em 2009 e pode perfeitamente ser prevenida. O número de feridos pelas ações de motoristas bêbados é muito mais alto, mas isso também é difícil de estabelecer com precisão porque há casos de acidentes em que o fator bebida não é relatado.
E os que alegam que os motoristas que matam são uma minoria reincidente?
Só metade das mortes é causada por motoristas bêbados reincidentes. A outra metade é por gente que tem um nível de álcool no sangue entre 0,5 e 0,8. Prevenir as mortes é lidar com toda a população.
Qual a medida prática que tem se tornado efetiva, na sua experiência?
É fundamental a decisão ser tomada antes de sair de casa - saber como voltar se a pessoa for beber. Depois de virar alguns copos, nós nos sentimos relaxados, achamos que está tudo bem, insistimos que estamos no controle dos sentidos. É muito frequente as pessoas me contarem que funciona bem a escolha prévia de alguém que não beberá daquele vez justamente porque vai dirigir. O motorista escolhido se sente responsável pela segurança dos demais.
Quando aprovaram a 'Lei Seca' do Brasil, em 2008, alguns críticos disseram que era radical e paternalista e ignorava o bom senso e a responsabilidade pessoal.Aqui nos Estados Unidos foi a mesma coisa. Concordo que educação e responsabilidade pessoal são importantes. Mas elas devem ser paralelas a leis claras, baseadas em ciência disponível, não em emoções.

A senhora esta confiante em novas tecnologias de detecção que a indústria do automóvel pode adotar para impedir que os motoristas dirijam bêbados?
Sim. Acabo de visitar um laboratório em Boston e me mostraram duas tecnologias que estão sendo testadas pela Escola de Medicina da Universidade Harvard. Veja bem, nenhuma delas é bafômetro, como os que instalam nos carros de motoristas já condenados por terem dirigido embriagados. Uma é baseada em toque e exclui os outros passageiros. Ao tocar na ignição ou no câmbio, o nível de álcool no sangue é detectado por meio do tecido humano, numa fração de segundo, e o motor não liga. Sabemos que o custo dessas tecnologias pode ser alto, por enquanto. Mas o Insurance Institute for Highway Safety, ligado à industria de seguros, estima que 8 mil vidas poderiam ser salvas por ano se os carros fossem equipados com uma tecnologia que os impeça de sair do lugar se o motorista estiver calibrado.



Entrevista de Lucia Guimarães  a  Jan Withers, 
PRESIDENTE NACIONAL DA MADD (MOTHERS AGAINST DRUNK DRIVING).
O Estado de S. Paulo (25/09/11)


'Netanyahu matou o processo de paz'


