3 de jul. de 2015

Quando a violência urbana chega ao limite do tolerável, ecoa em alguns setores da sociedade o grito histérico da ignorância, que contribui para gerar ainda mais brutalidade

Existem dois tipos de estúpidos, de acordo com o filósofo esloveno Slavoj Žižek. O primeiro é o sujeito superinteligente que simplesmente não compreende muito bem a realidade para além da obviedade literal. Ele consegue entender a situação do ponto de vista lógico, simplesmente ignora a existência de regras sociais implícitas num certo jogo linguístico. Suponham, para ilustrar a ideia, alguém respondendo com sinceridade a pergunta: tudo bem?  O segundo tipo é aquele perfeitamente capaz de se identificar com o senso comum. Alguém que encontra a correspondência absoluta entre um dado de identificação social e si mesmo. Trata-se do sujeito que, sem qualquer constrangimento, absorve discursos, vocabulários, títulos e funções terceirizados, e passa a reproduzi-los como opiniões autenticamente próprias. O perfeito burocrata, por exemplo. Algo muito próximo do que Sartre chamou de má fé. A fuga para o “em si”, ou melhor, uma estratégia frustrada de fugir da angustia da decisão recolhendo-se na insignificância de uma vivência terceirizada. 
  • Se você não se enquadra em nenhuma das duas categorias, provavelmente já percebeu onde quero chegar. Não se sabe ao certo o autor ou mesmo quando começou a circular a popular expressão “bandido bom é bandido morto”. Lembro ter escutado a primeira vez no começo dos anos 90. Naquela altura, ela já era repetida pelo mesmo perfil dos que hoje gostam de repeti-la: sujeitos com muita pose e alguma limitação cognitiva. Ela foi francamente proclamada em todas as ocasiões onde a violência urbana pareceu ter chegado ao limite do tolerável.
    Nessa semana, graças à divulgação de boçalidades na internet (principalmente nas redes sociais), a frase voltou, acompanhada dos muitos elogios ao grupo de “motoqueiros” que resolveu fazer justiça” ao prender um “pivete” pelo pescoço em um poste no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. O adolescente de 15 anos cometia crimes na região – ele tinha ficha na polícia, já havia praticado dois furtos e sido autuado também por agressão. Na última segunda (3), o rapaz foi surpreendido por um grupo de, segundo ele, 30 homens musculosos, quando andava por uma das ruas do bairro. Ele e um amigo foram espancados pelo grupo e acabou preso, nu, pelo pescoço, em um poste, por uma tranca de bicicleta.

    Violência por violência
    A grande maioria dos defensores dos “justiceiros de moto” -- como teriam se intitulado na noite da agressão -- afirma que chegou a hora de fazer justiça, que a ineficiência secular da policia em coibir esse tipo de delito, ou o aparecimento desses assaltantes, é tão flagrante que a única saída é maior rigor. Sugerem, entre outras coisas, que as leis sejam mais duras e que a maioridade penal seja reduzida. Normalmente é prudente evitar generalizações, mas nesse caso é impossível. Estamos tratando de um conjunto de indivíduos arrebanhados por um mesmo discurso superficial, felizes por encherem o peito e repetirem a fatídica sentença como se isso os dignificasse pro si só como autoridades capazes de discernir entre bandidos e gente do bem. Gente que, de fato, está convencida de que complexas relações sociais possam ser reduzidas a essa dicotomia simplista.  
    Não bastasse o orgulho ingênuo de se sentir grandioso por repetir frases de efeito, a premissa é absolutamente equivocada. Em primeiro lugar, a grande maioria dos gênios que assim “pensam” se coloca contra os bandidos em oposição a uma esquerda multiculturalista que abraça o criminoso. Como se a dialética da violência fosse resumida por uma dualidade de tal natureza. Como lembra Žižek, não existem apenas respostas erradas para os problemas, mas perguntas erradas. E quando colocado de forma equivocada, o problema jamais encontrará qualquer resposta coerente. Acho que não preciso perder meu tempo aqui explicando porque a escolha nessa história não é atacar ou defender algum delinquente. Se alguém te disser algo como: tem pena? Leva pra casa – não diga nada, não alimente o animal. Apenas saiba que está falando com alguém com problemas de natureza moral e cognitiva.
    Em segundo lugar, convém lembrar os mais entusiasmados que protelar tolerância zero não corresponde ao que fizeram os países tomados como exemplares por essa turma. Holanda ou Suécia, que sistematicamente vêm reduzindo sua população carcerária, jamais adotaram medidas de tal natureza. Eu duvido que os defensores de leis mais rígidas no Brasil sejam capazes de citar um único país cuja violência fora resolvida pela reação enérgica da polícia e de suas leis. Os Estados Unidos, que tomaram esse caminho, hoje contam com a maior população carcerária do planeta. Além disso – sejamos honestos -bandido bom é bandido morto já foi incorporado como diretriz informal da policia há muito tempo. A polícia americana pode ser bastante truculenta, mas não é páreo para a paulista, que mata mais e com uma população oito vezes menor. A PMERJ não fica atrás. Em 2013 a OAB/RJ lançou a campanha “Desaparecidos da Democracia” no qual mostram que mais de dez mil pessoas foram mortas sob suspeita de confronto com a polícia entre 2001 e 2011. Vale lembrar que o conceito de confronto para a PM é bastante amplo. A opção por mais truculência, mais violência e intolerância não tem ajudado nem os próprios policiais, já que, em média, a chance de um policial morrer no Brasil é três vezes maior que em outros países. Ou seja, essa estratégia de fazer e acontecer pelas armas talvez tenha um grande impacto na boca de políticos que fingem estar fazendo alguma coisa quando mandam a policia subir o morro para matar pobre ou de machões justiceiros que tentam convencer seu nicho da própria masculinidade, mas certamente não anda protegendo nem cidadão, nem o policial.
               
    Facebook e os reprodutores do senso comum

    Jacob Burckhardt, historiador suíço do século XIX, dizia que um dos problemas da modernidade era que “enquanto as condições materiais da sociedade ficam mais complexas, suas relações sociais se tornam mais cruas”. Um dos sintomas do que ele chamou de brutal simplificação social dizia respeito ao fato das pessoas se projetarem categoricamente em identidades fixas. Não surpreende que um sujeito autoproclamado de bem, se sinta não apenas superior, mas também incumbido da tarefa de limpar a sociedade daquilo que julga ser o problema.
    Na plateia, enfileirados, estão os reprodutores do senso comum, prontos para proclamarem corajosas palavras de ordem no seu Facebook (!). O clima parece entusiasmar a cooperação prática, e todos então se sentem seduzidos a oferecerem suas sugestões logo após proclamarem seu mantra:bandido bom é bandido morto. O que se segue é um conjunto de frases rabiscadas pelo contra senso e apresentadas como prognóstico de solução. “Não é a melhor justiça, mas é melhor do que justiça nenhuma!”, “é porque não foi contigo! Quando for, você vai querer fazer o mesmo com eles”.... Como se não bastasse a ignorância ao admitir publicamente um jargão protofascista como sua própria opinião, o discurso machão não se caracteriza como um erro de cálculo, mas como cálculo nenhum. A reprodução automática endossa passivamente um comportamento mais do que praticado, mas que salta aos olhos de um ignorante dessa natureza como uma ilusão de retribuição pelas injustiças que testemunha diariamente. Trata-se, portanto, de um delírio de vingança traduzido por um entendimento rasteiro sobre interações sociais.
    Como gostava de lembrar George Orwell, “a vingança é um ato que se quer cometer quando se está impotente e porque se está impotente”. Nesse caso, uma dupla impotência. A primeira, assumida, diz respeito à constatação de que existe injustiça. Em outras palavras, que de fato estamos cercados de uma estrutura social nociva que normaliza patologicamente um sentimento perene de injustiça. A segunda se refere precisamente à impossibilidade desse tipo de discurso oferecer qualquer diagnóstico coerente. Ele é perfeitamente capaz de identificar a violência mais óbvia, aquela que se manifesta como perturbação da ordem, mas falha miseravelmente em perceber que a própria ordem depende de muita violência para se impor. Pense quanta violência é necessária para manter estável e constante a grosseira distribuição de renda no Brasil.
    Para que esse (des) equilíbrio absurdo se mantenha, também é necessário sujeitos brilhantes como esses que repetem o jargão e discutem soluções para o Brasil em redes sociais. Na topologia do óbvio, criam a sensação de movimento, de que algo precisa ser feito, de preferência algo muito radical. Na escola do bom senso, onde juram ter se formado, são sabedores de verdades sociológicas de bem. No fim, a ilusão de movimento sustenta um status quo ad aeternum.
    No país com a segunda pior distribuição de renda do mundo, ninguém sabe o que são direitos humanos – já que nossos gênios sugerem que eles existem exclusivamente para proteger criminosos – mas todo mundo conhece o código de defesa do consumidor e onde fica o PROCON mais próximo. Todos aprenderam a comprar conscientemente assistindo ao Fantástico. O não consumidor é também o não cidadão. Chegamos ao ponto de termos esse ponto de vista abertamente defendido no legislativo pela fabulosa Leila do Flamengo, que não tem qualquer constrangimento em admitir: “Defendo as famílias e os moradores, não os desocupados”, ao lembrar seus eleitores que mendigos não são cidadãos.
    Ao querer acertar as contas com seus criminosos, escapa ao cálculo dos defensores passivos da máxima bandido bom é bandido morto que também são eles, os bandidos, resultado direto de uma estrutura social covarde e abjeta, montada historicamente por tipos sociais obcecados por uma ilusão de ordem. Falta, portanto, clareza e abstração suficiente para que o sujeito se dê conta de que mais de que não apenas está defendendo como novidade algo que há muito ocorre, como está brigando de forma quixotesca pela manutenção da mesma estrutura que supõe condenar. Os vigilantes do bairro do Flamengo nada mais são do que a repetição trágica de formas análogas de polícia privada, como as milícias que há um tempo circulam no imaginário urbano carioca.  Justiça, a quem interessar, é algo bem diferente disso tudo.
  • Fonte:
  • Bruno Garcia
  • Revista de História.com.br


A Geração X está chutando o balde

Essa semana recebi um e-mail de despedida de uma amiga e parceira de trabalho. Ela vendeu sua parte na sociedade da empresa que ela mesma havia montado, anos atrás, para tirar um período sabático. Vai para a Europa estudar gastronomia e fotografia, suas duas paixões.
Não é a primeira nem última amiga minha, por volta dos 35 anos, com uma carreira bem sucedida e vida estável, que toma essa decisão. Uns três anos atrás, um amigo próximo um dia disse adeus ao emprego que tinha. Todos ficaram meio surpresos. O cara trabalhava há mais de uma década em grandes empresas, era respeitado e tinha uma vida confortável no Rio de Janeiro. Mas encheu o saco. Resolveu estudar Gestalt, voltou pra Florianópolis – sua cidade natal – e abdicou de grande parte do conforto em busca do que o faria feliz de verdade. Ele nunca mais fez uma apresentação de power point na vida, usa o excel apenas para controlar seus gastos mensais e esbanja um brilho nos olhos toda vez que nos vemos. 
Fato é que histórias como essas têm sido cada vez mais comuns na minha geração. Enquanto todos se preocupam com a urgência e ambição da Geração Y, a Geração X, imediatamente anterior, está repensando seus conceitos e valores. Fomos criados acreditando que uma vida feliz era falar línguas, fazer carreira, trabalhar a vida inteira numa ou duas grandes empresas, comprar o apartamento próprio, construir uma família para sempre e ir pra Disney (ou Paris) uma vez por ano. Uma vida estável e fixa, sem rompantes de aventura.
Acontece que grande parte da Geração X chegou aos 30, 40 anos e descobriu que para juntar meio milhão e dar entrada, com sorte, num apartamento modesto que irá pagar até seus 60 anos, o caminho é longo e o preço é alto, bem alto. Os poucos que conseguem, heroicamente, conquistar seus bens e sonhos sem a ajuda dos pais, estão exaustos. Olham em volta e mal têm tempo de curtir os filhos ou as férias exóticas que sonham (e têm dinheiro para tirar) para a Tailândia, Marrocos ou Havaí. Há também aqueles que ficaram tão ocupados em conquistar aquilo que lhes foi prometido que deixaram para “daqui a pouco” os filhos, os hobbies e a felicidade e perceberam, agora, que “desaprenderam a dividir”.
No meio disso, veio essa sedutora mobilidade contemporânea, mostrando a nós o que nossos pais ainda não podiam nos ensinar, que é possível existir estando em qualquer lugar e que não é uma mesa de escritório ou um cartão de visitas que nos faz mais nobre, mas sim aquilo que de melhor podemos oferecer ao mundo. Só que descobrimos isso depois de passarmos grande parte da nossa juventude preocupados em nos sustentar, sermos bem sucedidos, conquistar prestigio e reconhecimento. Para, enfim, ter a liberdade de chutar o balde e sair por aí…

Esse texto foi publicado pela Fabiana Gabriel na Revista Carne Seca 
Retirado do site Vagabundo Profissional Blog

30 de jun. de 2015

O que é a intolerância? Veja este filme curta metragem animado e reflita...