Quem deve ser acusado pelo fracasso permanente do processo de paz do Oriente Médio? O ex-presidente Bill Clinton declarou essa semana que a culpa é do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu - cujo governo mudou as regras do jogo ao assumir poder, razão chave para não se chegar a nenhum acordo de paz entre israelenses e palestinos.
Bill Clinton, numa mesa redonda com blogueiros, à margem da Iniciativa Global Clinton, em Nova York, fez um amplo relato sobre a deterioração do processo de paz no Oriente Médio desde quando ele pressionou ambas as partes para firmarem um acordo final em Camp David, em 2000. Clinton disse que hoje não há paz abrangente na região por duas razões principais: a relutância do governo Netanyahu em aceitar as condições do acordo de Camp David e uma mudança demográfica em Israel que está tornando a sociedade israelense menos receptiva à paz.
"As duas grandes tragédias na política moderna do Oriente Médio, que faz com que você se pergunte se Deus deseja a paz ou não na região, foram o assassinato de Yitzhak Rabin e o derrame cerebral de Ariel Sharon", disse o ex-presidente.
Ariel Sharon estava convencido de que precisava formar uma nova coalizão de centro, de modo que fundou o Kadima e conseguiu o apoio de líderes como Tzipi Livni e Ehud Olmert. Ele vinha trabalhando para obter consenso para um acordo de paz quando foi acometido pela doença. Todo seu esforço caiu por terra quando o Likud voltou ao poder.
"Os israelenses sempre reivindicaram duas coisas que acabaram conseguindo, mas não atraíram Netanyahu. Eles queriam ter certeza de que tinham num governo palestino um parceiro para a paz, e não há dúvida - e o próprio governo israelense já disse isso - que este é o melhor governo palestino que a Cisjordânia já teve", afirmou Clinton.
"Em mais de uma ocasião os líderes palestinos disseram claramente que, se Netanyahu apoiasse o acordo que lhes foi oferecido, o meu acordo, eles o aceitariam", disse o ex-presidente, referindo-se ao acordo de Camp David, em 2000, rejeitado por Yasser Arafat.
Mas o governo israelense distanciou-se muito da política adotada por Ehud Barak, que chegou tão próximo da paz em 2000, e hoje qualquer negociação com o governo de Netanyahu implica condições completamente diferentes - que os palestinos não se dispõem a aceitar.
"Por razões que, mesmo depois de todos estes anos, ainda não sei ao certo, Yasser Arafat rechaçou o acordo que apresentei e foi aceito por Ehud Barak", disse ele. "Havia um governo israelense que estava disposto a ceder Jerusalém Oriental como a capital do novo Estado da Palestina."
Israel também deseja uma normalização de relações com seus vizinhos árabes para acompanhar um acordo de paz. Bill Clinton disse que a Iniciativa de Paz Árabe, patrocinada pelos sauditas em 2002, representou uma resposta à reivindicação israelense.
"O rei da Arábia Saudita começou a reunir todos os países árabes para dizer aos israelenses que 'se vocês chegarem a um compromisso com os palestinos, imediatamente reconheceremos Israel como Estado e também lhes ofereceremos uma parceria política, econômica e na área de segurança'", afirmou Clinton.
"Essa era uma tremenda oferta!"
O governo Netanyahu recebeu todas as garantias exigidas pelos governos israelenses anteriores, mas agora não aceita essas condições para firmar a paz, disse o ex-presidente dos EUA.
"Agora que têm tudo o que pediram, parece que já não é tão importante para o atual governo de Israel, em parte porque é um país diferente. Neste ínterim, chegaram todos aqueles imigrantes vindos da União Soviética, que não têm raízes históricas em Israel, de modo que as reivindicações tradicionais dos palestinos não têm peso junto a eles."
Bill Clinton reafirmou o que disse na conferência do ano passado, que a sociedade israelense pode estar dividida em grupos demográficos que não têm o mesmo grau de entusiasmo para fazer a paz.
"Os israelenses mais defensores da paz são os árabes; em segundo lugar, os sabras, israelenses que nasceram ali; em terceiro os ashkenazi, judeus europeus que vieram de todo o mundo para Israel na época da sua fundação", afirmou Clinton. "Os mais contrários à paz são os israelenses ultraortodoxos, que acham que têm direito à Judeia e Samaria, os grupos de colonos e aqueles que você poderia chamar de territorialistas, pessoas que vieram recentemente para Israel e não têm uma ligação histórica com a região."
Bill Clinton afirmou que os Estados Unidos devem vetar a resolução palestina no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que confere status de Estado para a Palestina, porque os israelenses precisam de garantias de segurança para aceitarem a criação desse Estado. Mas o governo Netanyahu rejeitou um consenso para a paz, o que tornou mais difícil um acordo final que conferisse o status de Estado para os palestinos.
"Foi o que ocorreu. Todos os americanos precisam saber disso, como chegamos ao ponto em que estamos. As pessoas realmente céticas acreditam que os constantes apelos do governo de Netanyahu no sentido de negociações no caso das fronteiras e assuntos afins significam que ele não vai ceder a Cisjordânia."

Fonte:

O Estado de S. Paulo (25/09/11)

O mapa da mina


Um raio X dos temas das duas últimas edições do Enem (as únicas que  seguiram as diretrizes atuais, definidas em 2009) serve de roteiro na revisão para o exame, e um balanço dos temas que caíram nas últimas duas edições da Fuvest mostra uma prova mais enxuta e ‘técnica’ do que o Enem.
Clique nas imagens abaixo para ampliá-las e vê-las como estão na versão impressa do suplemento Estadão.edu, nas bancas nesta terça-feira nas edições do jornal O Estado de S. Paulo e do Jornal da Tarde:

Fonte:
Caderno Educação, O Estado de S. Paulo

22 de set. de 2011

A Caixa Econômica Federal, a política do branqueamento e a poupança dos escravos

1183 A Caixa Econômica Federal, a política do branqueamento e a poupança dos escravos


“São tanto mais de admirar e até de maravilhar essas qualidades de medida, de tato, de bom gosto, em suma de elegância, na vida e na arte de Machado de Assis, que elas são justamente as mais alheias ao nosso gênio nacional e, muito particularmente, aos mestiços como ele. (…) Mulato, foi de fato um grego da melhor época, pelo seu profundo senso de beleza, pela harmonia de sua vida, pela euritmia da sua obra.”
O trecho acima é de um artigo do jornalista, professor, crítico e historiador literário José Veríssimo, em artigo noJornal do Comércio, um mês depois da morte de Machado. Causou espanto em muita gente, inclusive em Joaquim Nabuco, que lhe enviou uma carta: “Seu artigo no jornal está belíssimo, mas essa frase causou-me arrepio: ‘Mulato, foi de fato um grego da melhor época’. Eu não teria chamado o Machado mulato (itálico no original) e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese. Rogo-lhe que tire isso quando reduzir os artigos a páginas permanentes. A palavra não é literária e é pejorativa, basta ver-lhe a etimologia. O Machado para mim era um branco, e creio que por tal se tornava (sic); quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só vi nele o grego. O nosso pobre amigo, tão sensível, preferiria o esquecimento à glória com a devassa sobre suas origens”. É interessante perceber que o que causa espanto a Nabuco é Veríssimo ter chamado Machado de mulato, e não ter dito que as qualidades de medida, tato, bom gosto e elegância, na vida e na arte, eram alheias aos mestiços como ele, um neto de escravos. Pensamento condizente com um governo brasileiro que discutia a nossa condenação ao atraso e à pobreza de espírito, adquirida via mestiçagem. A solução seria tentar reproduzir, nos trópicos, a pureza de sangue europeia, sonho de consumo antigo das elites portuguesa, na época do Brasil colônia, e brasileira, pelo que parece, até os dias atuais.
A ideia de embranquecimento dos brasileiros é antiga, e muitos eram abolicionistas não por questões humanitárias, mas porque acreditavam ser necessário estancar o quanto antes a introdução de sangue negro entre os nacionais. Em um ensaio publicado em Lisboa, em 1821, o médico e filósofo Francisco Soares Filho aponta a heterogeneidade do Brasil como o grande empecilho para o país se tornar um Estado moderno: “Hum povo composto de diversos povos não he rigorosamente uma Nação; he um mixto de incoherente e fraco”. O livro de Andreas Hofbauer, Uma história do branqueamento ou o negro em questão, transcreve vários trechos do artigo de Francisco Soares Filho, Ensaio sobre os melhoramentos de Portugal e do Brasil, entre os quais destaco o que fala da necessidade e das vantagens de se promover a miscigenação controlada.
“Os africanos, sendo muito numerosos no Brasil, os seus mistiços o são igualmente; nestes se deve fundar outra nova origem para a casta branca. (…) Os mistiços conservarão só metade, ou menos, do cunho africano; sua côr he menos preta, os cabellos menos crespos e lanudos, os beiços e nariz menos grossos e chatos, etc. Se elles se unem depois à casta branca, os segundos mistiços tem já menos da côr baça, etc. Se inda a terceira geração se faz com branca, o cunho africano perde-se totalmente, e a côr he a mesma que a dos brancos; às vezes inda mais clara; só nos cabellos he que se divisa huma leve disposição para se encresparem. (…) E deste modo teremos outra grande origem de augmento da população dos brancos, e quasi extinção dos pretos e mistiços desta parte do mundo; pelo menos serão tão poucos que não entrarão em conta alguma nas considerações do Legislador.”
Hofbauer também cita o artigo de António d’Oliva de Souza Sequeira, Addição ao projeto para o estabelecimento politico do reino-unido de Portugal, Brasil e Algarves, de 1821, no qual, além de reforçar as ideias do benefício da mestiçagem de seu conterrâneo, aponta a necessidade de promover a imigração: “Como o Brasil deve ser povoado da raça branca, não se concederão benefícios de qualidade alguma aos pretos, que queirão vir habitar no paiz. (…) E como havendo mistura da raça preta com a branca, (…) terá o Brasil, em menos de cem annos todos os seus habitantes da raça branca. (…) Havendo casamentos de brancos com indígenas, acabará a côr cobre; e se quizerem apressar a extinção das duas raças, estabeleção-se premios aos brancos, que se casarem com pretas, ou indígenas na primeira e segunda geração: advertindo, que se devem riscar os nomes de ‘mulato, crioulo, cabôco’ e ‘indígena’; estes nomes fazem resentir odios, e ainda tem seus ressaibos de escravidão (…) sejão todos ‘Portuguezes!’”.