Humano, demasiado inseto

Antes do aniquilamento, a metamorfose. A aflição de Gregor Samsa, personagem de Franz Kafka em A Metamorfose, não é só a aflição do fim inevitável, mas da perda gradativa de sua humanidade - e tudo o que a palavra humanidade carrega: compaixão, dor, arrependimento, conflito, alteridade, sonho, história, memória. Subjetividade, enfim.
Clássico das aflições contemporâneas, a obra permanece incrivelmente atual por não se restringir a falar de um local, regime ou período da História. É clássico porque fala de um drama humano, e é isso o que permite suas tantas releituras ao longo do tempo. Uma dessas releituras acaba de ser publicada em quadrinhos pela editora Nemo. Uma Metamorfose Iraniana é a história de Mana Neyestani, cartunista de um semanário infantil de Teerã que, em meados de 2006, desenhou o diálogo entre um de seus personagens e uma barata. Parecia uma tirinha inocente, não fosse um detalhe: o uso, pelo inseto, de uma expressão de origem “turca”, como é chamada, no Irã, a minoria azeri. Ofendidos com a associação com uma barata, e diante do contexto político do país, militantes azeri promovem uma campanha contra a revista, contra o cartunista, contra a maioria farsi e contra o governo Ahmadinejad. O país inteiro entra em convulsão.
Na leitura, é tentadora a ideia de isolar o contexto de um Estado obscuro e repressor como o iraniano de um contexto mais, digamos, “ocidental”. Mas é ainda mais tentadora a busca por paralelos bem aqui na nossa esquina.
Diante da pressão popular, Neyestani é levado à prisão sob a acusação de promover distúrbios contra a ordem pública. Diferentemente de Josef K, outro personagem de Kafka, ele sabe do que é acusado, mas nem mesmo os acusadores do Estado Islâmico acreditam nesta acusação. Não importa. Ao se tornar pivô dos distúrbios, Neyestani já não é alguém capaz de se justificar perante a sociedade e a Justiça. É um preso político, e um preso político tem sempre uma função dupla (para não dizer múltipla). 
Há, em seu encarceramento, um peso simbólico: por meio dele o Estado se comunica com o restante da sociedade, sobretudo os que temem ser presos. A prisão serve como munição a uma narrativa segundo a qual os valores da revolução iraniana correm riscos de desintegração por causa de dissidentes e patrocinadores de dissidentes, caso dos EUA. Por isso, e para o bem de todos, devem ser retirados de circulação. Mas o preso político serve também como moeda de troca. A tortura física e psicológica da prisão cria um campo de tensões e coerções valiosas por meio da qual é possível negociar informações e delações em troca de amenidades.
É um ciclo de impotências. Ao Estado, quanto mais manifestações violentas de uma minoria ofendida, mais oportunidade se cria para eliminar, como baratas, uma parte da população cansada de ser tratada como barata. Os tiros contra os vândalos da ocasião apenas aceleram o processo de dedetização.
No meio do conflito, Neyestani não se reconhece nem com o oprimido nem com o opressor, mas vê-se tolhido de qualquer ação ou resposta ao ser injetado para o centro de uma máquina de transformar gente em bicho – não qualquer bicho, apenas os que estraçalhamos, sem culpa, com nossos chinelos. Na prisão, a desarticulação das redes de justiça, diálogo e solidariedade não permite que o acusado peça desculpas, se explique, recorra ao seu histórico ou se arrependa. Isso é para humanos. Quando deixamos de reconhecer qualquer ser vivo como “humano”, tudo contra ele passa a ser permitido. Inclusive o aniquilamento.
Ao recontar a sua história em quadrinhos, é possível que o cartunista tenha se esforçado para obter, pelo olhar do leitor, o reconhecimento de um sofrimento que ateste a sua humanidade. Esse reconhecimento é a compaixão. Pobres iranianos, podemos concluir ao fim da leitura, talvez inconscientes das chineladas distribuídas diariamente contra quem, além do selo, não conferimos qualquer humanidade.
Há algumas semanas, uma atriz transexual chocou o país ao se crucificar, a exemplo de Cristo, em uma passeata gay. O choque diante da “ofensa” não fez eco quando, na vida fora daquela performance, outros travestis morreram violentamente desde então. A atriz - assim como as vitimas de aniquilamentos urbanos diários, algumas inclusive com transmissão ao vivo - causou choque e incomodo por lembrar que não é uma barata. E se não somos capazes de franzir a sobrancelha quando são mortos ou agredidos, é porque uma grande metamorfose está em curso. Ela termina na bala, mas começa no púlpito, no plenário e nas mensagens de alerta e salvação.
Por
Matheus Pichonelli

Novamente a velha e idiota: intolerância


Tolerar a existência do outro,

E permitir que ele seja diferente,
Ainda é muito pouco.
Deveríamos criar uma relação entre as pessoas
Da qual estivessem excluídas
A tolerância e a intolerância.

(José Saramago - Adaptado)








"Devemos, portanto, reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. Devemos enfatizar que qualquer movimento que pregue a intolerância deva ser colocado fora da lei, e devemos considerar a incitação à intolerância e perseguição devido a ela, como criminal, da mesma forma como devemos considerar a incitação ao assassinato, ou sequestro, ou para a revitalização do comércio de escravos como criminoso." 

(Karl Popper)



De olho no vestibular: Unicamp adota lista de livros diferente da Fuvest para o vestibular de 2016


A lista integrada com a Fuvest permanece para o vestibular 2015 (ou seja, as obras exigidas pelas USP e pela UNICAMP são as mesmas para o vestibular que será prestado esse ano!) A lista integrada está em vermelho.
A nova lista de leitura obrigatória, do vestibular 2016 da Unicamp, conta com os seguintes títulos:
Poesia
Sentimento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade,
Sonetos, de Luís de Camões.
Conto
“Amor”, do livro Laços de Família, de Clarice Lispector.
“A hora e a vez de Augusto Matraga”, do livro Sagarana, de Guimarães Rosa.
“Negrinha”, do livro Negrinha, de Monteiro Lobato.
Teatro
Lisbela e o prisioneiro, de Osman Lins.
Romance
Viagens na Minha Terra, de Almeida Garret.
O cortiço. de Aluísio Azevedo.
Capitães da Areia, de Jorge Amado.
Til, de José de Alencar.
Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

Terra Sonâmbula, de Mia Couto.

Fonte: Comvest

Casamento gay nos EUA é aprovado pela Suprema Corte

A Suprema Corte dos Estados Unidos declarou nesta sexta-feira (26/06) que casais formados por pessoas do mesmo sexo têm o direito constitucional de se casar. Cinco ministros votaram a favor e quatro votaram contra a decisão, que cita a 14ª Emenda da constituição norte-americana que declara que todos os cidadãos do país têm direitos iguais.
A maioria da Corte sustentou que a Constituição norte-americana exige que os estados permitam o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo e reconheçam o casamento em seu território quando ele tiver sido consumado em outro estado. Antes da decisão, casais homossexuais podiam se casar em 36 estados dos EUA, mas cortes federais não estavam de acordo sobre se os estados deveriam permitir casamentos e reconhecer uniões realizadas além de suas fronteiras.