(Um breve parênteses: não sei se sou apenas eu que consigo ver semelhanças entre o discurso acima, de 1821, com o de “esqueçamos isso de brancos, negros, amarelos, etc.… somos todos brasileiros!”, muito comumente encontrados em artigos de Ali Kamel, Demétrio Magnoli e Yvonne Maggie, por exemplo, apoiados pelo requentamento da teoria da mestiçagem, feito por Gilberto Freyre.)
A ideia de que, em cem anos, os brasileiros seriam todos brancos, foi atualizada em 1911 por João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional. Nessa época o cientificismo já tinha biologizado o conceito de raça, e o racismo brasileiro se dividia entre duas correntes de pensamento. A segregacionista, que dizia que a mestiçagem já nos tinha posto a perder e que nunca seríamos uma nação desenvolvida; e a assimilacionista, que apostava na salvação por meio do processo de branqueamento, com imigrantes europeus. Apostando sempre no seu povo, essa última tornou-se a posição oficial do governo brasileiro, que tentava vender, no exterior, a ideia de um país com grande futuro à espera dos europeus; ou à espera de europeus, para ser mais exata. Participávamos de feiras e congressos internacionais, disputando imigrantes com Argentina, Chile e Estados Unidos, e o discurso de Lacerda, representante brasileiro no I Congresso Universal de Raças, em Londres, tenta aplacar o medo dos europeus de compartilharem o Brasil com uma raça inferior: “(…) no Brasil já se viram filhos de métis (mestiços) apresentarem, na terceira geração, todos os caracteres físicos da raça branca (…). Alguns retêm uns poucos traços da sua ascendência negra por influência dos atavismos (…) mas a influência da seleção sexual (…) tende a neutralizar a do atavismo, e remover dos descendentes dos métis todos os traços da raça negra (…) Em virtude desse processo de redução étnica, é lógico esperar que no curso de mais um século os métis tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidirá com a extinção paralela da raça negra em nosso meio”.
A elite intelectual brasileira, formada por literatos, políticos, cientistas e empresários, indignada com as declarações do diretor do Museu Nacional, foi debater nos jornais e revistas. Alguns clamavam que cem anos era um absurdo de tempo, que o apagamento do negro se daria em muito menos. Outros debochavam do otimismo de Lacerda, como o escritor Silvio Romero, que acreditava que o processo, que todos concordavam ser irreversível, levaria, pelo menos, uns seis ou oito séculos. Mas todos concordavam que era apenas uma questão de tempo, desde que o Brasil continuasse a promover a entrada de brancos europeus, a não fazer nada para integrar os negros que já estavam no país ou para baixar a taxa de mortalidade entre eles, e a dificultar a entrada de novos africanos. De fato, o governo brasileiro financiou a vinda de imigrantes europeus, não fez absolutamente nada que ajudasse escravos e libertos, e proibiu a entrada de africanos. Um decreto de 28 de junho de 1890 diz que estava proibida a entrada de africanos no Brasil, e é reforçado por outros em 1920 e 1930, quando os banidos não necessariamente precisam ser africanos, mas apenas parecer. Em 1945, um decreto lei não mais proíbe, mas diz que:
1184 A Caixa Econômica Federal, a política do branqueamento e a poupança dos escravos
Imigração europeia.
Art. 1o – Todo estrangeiro poderá entrar no Brasil desde que satisfaça as condições estabelecidas por essa lei.
Art. 2o – Atender-se-á, na admissão de imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia, assim como a defesa do trabalhador nacional.
Tal decreto, me parece que foi revogado apenas em 1980. Mas as “características mais convenientes” da nossa ascendência europeia ainda são as desejáveis e estimuladas pelo governo, como nos mostra, exatamente cem anos depois do pronunciamento de João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional, esse comercial da Caixa Econômica Federal (ver comercial do mês de setembro).