Decisão

“Está claro que as leis discutidas oprimem a liberdade de casais formados por pessoas do mesmo sexo, e deve ser reconhecido que elas condensam preceitos centrais da igualdade (…).
Especialmente após uma longa história de desaprovação deste tipo de união, a negação do direito ao casamento a casais formados por pessoas do mesmo sexo é um grave e contínuo dano”, afirma a decisão da Corte. “A imposição deste obstáculo a gays e lésbicas serve para desrespeitá-los e subordiná-los. E a Cláusula de Proteção Igualitária, assim como a Cláusula do Devido Processo, proíbe esta infração injustificada do direito fundamental ao casamento.”
A Corte conclui: “Nenhuma união é mais profunda do que o casamento, pois ele incorpora os mais altos ideais de amor, fidelidade, devoção, sacrifício e família. [Os requerentes] pedem dignidade igualitária aos olhos da lei. A Constituição lhes garante esse direito.”
Obama
Para o presidente Barack Obama, a histórica decisão é um passo “em direção à igualdade”. “Hoje é um grande passo em nossa marcha em direção à igualdade. Casais gays e lésbicos agora têm o direito de se casar, exatamente como qualquer outra pessoa. O amor vence”.
Casa Branca
Em comemoração à decisão, a Casa Branca mudou seu avatar no Twitter e inseriu um gif com a história do casamento gay no país. O perfil do departamento do Departamento do Interior dos EUA postou uma foto com a mensagem: “Amor é amor!”
Hillary Clinton
A principal pré-candidata à presidência pelo partido Democrata, Hillary Clinton, mudou seu avatar para um H com as cores LGBT e comentou: “orgulhosa por celebrar uma vitória histórica para o casamento igualitário – e a coragem e determinação dos americanos LGBTs que fizeram isso possível”.
Rick Santorum
O pré-candidato republicano Rick Santorum ressaltou em seu perfil que a decisão foi tomada por cinco juízes que não foram eleitos e eles “redefiniram a unidade fundacional da sociedade. Agora é a vez de o povo falar”. Em outra postagem, ele ressaltou que “a Corte é um dos três poderes do governo e eles têm um registro imperfeito. O risco é muito elevado para ceder [a decisão pelo casamento gay] para juízes não eleitos”, ressaltou.
Jeb Bush
O também pré-candidato republicano e ex-governador da Flórida Jeb Bush, irmão do ex-presidente George W. Bush, ressaltou em um comunicado que “guiado pela minha fé, eu acredito no casamento tradicional” e ressaltou que a “Suprema Corte deve permitir que os estados tomem essa decisão”. E acrescentou: “Agora é crucial que como país nós protejamos a liberdade religiosa e o direito de consciência e também a não discriminação”.
Scott Walker
O republicano Scott Walker escreveu que a decisão “foi um grave erro. Cinco juízes não eleitos tomaram para si a redefinição da instituição do casamento
Lady Gaga, Madonna, Bette Midler, Cyndi Lauper
Entre as celebridades, o tom foi de comemoração. A cantora Lady Gaga postou uma foto com a bandeira LGBT e escreveu: “Parabéns, América! Casamento [entre pessoas] do mesmo sexo agora é legal em todo o país #IgualdadeParaTodos. Madonna considerou se tratar do início de uma “revolução do amor”. A atriz, cantora e comediante Bette Midler brincou ao fazer um “convite”: “Vamos à capela”.
A cantora Cyndi Lauper, postou várias mensagens em apoio à decisão, que considerou “um grande passo”. “Todos os americanos, independentemente de sua orientação sexual, podem se casar com a pessoa que ama”.
Mark Zuckeberg, Tim Cook
O criador do Facebook, Mark Zuckeberg, com quase 33 milhões de seguidores na rede social, mudou sua foto de perfil para uma com as cores LGBT e postou uma imagem que mostra a evolução das comunidades LGBT dentro do Facebook. “Nosso país foi fundado na promessa de que todas as pessoas são criadas iguais, e hoje nós demos outro passo para alcançar essa promessa. Eu estou muito feliz pelos meus amigos e por todos em nossa comunidade, que podem, finalmente, celebrar seu amor e serem reconhecidos como casais iguais perante a lei”. A postagem teve mais de 80 mil curtidas e superou os três mil compartilhamentos.
O CEO da Apple, Tim Cook, considerou a decisão “uma vitória para a igualdade, perseverança e amor”.
Por

As sete maiores vergonhas do Brasil nos últimos tempos

A lista dos episódios mais vergonhosos da história nacional foi elaborada pela antropóloga Lilia Schwarcz e a historiadora Heloisa Starling, autoras do recém-lançado ”Brasil: uma biografia”.

1 — Genocídio da população indígena

Até os dias de hoje há controvérsia sobre a antiguidade dos povos do Novo Mundo. As estimativas mais tradicionais mencionam 12 mil anos, mas pesquisas recentes arriscam projetar de 30 mil a 35 mil anos. Sabe-se pouco dessa história indígena, e dos inúmeros povos que desapareceram em resultado do que agora chamamos eufemisticamente de “encontro” de sociedades. Um verdadeiro morticínio teve início naquele momento: uma população estimada na casa dos milhões em 1500 foi sendo reduzida aos poucos a cerca de 800 mil, que é a quantidade de índios que habitam o Brasil atualmente.

2 — Sistema escravocrata

O Brasil recebeu 40% do total de africanos que compulsoriamente deixaram seu continente para trabalhar nas colônias agrícolas do continente americano, sob regime de escravidão, num total de cerca de 3,8 milhões imigrantes. Fomos o último país a abolir a escravidão mercantil no Ocidente (só o fazendo em 1888, e depois de muita pressão) e o resultado desse uso contínuo, por quatro séculos, e extensivo por todo o território foi a naturalização do sistema. Escravos eram abertamente leiloados, alugados, penhorados, segurados, torturados e assassinados.

3 — Guerra do paraguai

O Império brasileiro errou em cheio. Avaliou-se que a contenda internacional opondo, de um lado, Brasil, Uruguai e Argentina, e, de outro, o Paraguai seria breve e indolor. No entanto, a guerra – na época chamada de “açougue do Paraguai” ou de “tríplice infâmia” – durou cinco longos e doloridos anos: de 1865 a 1870. A consequência para o lado paraguaio não foi apenas a deposição de seu dirigente máximo, mas a destruição do próprio Estado nacional. Os números de mortes sofridos pelo país são até hoje controversos e oscilam entre 800 mil e 1,3 milhão habitantes. Quanto às estatísticas brasileiras, a relação de homens enviados varia de 100 a 140 mil.

4 — Canudos

Em 1897, a República abriu guerra contra Canudos: uma comunidade sertaneja originada de um movimento sóciorreligioso liderado por Antônio Conselheiro. Canudos incomodou o governo da República e os grandes proprietários de terras, pois era uma nova maneira de viver no sertão. Em 1897, o arraial foi invadido por tropas militares, queimado a querosene e demolido com dinamite. A população foi dizimada. Em Os sertões, publicado em 1902, Euclides da Cunha escreve: “Canudos não se rendeu. Caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, e todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados”.

5 — Polícia política do Governo Vargas

Em 1933, Getúlio Vargas criou a Delegacia Especial de Segurança Política e Social (Desp). Para comandá-la, Vargas entronizou o capitão do Exército, Filinto Müller. Na condição de chefe de polícia, Müller não vacilou em mandar matar, torturar ou deixar apodrecer nos calabouços do Desp os suspeitos e adversários declarados do regime sem necessidade de comprovar prática efetiva de crime. Pró-nazista, sua delegacia manteve um intercâmbio, reconhecido pelo governo brasileiro, com a Gestapo – a polícia secreta de Hitler – que incluía troca de informações, técnicas e métodos de interrogatório.