O fato mais visível é o branqueamento de Machado de Assis. Sobre esse assunto, que é longo e complexo, sugiro a entrevista com o professor Eduardo de Assis Duarte e, para quem quiser se aprofundar um pouco mais, a leitura de seu livro Machado de Assis Afrodescendente: Escritos de Caramujo. Veríssimo, atendendo ao apelo de Nabuco, nunca incluiu o artigo em seus livros; e para acabar com qualquer dúvida quanto à mulatice, a certidão de óbito de Joaquim Maria Machado de Assis diz que o grande escritor, da “cor branca”, faleceu de “arteriosclerose”. Questionada pelo ato falho, a assessoria de imprensa da Caixa se manifestou, dizendo que “o banco sempre se notabilizou pela sua atuação pautada nos princípios da responsabilidade social e pelo respeito à diversidade. Portanto, a Caixa sempre busca retratar em suas peças publicitárias toda a diversidade racial que caracteriza o nosso país”. Mas há também outro fato interessante no universo europeizado do comercial: no Rio de Janeiro de 1908, circulam apenas brancos. O comercial, assinado por “Caixa – 150 anos” e “Governo Federal – País rico é país sem pobreza”, apaga completamente as presenças negra e mestiça da capital federal do início do século. Tais atitudes colocam o governo como propagador e vítima das políticas oficiais de branqueamento da população e de ensino deficiente, voltado para o descaso com o esquecimento do passado escravocrata brasileiro. Tivessem os profissionais envolvidos na criação, produção e aprovação de tal comercial estudado um pouco mais a vida dos africanos no Brasil, não teriam cometido erros tão banais. E tão graves, porque em nome de um governo e de uma instituição que diz ter uma história construída por todos os brasileiros, mas que parece, nesse caso, retratar apenas aqueles brasileiros que sempre foram mais brasileiros do que os outros. A nossa desigualdade entre iguais.
Tivessem esses profissionais dado uma olhada nos levantamentos demográficos da época (embora “raça” não tenha entrado nas estatísticas entre 1890 e 1940 – porque “éramos todos brasileiros”…), ou nas crônicas publicadas em jornais e revistas da época, ou o interesse de conhecerem um pouco melhor o assunto em questão, saberiam que a população negra e mestiça do Rio de Janeiro deveria ser, no mínimo, 30% a 40% do total, mas aparentava ser muito mais. A então capital federal, onde já era numerosa a presença de escravos e libertos, recebeu grandes contingentes de negros e mulatos após a assinatura da Lei Áurea, chegados das áreas rurais e de diversas partes do Brasil. Eles eram, então, a maioria a circular pelas ruas, em busca de emprego, que não havia, ou fazendo bicos, tentando se adaptar à nova realidade. Uma “sociedade movediça e dolorosa”, como nos contam as crônicas de João do Rio, entre tantas outras tão fáceis quanto de achar, caso houvesse interesse.
E por falar em “movediça e dolorosa”, é interessante também perceber como o governo retrata os escravos em outro comercial (ver mês de maio) referente à comemoração dos 150 anos da Caixa, o “Libertos”.
O comercial nos faz acreditar que a “poupança dos escravos” havia sido uma iniciativa progressista da Caixa quando, na verdade, foi um retrocesso nas “leis informais” que regulavam as iniciativas de compra de liberdade, e uma forma de o governo brasileiro, já no final da escravidão, lucrar um pouco mais com a exploração do trabalho escravo. Há um estudo interessante sobre essa poupança, A poupança: alternativas para a compra da alforria no Brasil (2ª metade do Século 19), da historiadora e professora Keila Grinberg, que vou tentar resumir aqui, em meio a outras informações. É importante entender o cenário em que a “poupança dos escravos” foi lançada.
Após a Revolução Industrial, a Inglaterra buscava novos mercados consumidores para seus produtos e, vendo a escravidão com um dos grandes entraves, promulgou unilateralmente o Slave Trade Suppression Act de 1845, conhecido no Brasil como Bill Aberdeen. O ato considerava como sendo pirataria o comércio de escravos entre a África e as Américas, e a Inglaterra poderia abordar qualquer navio em atividade suspeita e liberar a carga humana. Muitos desses africanos foram levados para colônias inglesas no Caribe, onde trabalharam sob condições bem parecidas com a escravidão. Vários navios brasileiros foram aprendidos e destruídos, gerando uma série de incidentes diplomáticos que, em conjunção com outros fatores, levaram o Brasil a parar com o tráfico. Na verdade, a pressão era para que o Brasil obedecesse a Lei Feijó, também conhecida como “lei para inglês ver”, promulgada em 7 de novembro de 1831, que dizia:
A Regência, em nome do Imperador o Senhor Dom Pedro Segundo, faz saber a todos os súditos do Império, que a Assembleia Geral decretou, e ela sancionou a Lei seguinte:
Art. 1. Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres.
Essa lei nunca foi obedecida e precisou ser reforçada com a Lei Eusébio de Queirós, aprovada em 4 de setembro de 1850:
Art. 1: As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela lei de 7 de novembro de 1831, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades, ou pelos navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém que se encontrarem com os sinais de se empregarem no tráfego de escravos, serão igualmente apreendidas e consideradas em tentativa de importação de escravos.
Inicialmente, a Lei Eusébio de Queirós também teve pouquíssimo efeito, fazendo inclusive com que o tráfico se intensificasse. Como a vida útil de um escravo era curta, e as condições dos cativeiros brasileiros nunca foram ideais para a reprodução, como acontecia, por exemplo nos Estados Unidos, os exploradores de trabalho escravo trataram de garantir um bom estoque de peças, começando a pensar, inclusive, que a escravidão, algum dia, poderia ter fim. Quando a Inglaterra intensificou o controle nos mares, começou então o aumento do comércio interno, com as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, ancoradas na lucrativa economia cafeeira, importando peças do Norte e Nordeste. Possuir escravos que se tornavam cada vez mais caros, então, começou a ser coisa de “gente grande”, com a diminuição da entrada de peças de reposição e a crescente demanda da indústria cafeeira, base da economia brasileira da ápoca. O Brasil passava por grandes transformações, e outras duas leis importantes também foram promulgadas em 1850, a Lei das Terras e a Lei do Código Comercial, ambas com profundas ligações com a escravatura.
Começando a se pensar pela primeira vez em um Brasil sem escravos, a Lei das Terras defendia os interesses dos grandes latifundiários, garantindo-lhes o direito de regularizar a posse das terras que ocupavam. As terras não ocupadas passaram a ser do Estado e só poderiam ser adquiridas em leilões, com pagamento à vista, impossibilitando que ex-escravos (e possíveis colonos, porque já se discutia uma política de imigrações), quando libertados, se tornassem proprietários por meio de ocupações.
O Código Comercial regulamentava a criação de sociedades anônimas e comerciais, uma necessidade por causa das reorientações na economia brasileira. Não tendo mais condições de comprar escravos, a gente “média” e “miúda” começou a ter outras necessidades de crédito e a se interessar por outros bens de consumo, aumentando a importação de bens estrangeiros. Em 1851, por exemplo, surgiu no Rio de Janeiro o Banco do Commercio e da Indústria que, junto com outros bancos, passou a receber depósitos e a emprestar dinheiro. Foi esse banco que, em 1853, depois de uma fusão com o Banco Commercial do Rio de Janeiro, deu origem ao Banco do Brasil. Segundo Keila Grinberg, “(…) Com isso, o crescimento das atividades comerciais no país, devido principalmente à prosperidade dos negócios do café, foi facilitado pelo aumento da emissão de moeda, e pela autorização, por parte do governo imperial, da realização de várias operações comerciais pelos bancos”. Em 1857, já havia vários bancos oferecendo esses serviços, mas a crise no setor cafeeiro e o grande número de instituições privadas, levou o governo a centralizar a atividade bancária, principalmente as de poupança e crédito, com a Lei dos Entraves, de 1860. Foi por essa lei que o Governo Imperial criou a Caixa Econômica, que entrou em atividade em 1861 como o primeiro banco que receberia “as pequenas economias das classes menos abastadas”, nos moldes de várias instituições privadas de grande sucesso nos Estados Unidos e na Europa.
As Caixas prestariam os serviços de depósito em poupança e de empréstimos tendo como garantia a penhora de bens. Com isso, o governo buscava “centralizar no Estado as economias dos poupadores, de pequenos a grandes, de modo que o montante arrecadado pudesse contribuir para o desenvolvimento da infraestrutura do país, como aconteceu nos Estados Unidos, onde a poupança alavancou o investimento em ferrovias, centros de tratamento de água e esgoto, e canais”. A princípio, a arrecadação não foi muito grande, ao contrário da procura por empréstimos, e só melhorou um pouco a partir de 1864, com a quebra de várias instituições concorrentes.