6 — Centros clandestidos de violação de direitos humanos

A ditadura militar instalou, a partir de 1970, centros clandestinos que serviram para executar os procedimentos de desaparecimento de corpos de opositores mortos sob a guarda do Estado – como a retirada de digitais e de arcadas dentárias, o esquartejamento e a queima de corpos em fogueiras de pneus. No Brasil governado pelos militares, a prática da tortura política e dos desaparecimentos forçados não foi fruto das ações incidentais de personalidades desequilibradas, e nessa constatação reside o escândalo e a dor.

7 — Massacre do Carandiru

Mais conhecida como Carandiru, a Casa de Detenção de São Paulo abrigava mais de 7 mil detentos, em 1992 – a capacidade oficial era de 3.500 pessoas. No dia 2 de outubro, uma briga entre facções rivais de presidiários terminou num massacre: a tropa policial entrou no presídio utilizando armamento pesado e munição letal. 111 presos foram mortos e 110 feridos. O cenário era de horror. Passados 21 anos, somente em 2014, 73 policiais foram condenados – todos podem recorrer em liberdade.

Por:
Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, Trip Magazine

7 de abr. de 2015

Leandro Karnal fala sobre a corrupção no Brasil







"A corrupção é estrutural ela pertence uma interpretação ética bastante difundida na sociedade brasileira e inclusive do governo". (Leandro Karnal)


4 de abr. de 2015

Desprezamos o ensino básico. O resultado está aí...

Nos protestos do dia 15, entre tantas placas de fora isso e fora aquilo, uma chamava a atenção. “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”.Isolada na polifonia de broncas, a bandeira dialogava diretamente com um anti-intelectualismo reinante nas rodas de conversas corriqueiras e nas cabeças ditas pensantes do Brasil.
De repente, fazer contrapontos com base em estudos, experiência histórica ou estatística virou “papo de intelectual”, algo não só pedante como dissociado do “mundo real”, prático e urgente. Uma forma de encerrar a conversa retirando a legitimidade de quem afirma “olha, não é bem assim”. Se não é bem assim não interessa, reagem os revoltados online e off-line, para quem ou se é um governista chapa-branca ou um golpista neoliberal insensível. O “selo” automático é sintomático da confusão de conceitos básicos no debate público sobre direitos, privilégios, inclusão, doutrina, conhecimento, argumento, cinismo, posição política e alienação. Fora de contexto, vira tudo uma conversa de doido.
Pois em meio à confusão flagrante, um sujeito ergue a placa contra um filósofo e educador reconhecido por instituições como Harvard, Cambridge e Oxford. Patrono da educação brasileira, Freire escreveu: “A educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. De duas uma. Ou o revoltado não sabe quem foi Paulo Freire ou sabe bem. Em qualquer das hipóteses, o flagrante é gravíssimo. Mostra a incapacidade de parcela da população em entender que tudo o que não nos sobra atualmente é Paulo Freire.
Mas não só. Num mundo em que o conhecimento é disponível na rede, mas é pouco organizado e contextualizado, o medo e a incompreensão tomaram forma em reações raivosas que atropelam qualquer raciocínio. Quando vemos, é preciso rebater o truísmo com os argumentos mais óbvios do tipo “desculpem avisar assim de supetão, mas a guerra fria acabou”. Nem sempre funciona. O medo e a incompreensão impedem um mergulho adequado em obras de referência. Adam Smith e Karl Marx até hoje nos dão pistas para a compreensão dos sistemas de produção e riqueza, mas são evitados por puro preconceito e ignorância. Para muitos, O Capital equivale a um manual de dez mandamentos do stalinismo. É mais ou menos como associar a execução da Cavalgada das Valquírias a planos expansionistas sobre o leste europeu.
É mais fácil, porém, morrer afogado no escuro, imaginando-se livre de qualquer doutrina, do que admitir: não entendo o que vocês falam. Pois pensar incomoda. Exige esforço. Desafia. E é mais fácil jogar na fogueira quem induz ao pensamento do que admitir nossa mediocridade. Desprezamos o contraponto porque ele nos desmente e, se nos desmente, não nos interessa.
O desprezo pelo cânone, que nos impede inclusive de contestá-lo com argumentos mais sofisticados do que as fórmulas prontas, é resultado de anos, décadas, séculos de desprezo pela educação de base. Tanto nas escolas particulares com nas instituições públicas, fracassamos diariamente quando confundimos ensino com mercadoria, macete de múltipla escolha com raciocínio, sucesso profissional com riqueza material, pluralidade com problema social. Os resultados nas provas de proficiência em língua portuguesa ou matemática são o maior legado da nossa falência. 
O ensino precário de matemática na infância formou adultos incapazes de raciocínio lógico e noções de proporcionalidade e grandeza. Da mesma forma, a incapacidade de ler ou produzir textos com qualquer nexo deu origem a adultos bestializados que não entendem figuras básicas de linguagem. Não sabem o que é metáfora, ironia ou contradição. Como debater cidadania sem as ferramentas próprias da cidadania que é a própria linguagem?
A torpeza de linguagem é a torpeza de pensamento, e esta nos levou, durante anos, a dormir tranquilos graças à expansão inconteste do ensino superior. Lá, nossas deficiências básicas começaram a pipocar aos montes. Formamos profissionais convictos de que a sua liberdade estava associada a um padrão de consumo. Vence na vida quem tem carro e grana, e a partir dessa lógica o governo dito popular bateu no peito para dizer na eleição passada que seu maior trunfo era a inclusão de milhões de pessoas ao maravilhoso mundo do consumo. Não era pouco, mas não era suficiente. Faltou o resto. Faltou Paulo Freire. Tanto faltou que o resultado está aí: temos hoje consagrada uma ideia de cidadania desarticulada, agressiva e vulnerável a soluções fáceis para problemas complexos.
A gravidade desse analfabetismo político pode ser observada cada vez que alguém se revolta com notícias falsas de um site de sátiras como o Sensacionalista. Dias atrás, um amigo me marcou numa notícia sobre a transferência da presidenta Dilma Rousseff, com a popularidade em baixa, para o Palmeiras. Um amigo do amigo comentou: “essa égua, em vez de priorizar saúde e educação, prioriza futebol”. Pois se alguém, e não apenas o governante de plantão, desse a mínima ao que Paulo Freire defendia, o sujeito que agora se rebela com paus e pedras saberia o que é sátira e o que é ironia. 
Mas ele não sabe. E, como não sabe, ele agride. A ausência de noção sobre nosso limite intelectual é um sintoma grave de uma ignorância anterior. Mas preferimos não encará-lo. Confortáveis, repetimos que os cães ladram e a caravana passa. O problema é quando a caravana, preocupada com a autoimagem diante dos cães, desiste do diálogo e começa a latir em busca de votos ou leitores.
Isso acontece, por exemplo, quando deputados tentam reconquistar a moral com a população jogando para a plateia o debate sobre a redução da maioridade penal. A retomada ocorre às custas de praticamente todos os especialistas no assunto: Unicef, Ministério Público Federal, Defensoria, Conselhos de Psicologia, ONGs, estudiosos da segurança pública. É como definiu o amigo Rafael Bozutti, advogado especialista em direito penal: quando ficamos doentes, consultamos o médico; quando construímos uma casa, consultamos um engenheiro; mas quando queremos abordar segurança pública ouvimos a…opinião pública. Mal formada e mal informada, ela estará sempre disposta a resumir o mundo em uma sentença simplória: “mais punição, menos crimes”.
Pois de que adianta dizer que no Brasil o jovem morre em proporção muito maior do que mata? Ou que nenhum país que ampliou o sistema de punição reduziu o índice de criminalidade? Ou que a prisão, como funciona hoje, serve como porta de entrada, e não de saída, para o crime? 
"Isso é papo de intelectual", dizem os especialistas em programas policiais de fim de tarde incapazes de apresentar um único bom argumento além do seu desprezo pela figura do marginal – e a quem propõe contrapontos e é taxado de “defensor de marginal”. Atentos a esse sentimento anti-intelectual, os deputados tentam reconstruir, com ligação direta, as pontes com um tipo de eleitor avesso também à política e à ideia de que a expansão de direitos é uma luta política. Este eleitor se contenta com soluções fáceis porque se nega a ver que o problema é complexo.
Por isso, quando confrontado, ele grita. Chama a feminista de puta, a militante de gorda, o negro de preguiçoso, o intelectual de vendido, o contraponto de “comunismo”. Este sujeito radicalizado não é um monstro. É apenas medíocre – e medíocre no sentido original do termo: é ordinário, mediano, trivial e sofrível.
Esse terreno minado da cegueira coletiva se tornou o campo propício do cinismo caolho. De olho nesse (e)leitor apavorado, há quem contrate fãs do pateta, viúvas da guerra fria e meninões do fundão da sala para espalhar monstros e deseducar – inclusive trazendo para o debate antigos coronéis que hoje berram contra a corrupção porque não foram chamados para a festa. Esses grupos têm toda a razão em se opor à pedagogia do oprimido: embora diplomados, não fazem a menor questão de ver seus leitores ligando os pontos e pensando por si. Por isso latem. Ou fingem latir. Ou dão selos de qualidade a jovens de 18 anos que latem em vídeos viralizados para falar sobre corrupção, respeito e cidadania. Para que ouvir especialistas?
Como os deputados afrontados pela impopularidade, o que não faltam são veículos de imprensa que, para dialogar com um público que desaprendeu a pensar, tentam formar um público (ou eleitores) com latidos de cortesia. Assim, a linguagem morre um pouco a cada dia.
Quando os cães tomam a caravana, é tarde demais para fazer chacota sobre os erros de português e raciocínio precário nos cartazes presentes nas mobilizações de rua. É fácil mandar a população estudar quando não nos preocupamos com a violência, o despreparo, os preconceitos e os salários ridículos enfrentados todo dia por professores em sala de aula. Eles têm na base da pirâmide a missão de carregar lamparinas contra a escuridão. Faltam refletores. Falta Paulo Freire.