A Lei do Ventre Livre, de 1871, reconheceu, entre outras coisas, o direito do escravo formar pecúlio. Na verdade isso já acontecia havia muito tempo. Escravos se reuniam em associações (Juntas ou Irmandades) autorregulamentadas e contribuiam para um fundo comum que, entre outras coisas, servia para a compra de cartas de alforrias de seus associados. A novidade da lei é que, diferente do que acontecia antes, se o escravo tivesse dinheiro suficiente, a carta de alforria não poderia mais ser negada pelo seu dono. A Caixa Econômica então passou a aceitar depósitos de escravos, mas a caderneta de poupança teria que ser aberta em nome dos seus donos, porque o decreto de fundação, de 1861, dizia: “Não serão admittidos, como depositantes ou abonadores, os menores, escravos, e mais indivíduos que não tiverem a livre administração de sua posse e bens”.
E para que o escravo tivesse certeza disso, de que não era dono daquele dinheiro e daquela “poupança do escravo”, Keila Grinberg nos conta que “todas as cadernetas de escravos eram riscadas onde aparecia a palavra ‘senhor’ antes do espaço destinado à redação do nome do poupador. Para que não restasse dúvidas de que poupar não fazia de nenhum escravo, um senhor”.
Isto significa que a “poupança dos escravos” criada pela Caixa Econômica Federal não é nenhuma novidade entre as modalidades de se juntar dinheiro para a compra da carta de alforria, e ainda é um retrocesso, no sentido de proibir depósitos em nome de escravos. Caixas Econômicas não estatais, surgidas na década de 1830 na Bahia, em Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro, seguindo o modelo das caixas existente em outros países escravistas das Américas, não tinham essa proibição. Então, o que a Caixa Econômica Federal fez, em 1872, ao oficializar a “poupança dos escravos”, foi permitir e reafirmar que o controle do dono sobre o escravo, com a tutela do Estado, fosse exercido inclusive sobre algo que, de comum acordo entre dono e escravo poderia ficar, anteriormente, sob a responsabilidade do escravo. Antes de oficializar essa proibição, inclusive, a própria Caixa “aceitava” depósitos de escravos, como prova a existência da caderneta de poupança de número 12.729: “mesmo à margem da lei, entre 1867 e 1869, a escrava Luiza depositou religiosamente cinco mil réis por mês com o aval de D. Antonia Luiza Simonsen, sua senhora’, escreve Grinberg. A poupança dos escravos de ganho coloca-os novamente sob a tutela de seus senhores.
1185 A Caixa Econômica Federal, a política do branqueamento e a poupança dos escravos
Escravos de ganho nas ruas do Rio, por Debret.
Luiz Carlos Soares nos dá uma ideia da vida de um escravo de ganho no Rio de Janeiro, em sua tese Urban Slavery in Nineteenth Century Rio de Janeiro: “Uma parcela considerável desses cativos (que andavam pelas ruas do Rio) era constituída pelos escravos de ganho. Estes desenvolviam as mais diversas modalidades de comércio ambulante, carregando as suas mercadorias em cestos e tabuleiros à cabeça, ou transportavam, sozinhos ou em grupos, os mais variados tipos de cargas, ou ainda ofereciam os seus serviços em quaisquer eventualidades, até mesmo no transporte de pessoas em seus ombros pelas ruas da cidades nos dias chuvosos ou carregando em suas cabeças barris com os dejetos das residências que à noite eram jogados ao mar”. Profissões mais especializadas, como sapateiros, barbeiros, joalheiros, ou até mesmo mendicância e prostituição, estavam entre as atividades exercidas pelos escravos de ganho. São esses os escravos retratados no comercial “Liberdade” da Caixa, todos saudáveis, “higienizados”, sorridentes e bem tratados. A realidade, no entanto, era bem outra. Alguns realmente conseguiam se dar bem, sendo capazes de juntar boa quantidade de dinheiro; mas eram exceções. O que valia a pena, nessa modalidade, era o escravo ter um pouco mais de liberdade em relação aos escravos rurais ou domésticos, sob maior vigilância. Os escravos de ganho eram mandados para a rua por seus senhores, onde deveriam trabalhar para pagar o “jornal”, ou seja, uma quantia diária, semanal ou mensal estipulada pelo dono. Era o excedente desse jornal, se houvesse, que os escravos poderiam poupar para empregar no que bem quisessem, desde o complemento à alimentação deficiente, roupas, aluguel de um cômodo para morar longe do senhor, ou a carta de alforria. E era esse excedente que, em nome do dono, poderia ser depositado na “poupança dos escravos”, na esperança de, um dia, ser suficiente para comprar a liberdade; o que se tornava cada vez mais difícil.