Por

MATHEUS PICHONELLI


Blog do Matheus Pichonelli

Sobre a menina síria que se rende ao confundir câmera fotográfica com uma arma

Quando ainda menina, lia muito Drummond. Achava um exagero ele dizer que chegaria um tempo de absoluta depuração, em que “(…) os olhos não choram./E as mãos tecem apenas o rude trabalho./E o coração está seco.” Mas hoje eu vi no noticiário uma cena muito peculiar, e a verdade do poema me veio à alma, imediatamente. Um fotógrafo, ao tentar retratar a vida das crianças sírias, conseguiu captar não a frieza deste mundo, mas já a sua consequência. Ele enquadra a criança em sua lente e essa levanta os braços, rendida, pensando ser uma arma.
Deus! Que mundo é este, onde a inocência caminha de mãos levantadas e a alma do mundo não sangra, e os olhos dos homens não choram, e a dor já não nos pode chocar? Que mundo é este cujos avanços tecnológicos não encontram eco na evolução moral dos indivíduos e onde só o que conta são os cifrões?
Um mundo cujo colorido já não é convidativo aos olhos. Onde a beleza é preterida. Onde a pureza dos pequeninos ainda é roubada e banhada do sangue de seus pares, de seus pais e, não raro, do seu próprio sangue. Um mundo cujas crianças já têm a esperança prematuramente envelhecida pela dor que transborda dos noticiários e que não raro floresce ao seu lado. Um mundo em que, a cada dia, o homem teme mais e mais o próprio homem.
Frequentei um curso, há um tempo, e algo me deixou sobremodo perplexa. O instrutor mostrava-nos diversos vídeos com acidentes causados por veículos. Em dada situação, um homem fora atropelado por não olhar para a sua direita quando um carro vinha na contra mão.  Alguns dos colegas, a maioria jovens entre 18 e 25 anos, riram da cena. Noutro atropelamento, a maioria riu. Esboçaram alguma comoção, leve, quando uma criança foi atropelada. Mas, pasmem: um cachorro foi atropelado e, nesse momento, houve uma comoção geral: “Ah, pobrezinho! Tadinho dele!”.  
A banalização da dor do outro é hoje tamanha que os jovens se identificam mais e se comovem mais com a dor de um animal que com a dor de um homem ou de uma criança.
A dor do outro é estatística. “Quanta mortes, mesmo, na Síria? Quantos desabrigados no Acre? Quantas mulheres são agredidas por ano? Quantas crianças são estupradas por parentes próximos?” Não! Essa postura desmerece o infinito que somos, desautoriza a angelitude a que estamos destinados, desmente a centelha do Eterno que permeia a alma de cada um de nós!
Necessitamos ver o outro como parte desprendida, mas ainda ligada a nós por lanços infindáveis de natureza espiritual. Ninguém pode ser plenamente feliz enquanto um só de nós estiver de braços levantados, rendida criança assustada pelos estrondos da guerra, cativa da dor e da morte. Esfomeada de uma Justiça que ela não pode compreender ou dizer, mas, humana que é, já a pode desejar e de sua falta se ressentir.
Que esta criança que hoje vi de mãos levantadas por confundir a câmera com uma arma possa ainda, é o que utopicamente desejo, levantar novamente as suas mãos, mas não por medo. Que ela ainda possa, na pontinha dos pés, elevar os seus braços para brincar com as estrelas.
MENINA SÍRIA
Há alguns dias um fotógrafo capturou, na Síria, a imagem de uma criança que se rendeu em frente sua câmera. Segundo informações do site Huffington Post, a pequena levantou os braços ao confundir a câmera com um rifle.