A partir de 1850, com a venda maciça de escravos para as zonas cafeeiras, o número de escravos diminuiu consideravelmente na cidade do Rio de Janeiro. O recenseamento realizado em 1872, ano de lançamento da poupança de escravos, conta que eles eram, ao todo, 37.567, dos quais 5.785 eram criados (escravos de aluguel para serviços domésticos) e jornaleiros (de ganho). Escravos de ganho já não eram bom negócio. Em alguns setores mais lucrativos, como o de transporte, eles estavam perdendo espaço para trabalhadores livres, melhor organizados e de melhor aparência; em sua maioria imigrantes pobres portugueses. Este é o cenário quando a Caixa Econômica Federal decide aceitar dinheiro de trabalho escravo – desde que em nome dos donos, é sempre bom lembrar. Com a alta sucessiva do preço, e com seus donos usando métodos legais e ilegais para manter os escravos que possuíam, as compras de cartas de alforria se tornaram raríssimas depois da Lei de 1871. “Que não restem dúvidas: a alforria custava caro. Para se ter uma ideia, entre 1860 e 1865, o preço médio pago por um escravo para ficar livre variou entre 1:350.000 réis e 1:400.000 réis, mas chegou a mais de 1:550.000 réis em 1862. Evaristo, depois de três anos de poupança acumulou irrisórios 8.100 réis. Luiza, aquela que depositava com consentimento da sua senhora Antonia Luiza Simonsen, chegou a pouco mais de 200.000 réis”, lembra Grinberg.
Provavelmente, foram raríssimos os que conseguiram comprar suas cartas de alforria por meio das cadernetas dos escravos, como a escrava Joana do comercial. Aplicados no banco, os recursos destinados à compra de sonho serviam para aumentar os lucros da Caixa que, segundo o estatuto de criação, podia utilizar o dinheiro das poupanças para fazer empréstimos, a juros, por meio do Monte de Socorro, com as penhoras. Talvez isso também pudesse ser chamado de exploração de mão de obra escrava. Da qual, hoje, a Caixa se orgulha, a ponto de apresentar como um dos grandes feitos a ser comemorado em seus 150 anos de existência. Ironicamente, ou não – pois realmente quero acreditar que é fruto da profunda ignorância histórica e da falta de sensibilidade –, o confessional foi exibido no mês de maio, para ser potencializado e remetido à Lei Áurea. Coisas da propaganda, que talvez pudesse ser usada para nos responder duas perguntas.
- O que foi feito do dinheiro dessas cadernetas de poupança quando aconteceu a abolição? O dinheiro era dos escravos, o excedente do que tinham que pagar ao dono, mas não estava no nome deles. Eles conseguiram recuperar essas economias?
- Em 1872, quando foi criada a “caderneta dos escravos”, dirigida aos escravos de ganho, já fazia 41 anos que o tráfico atlântico de escravos estava proibido. Visto que a maioria dos escravos de ganho era composta por africanos (Luiz Carlos Soares nos informa que, na segunda metade do 19, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, dos 2.869 pedidos de concessão de licença para trabalhar ao ganho, 2.195 eram para africanos), a Caixa, antes de aceitar a abertura das cadernetas, checava se tinham entrado legalmente no Brasil (é bom lembrar que, em 1900, a expectativa de vida do brasileiro era de 33,4 anos, sendo a dos escravos bem menor que a dos não escravos), ou era cúmplice dos que tinham sequestrado, capturado e mantido ilegalmente africanos em cárcere privado e trabalhos forçados, conforme as leis de 1831 e 1850?
Seria bom que a Caixa Econômica Federal investigasse a possibilidade de ter cometido erros e, se for o caso, se retratasse. Pelo branqueamento de Machado e por ter lucrado, talvez ilegalmente, com o dinheiro dos escravos, e fazer disso motivo de orgulho. Se não por toda a população afrodescendente brasileira, pelos seus mais de 14 mil funcionários homenageados em um belíssimo comercial comemorando o Dia da Consciência Negra.
Para que eles não se sintam usados. Para que nós não nos sintamos enganados por meras e belas campanhas de marketing. Para que este país comece a conhecer e respeitar sua História. Para que as palavras de sua assessoria não sejam propaganda enganosa: “O banco sempre se notabilizou pela sua atuação pautada nos princípios da responsabilidade social e pelo respeito à diversidade”. Que assim seja!

* Ana Maria Gonçalves

** Publicado originalmente no blog de Idelber Avelar, no site da Revista Fórum.
(Revista Fórum)