Por Nara Rúbia Ribeiro
www.contioutra.com



Tristes tempos em que vivemos expressada na letra da música "Perfeição", de Renato Russo: quantos ainda precisarão morrer para celebrar a estupidez humana? 148 mortes no Quênia, 4 mortes no Morro do Alemão...
"Vamos celebrar
A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos covardes
Estupradores e ladrões
Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação
Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E sequestros
Nosso castelo
De cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia
E toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância
A incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção
Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição! "

5 de mar. de 2015

O país das maravilhas

O escritor e jornalista Juan Arias, comentando meu artigo "O nosso fundamentalismo", indaga se o conservadorismo da sociedade brasileira não estaria fundamentado em nosso precário sistema educacional. Talvez esse seja o ponto essencial para podermos refletir sobre esse colosso territorial chamado Brasil, não só em relação ao reacionarismo da população em geral, mas também à nossa incapacidade de concebermo-nos como nação, ou seja, conjunto de pessoas que se vinculam visando a atingir um objetivo comum.
Em entrevista ao jornal Zero Hora do dia 1º de março, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), especialista no assunto, faz uma série de considerações a respeito do estado da educação no Brasil e diagnostica: se começássemos um trabalho sério nas escolas de base hoje, o país alcançaria um ponto de excelência apenas daqui a 20, 30 anos... No entanto, do jeito que vamos, conclui, estamos ficando para trás. Permanece no ar um questionamento singelo, como devem ser as indagações mais profundas: se eu sei, se você sabe, se todos sabemos que não iremos a lugar algum sem uma radical transformação do sistema educacional, por que nos contentamos em afundar no pântano da ignorância?
Cristovam Buarque constata, desolado, que “por algum motivo” não damos importância à educação. “Ninguém é considerado rico no Brasil por ser culto. Você é considerado rico pela casa, pela conta bancária, pelo tamanho do carro, mas não pelo grau de cultura e educação. Mesmo quem gasta dinheiro para estudar não está em busca de cultura, está em busca do emprego que a educação lhe dá”. Infelizmente, essa assertiva é verdadeira e crucial para tentarmos entender o nosso desprezo pela cultura letrada.
O quadro mudou, certamente, por conta do compromisso do Estado em ofertar ensino gratuito obrigatório a todos os brasileiros entre 4 e 17 anos (alicerçado na Lei de Diretrizes e Bases de 1996) e de garantir cotas raciais e sociais em universidades públicas para afrodescendentes, indígenas e alunos oriundos de escolas públicas (baseado na Lei de Cotas, de 2012). Mas se melhorou em relação à possibilidade de acesso, e isso é um ganho inegável e indiscutível, piorou bastante no que concerne à qualidade da educação disponível.
Infelizmente, nosso sistema educacional continua sendo um instrumento de segregação social e, por consequência, de manutenção no poder de uma elite econômica, que é também política e cultural. A alfabetização e os ensino fundamental e médio, essenciais para a formação do aluno para o resto da vida, definem a que classe você pertence e na qual permanecerá. Segundo dados do IBGE, metade da população com mais de 25 anos não concluiu sequer o ensino fundamental; 15% não concluíram o ensino médio; e apenas 11% concluíram o universitário – desenho nítido da pirâmide social brasileira.
As famílias pobres, sem opção, matriculam os filhos em escolas públicas, que funcionam em prédios obsoletos, com infraestrutura mínima, sem segurança, sem biblioteca, administrados por professores, em geral, mal formados e sem incentivo, acossados pela baixa remuneração e falta de segurança e desrespeitados por pais e alunos. O resultado é que, segundo relatório da Unesco, o estudante está na sala de aula, mas não aprende – 22% se formam sem capacidades elementares de leitura e 39% não têm conhecimentos básicos de matemática. Por outro lado, a maioria dos pais não se sente responsável pelo desempenho dos filhos na escola, ignorando assim que a educação, embora inclua a instrução, a ultrapassa. Essa visão utilitária e limitada impede que a comunidade interfira na resolução dos problemas da escola.
Já as famílias ricas conduzem seus filhos para escolas privadas, que contam com boa infraestrutura, regimes pedagógicos diferenciados, bibliotecas, ambiente adequado, professores bem remunerados, etc. Mais tarde, esses alunos ocuparão a maioria das vagas das melhores universidades públicas – aos alunos pobres restam as universidades privadas, de duvidosa reputação. Em suma: os alunos ricos estudam de graça em boas instituições, sem nenhuma contrapartida social, enquanto os pobres pagam para assistir aulas em estabelecimentos deficientes.
Somos um país, mas não somos uma nação. A ignorância é o terreno fértil para a propagação de ideias conservadoras – o escritor sérvio Danilo Kis, em seu romance Um túmulo para Boris Davidovich, afirma que quem lê vários livros busca a sabedoria, quem lê um único, busca a ignorância. O desdém pela cultura, que atinge o Brasil de alto a baixo, envenena nossa percepção: aqui, o que é de todos, não é de ninguém. Todos nos aferramos às nossas pequenas conquistas e, para não perdê-las, abraçamo-nos a qualquer discurso reacionário, que ao fim e ao cabo, prega sempre o egoísmo, o cinismo, a mediocridade.

Por:
Luiz Ruffato
http://brasil.elpais.com

O palhaço que não amava as mulheres

No ônibus de Vinhedo para a Unicamp, o palhaço entrou pela porta dos fundos e começou a discorrer sobre os benefícios e o princípio-ativo da alegria.
-O homem que sorri está sempre leve e disposto a aprender. O homem sério está brigando o tempo todo, até com os pais.
Simpático, com a calça esgarçada, a peruca mal colocada e a maquiagem já derretendo àquela hora do dia, ele intercalava gracinhas sobre as roupas dos passageiros com mensagens motivacionais.
-Ali à esquerda tem um asilo, e os velhinhos precisam da ajuda de vocês. Sabe do que eles gostam? De sabonete.
Até ali ok, pensei comigo. A abordagem era deselegante, mas um pouco de culpa numa manhã de quarta-feira não faria mal a ninguém. Em instantes, ele avisava que o assunto ali era sério. Que era voluntário dos hospitais da região e precisava de ajuda para o seu projeto. Ajudar ou não ia da consciência de cada um.
Como a conversa não parecia sensibilizar os bolsos dos passageiros, ele logo sacou a Bíblia e começou a falar em nome de Deus - justo Deus, que tinha tanto a fazer no mundo naquela manhã.
Nessas horas, manifestamos uma espécie de preconceito às avessas: o sujeito de fala simples, roupa desgrenhada e que relatava as dificuldades da vida circense estava convicto de que fazia a coisa certa e não poderia fazer nada a não ser nos amolar. O cara era gente boa. Que mal ele faria? Deselegante seria pedir silencio - justo pra ele, um soldado do riso e da esperança de crianças enfermas. Ele, então, seguiu. E o que seguiu adiante é o que acontece quando tentamos imaginar o julgamento dos deuses, e dos autores dos livros sagrados, sobre nossos hábitos contemporâneos: um arremedo entre a desinformação e o moralismo.
Entre outras coisas, o palhaço disse que as famílias estão sendo destruídas pela novela, que o marido perdeu a atenção em casa para a TV, que depois ninguém entende por que ele fica violento, que a Lei Maria da Penha o prejudica e o faz voltar pra casa ainda mais agressivo, que hoje em dia as meninas estão engravidando cada vez mais cedo e estão lotando os hospitais com câncer de mama porque estragam os peitos com silicone e os peitos foram feitos para amamentar, não para ficarem empinados.
Aquela tentativa desastrosa de levar a palavra do Senhor com alegria era a caricatura perfeita do senso comum. Por esse raciocínio, que tantas vezes ouvimos e calamos nos ambientes privados, as mulheres sofrem as dores do mundo desde Eva; a malícia de toda mulher é sempre o pecado original. Ela seduz e engravida por geração espontânea, e isso é sempre uma desonra para quem seduz, nunca para os (supostos) seduzidos.
Na fala do palhaço-cidadão, o câncer era uma questão moral alimentada pela vaidade (delas, claro) e a agressão, a surra, o revide e o assedio eram medidas corretivas compreensíveis - pois a culpa não é jamais do agressor, mas da TV e dos descasos produzidos por quem se deixa seduzir pela TV.
Não sei por qual igreja ele comungava, mas lembrei que os religiosos que falam sobre a desonra da gravidez indesejável são os mesmos que criam demônios - a TV, as drogas, as tentações do corpo - e boicotam os métodos contraceptivos, a educação sexual e o direito à decisão sobre o próprio corpo.
-É verdade ou estou mentindo?, perguntava o palhaço, entre a galhofa e a melancolia.
Alguns riam, muitos concordavam, outros só ficavam constrangidos em dizer não. Aquela viagem em um ônibus público acabava de se transformar num culto, e aquilo não tinha graça nem era inocente.
A certa altura ele disse que a Xuxa não gostava de criança, gostava de dinheiro, e que se gostasse de criança teria engravidado do Pelé ou do Senna. E que nós, brasileiros, tínhamos culpa pelo descalabro do país: tivemos a chance de colocar um homem na Presidência, mas preferimos manter uma mulher.
Quando estava bem claro que o problema do palhaço eram as mulheres, e não a Petrobras, a qualidade dos programas infantis ou do que quer que fosse, calculava comigo mesmo se valia a pena pedir a palavra ou não. Estava pronto para chegar ao trabalho e escrever algo a respeito - mas, como ele, eu também estaria pregando a convertidos. Além do mais, dizer o quê? Pra quê?
Desde os tempos do Centro Acadêmico ouço do meu amigo Maurício Savarese que preciso perder o medo do conflito - não o que a gente expõe em nossas redes e zonas de conforto, mas o que a gente provoca quando rebate, na lata, um absurdo. Eu estava diante de um grande absurdo, e tinha medo de chutar e espalhar a asneira por todo o ventilador. E tinha medo de fazer papelão em público.
Nessas horas, longe do cuidado ao escolher palavra por palavra daquilo que a gente escreve, o risco é me tornar a personagem da Clarice Lispector em Perto do Coração Selvagem: quando digo não só não consigo dizer o que penso como o que penso passa a ser o que eu digo. No cálculo, opto pelo silêncio - e no silêncio me recolho tentando reconstituir, pelo resto do dia, o episódio e tudo o que poderia ter dito e não disse.
Então eu disse.
-Tem alguma mulher no mundo que o senhor não despreza, amigo? A Xuxa, a Dilma, as meninas que engravidam, as que não engravidam. Quem mais?
Engasgando para não falar para dentro, disse que o sujeito ofendia a todos ali que têm ou tiveram casos de câncer ou violência nas famílias. E que o que ele dizia tinha nome: misoginia. E que em nome dessa misoginia ele falava um monte de bobagens que constrangem, desinformam e perpetuam um velho crime. E que se as pessoas ainda morrem vítimas de violência sexual ou violência doméstica não era por causa da TV ou de uma lei feita para protegê-las, mas porque os homens são violentos, e são violentos muitas vezes porque cansaram de ouvir aquele tipo de discurso: o que joga a culpa nos demônios que moram fora, e não dentro deles, sujeitos passivos e incapazes de conter os impulsos provocados pelas saias das mulheres nas ruas e nas novelas. Nada saiu como transcrevo nem como eu gostaria, mas se fosse recapitular o raciocínio não seria muito diferente disso.
Em silêncio o ônibus estava e em silêncio o ônibus seguiu, até que uma senhora se manifestou:
-Afinal, o senhor é palhaço ou é médico?
Só agora consigo ver graça naquela pergunta. Na hora apenas corei. O palhaço, sem graça, me fazia me sentir culpado. Lembrei de sua primeira frase ao entrar, sobre as alegrias. Eu era o sujeito sisudo, fechado e incapaz de sorrir. Que grande chato me tornei.
O olhar que ele me dirigiu era sério, e pouco pude dizer quando ele começou a descrever a dignidade de seu trabalho como palhaço, me mostrou fotos com algumas autoridades locais (todos homens, diga-se), e disse que eu deveria me solidarizar com as crianças, que elas estavam perdidas no mundo, que os doentes precisavam de alegria…
-Respeito o seu trabalho, mas isso não tira a gravidade do que o senhor está dizendo aqui em público para um ônibus lotado.
-Estou só falando a verdade para as pessoas.
-Não, o senhor está falando o que acha ser verdade. O que senhor está falando é bobagem. Câncer de mama não é uma questão moral e não tem a ver com falta de amamentação, e o senhor deveria saber disso.
-Eu só digo o que vejo. E sou livre para dizer o que penso.
-E eu sou livre para não ouvir, mas o senhor não me deu essa opção quando entrou aqui e começou a pregar.
Foi então que ele me desejou felicidades (na verdade ele me amaldiçoava) e desceu. A senhora que o questionara se aproximou e perguntou se eu estava bem, e eu não estava. Não estava porque tinha a sensação de ter chutado cachorro morto.
Em casa, ainda remoendo a necessidade daquilo tudo (e dessa crônica, por fim), ouvi a Camila dizer, com toda razão: falta muito para as pessoas começarem a defender em público o extermínio de mulheres, gays, negros, imigrantes. Falta quase nada. Rir ou caçoar de quem tem a ideia torta não elimina a ideia. Concluí então que o conforto do nosso desprezo, que antes nos paralisa, é o que encurta a distância entre o palhaço da história - o tal cachorro morto - e a tribuna do Congresso. Sim, isso é um convite: rebatam. Em casa, no ônibus, na escola, na vizinhança, na igreja. É isso o que nos fará compreender e conter, pelo constrangimento, sorrisos tão abertos como os de Alexandre Frota e seus asseclas quando manifestam, sem culpa, seus desprezos e suas violências contra quem não tem o menor motivo para sorrir.
Por:
ttps://br.noticias.yahoo.com/blogs/matheus-pichonelli/o-palhaco-que-nao-amava-as-mulheres-005156158.html#